RECOMENDAÇÃO N.º 6/B/04
(Artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)














Entidade visada: Secretária de Estado da Administração Pública
Procº: R-109/03
Data: 2004/03/25
Assunto: Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública. Promoção a técnico superior de 1.ª classe.
Área: A4

XXXX, técnica superior de 2.ª classe do quadro de pessoal da Secretaria-Geral do Ministério da Economia, dirigiu-me uma reclamação relativa aos termos em que foi determinada a sua promoção a técnica superior de 1.ª classe, por aplicação do disposto no Decreto-Lei que regula o Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública (Decreto-Lei n.º 54/2000, de 7 de Abril).



1. Termos da reclamação apresentada


1.1. A reclamante frequentou e concluiu o Curso no ano lectivo de 2000-2001. Nos termos do Despacho da Direcção-Geral da Administração Pública n.º 22 197/2001, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 26 de Outubro, ingressou na função pública como técnica superior de 2.ª classe, com efeitos a 13 de Outubro de 2001, tendo ficado afecta ao quadro transitório, para o efeito criado junto da DGAP.


1.2. Pelo Despacho Conjunto n.º 525/2002, publicado na 2.ª série do Diário da República de 18 de Junho, foi a reclamante integrada no quadro de pessoal da Secretaria-Geral do Ministério da Economia, como técnica superior de 2.ª de classe, com efeitos a 25 de Fevereiro de 2002.


1.3. Em 13 de Outubro de 2002, a reclamante subscreve um pedido solicitando, nos termos do n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 54/2000, de 7 de Abril, a promoção à categoria de técnico superior de 1.ª classe. Entendeu a Secretaria-Geral do Ministério da Economia que a promoção da reclamante terá efeitos reportados a 25 de Fevereiro de 2003, data em que completa um ano de serviço efectivo naquele organismo, e não a 13 de Outubro de 2002, data em que completa um ano de ingresso na função pública, através da integração no quadro transitório da DGAP.


1.4. Invocou a Secretaria-Geral do Ministério da Economia uma informação da Direcção-Geral da Administração Pública, de 29 de Novembro de 2002, na qual se transmite a “orientação fixada por esta Direcção-Geral e sancionada por Despacho de Sua Excelência a Secretária de Estado da Administração Pública, tendente à aplicação uniforme do regime em apreço”. Assim, entendeu a Direcção-Geral da Administração Pública que “estando a promoção automática prevista naquela norma condicionada à atribuição de uma classificação de serviço e pressupondo esta o efectivo exercício de funções, a contagem do ano legalmente prescrito para a promoção inicia-se necessariamente com a colocação em actividade no serviço integrador (…). No que concerne à atribuição da classificação de serviço, não estabelecendo o Decreto-Lei n.º 54/2000 qualquer ressalva, são de observar as regras gerais constantes do Decreto Regulamentar n.º 44-B/83, de 1 de Junho”. Entendeu, ainda, esta Direcção-Geral que nas situações em que o momento da classificação de serviço não coincidir com o momento em que se completa um ano de serviço, deve a promoção ter efeitos à data em que se completa um ano, obtida que seja a classificação de Muito Bom.


2. Instrução da queixa na Provedoria de Justiça


2.1. No âmbito da instrução da reclamação, foram solicitados esclarecimentos à Direcção-Geral da Administração Pública, chamando, já nesse momento, a atenção para dois aspectos que me parecem centrais na interpretação que a Administração deve atribuir ao sistema consagrado no Decreto-Lei n.º 54/2000.


2.2. Primeiro, nada na lei impõe que a contagem de um ano, para efeitos de promoção, se inicie com o ingresso no serviço integrador, pelo contrário. O n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 54/2000 apenas aponta duas condições à promoção: um ano, nada dizendo sobre o momento em que se inicia e, portanto, admitindo a interpretação de que, para todos os efeitos, se conta a partir do momento do ingresso na função pública; classificação de serviço de Muito Bom.


2.3. Segundo, a partir do momento em que os alunos do Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública ingressam no quadro transitório da DGAP são, para todos os efeitos, qualificados como funcionários públicos, ficando sujeitos às regras vigentes para o funcionalismo público, incluindo, naturalmente, aquelas que regulam a classificação de serviço. Ora, o Decreto Regulamentar n.º 44-B/83, de 1 de Junho, consagra, no seu art.º 15.º, a possibilidade de os interessados solicitarem a classificação de serviço extraordinária, quando, durante o ano em que é atribuída a classificação e até 30 de Junho, venham a reunir o requisito de 6 meses de contacto funcional com os notadores competentes.


