RECOMENDAÇÃO N.º 4/A/04
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)














Entidade visada: Presidente do Governo Regional dos Açores
Procº: R-3385/03 (Aç)
Data: 2004/04/06
Assunto: Seguro escolar
Área: Açores (A6)

 



I – INTRODUÇÃO


(…) No passado dia 23 de Maio [de 2003] pelas 15 horas o aluno ……. do 8º ano turma D foi agredido, a murro, pelo aluno …….. do 7º ano turma G, quando se encontravam nos balneários após as aulas de educação física, da agressão resultou lesão grave na vista esquerda , levando à perca total da visão nesse olho (…)”. Este excerto do despacho do Senhor Presidente do Conselho Executivo da EB 3/S Pe. Jerónimo Emiliano de Andrade, de 26.05.2003, fixa parte da matéria de facto relevante para efeitos da presente instrução e partir-se-á desta descrição para a formulação da presente Recomendação.


Do mesmo passo, reter-se-á o facto do instrutor do processo de averiguações oportunamente instaurado ter afirmado expressamente que “a questão (…) da responsabilidade civil por parte do estabelecimento de ensino (