2.4. Foi, ainda, salientado o facto de diversos serviços que integraram graduados do Curso do INA, que terminaram o curso na mesma data que a reclamante, interpretaram a norma em causa no sentido de a promoção produzir efeitos à data da nomeação no quadro provisório da DGAP (entre outros, ver Despacho n.º 22 791/2002, publicado no D.R, 2.ª série, de 24 de Outubro; Despacho n.º 23 897/2002, publicado no D.R, 2.ª série, de 9 de Novembro; Despacho n.º 24 822/2002, publicado no D.R, 2.ª série, de 21 de Novembro de 2002; Despacho n.º 24 266/2002, publicado em D.R, 2.ª série de, 14 de Novembro de 2002; Despacho n.º 12 460/2002, publicado em D.R, 2.ª série, de 23 de Novembro de 2002; Despachos n.ºs 25 150/2002 e 25 151/2002, publicados em D.R, 2.ª série, de 26 de Novembro de 2002).


2.5. A coberto do ofício n.º 3667, de 21 de Maio de 2003, veio a Direcção-Geral da Administração Pública informar do seu entendimento sobre a matéria em análise.


2.6. Assim, entende a Direcção-Geral da Administração Pública que “o Decreto-Lei n.º 54/2000, de 7 de Abril, prevê uma regra de promoção automática à categoria de técnico superior de 1.ª classe, promoção essa sujeita a dois requisitos: um ano (omitindo o início da contagem do mesmo) e a existência de uma classificação de serviço de Muito Bom”. Este regime consagra, portanto, uma excepção ao regime geral da promoção que, “nos termos do art.º 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro, faz depender a promoção a categoria superior da prestação de serviço na categoria imediatamente inferior durante o tempo e com a classificação de serviço legalmente previstos”. Porém, segundo a DGAP, o regime de excepção em causa traduz-se apenas na redução do tempo de serviço legalmente prescrito e não na natureza daquele mesmo tempo, isto é pressupõe uma “prestação efectiva de serviço”.


2.7. Por outro lado, concorda a DGAP que um funcionário abrangido pelo regime do Decreto-Lei n.º 54/2000 pode ser objecto de uma classificação de serviço extraordinária. Porém, tal “apenas releva na medida em que viabiliza a obtenção de uma classificação de serviço, a ser levada em conta no momento em que o funcionário perfaça um ano de serviço efectivo, para efeitos da promoção constante no n.º 1 do art.º 5.º do citado Decreto-Lei”.


2.8. Concluída a instrução do presente processo, cumpre adoptar uma posição final sobre a matéria em análise.


3. Análise da matéria objecto de reclamação


3.1. A questão em análise neste processo é a de saber se o período de um ano, previsto no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 54/2000, de 7 de Abril, para efeitos de promoção à categoria de técnico superior de 1.ª classe, se refere ao momento do ingresso na função pública, através da afectação ao quadro transitório da DGAP, ou ao momento em que, os que assim ingressaram na função pública, transitam do quadro da DGAP para os quadros dos serviços integradores.


3.2. Entende a DGAP, como já referido, que o tempo para essa “promoção automática”, na medida em que depende de uma classificação de serviço e pressupondo esta o exercício efectivo de funções, conta-se a partir da data da colocação em actividade no serviço integrador.


3.3. Afigura-se-me que, sob diversas perspectivas, esta interpretação não será a mais adequada.


3.4. A norma em causa consagra que “os alunos não vinculados à função pública que concluam o CEAGP com aproveitamento adquirem a qualidade de funcionários com a categoria de técnico superior de 2.ª classe, sendo promovidos à categoria de técnico superior de 1.ª classe ao fim de um ano, desde que tenham a classificação de serviço de Muito Bom.”


3.5. Nada nesta norma nos indica que um ano se conta a partir do momento da integração, pelo contrário, parece apontar noutro sentido. Assim, a um nível estritamente literal, o que a norma nos diz é qual o momento em que é adquirida a qualidade de funcionário público e qual o tempo para a promoção: um ano. Da leitura do preceito parece poder retirar-se, com alguma segurança, que “um ano” está relacionado com o momento em que se adquire a qualidade de funcionário público, e não com a obtenção da classificação de serviço. O que o legislador aqui pretende estabelecer é, tal como o fez ao nível das regras gerais sobre carreiras na função pública, que um funcionário que cumpra um ano desde a sua nomeação não poderá ser promovido se tiver uma classificação de serviço inferior a Muito Bom.


3.6. Assim, entre as duas interpretações aqui em confronto, relativamente ao momento a partir do qual se começa a contar o período de um ano para efeitos de promoção, parece-me que aquela que melhor se conforma aos princípios consagrados na Constituição é a que vai no sentido de considerar que esse tempo começa a partir da data da aquisição da qualidade de funcionário público.


3.7. Desde logo, aquela interpretação parece ser, entre as duas, a única que garante, com alguma segurança, a realização do princípio da igualdade. O princípio da igualdade exige que a Administração aplique regimes iguais a situações iguais e regimes diferentes a situações de facto diferentes. Abrange, portanto, a proibição do arbítrio e da discriminação, assente em categorias subjectivas e constitucionalmente não relevantes.


3.8. Ora, considerando que, nos termos do n.º 2 e do n.º 3 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 54/2000, cabe à Direcção-Geral da Administração Pública criar um quadro transitório para ingresso dos alunos que concluíram o curso com aproveitamento, admitidos à função pública como técnicos superiores de 2.ª, e que compete ao respectivo Director-Geral proceder à primeira colocação desses funcionários nos quadros dos serviços interessados, a interpretação mais conforme ao princípio da igualdade é aquela que faz depender a efectivação do direito à promoção, verificado que esteja o requisito da classificação de serviço, de um momento fixado igualmente para todos, e não de um momento que pode variar com grande amplitude, variação essa imputável à Administração e não aos interessados.


3.9. E esta interpretação não pode, nem deve, ser afastada recorrendo ao argumento da “prestação de serviço efectivo”. Assim, alega a DGAP que “o actual regime de carreiras assenta num princípio de racionalidade que faz depender a promoção, para além da permanência de um determinado tempo na categoria, da avaliação do desempenho das funções. E essa avaliação de desempenho profissional pressupõe, indubitavelmente, uma prestação efectiva de serviço”. Ora, daqui parece poder concluir-se que, segundo o entendimento da DGAP, durante o tempo em que estes técnicos superiores de 2.ª classe se mantiverem no quadro transitório não prestam serviço efectivo. Porém, nada na lei impede a prestação de serviço efectivo durante esse período.


3.10. Pelo contrário, o mesmo princípio de racionalidade invocado pela DGAP impõe que, no decurso desse tempo, de duração variável, os funcionários públicos em questão prestem serviço efectivo no âmbito do quadro transitório a que estão afectos. É que, a não admitir-se esta hipótese, estaríamos perante uma situação de irracionalidade na gestão de recursos humanos e financeiros da Administração Pública, pois o Estado estaria a remunerar técnicos superiores de 2.ª classe para estes não prestarem serviço efectivo. A configurar-se semelhante situação, a Administração estaria a incorrer na violação do princípio da ocupação efectiva.


3.11. Assim, admitir que o tempo de serviço prestado no âmbito do quadro transitório da DGAP não é susceptível de classificação é entender que o funcionário público não se encontra ocupado, o que me parece insustentável.


3.12. Finalmente, é de salientar que o argumento invocado pela DGAP de que “o facto de o funcionário poder ser objecto de classificação de serviço extraordinária apenas releva na medida em que viabiliza a obtenção de uma classificação a ser levada em conta no momento em que o funcionário perfaça um ano de serviço efectivo, para efeitos da promoção a técnico superior de 1.ª ” não encontra qualquer suporte legal não podendo, portanto, fundamentar uma interpretação normativa.


3.13. Face ao exposto, Recomendo a V.Ex.a que:








à luz do princípio da igualdade e na prossecução de um objectivo de racionalidade na gestão dos recursos humanos e financeiros do Estado, se digne ponderar a adopção de uma interpretação da norma contida no n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 54/2000, de 7 de Abril, que aponte no sentido de o período de um ano para a promoção se contar a partir da data do ingresso na função pública e adopte as medidas necessárias a que, durante o período em que estiverem afectos ao quadro transitório da DGAP, estes funcionários públicos estejam, efectivamente, a prestar serviço ao Estado.


3.14. Queira V.Ex.a, em cumprimento do dever consignado no n.º 2 do artigo 38.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, dignar-se informar sobre a sequência que o assunto vier a merecer.


O Provedor de Justiça,

H. Nascimento Rodrigues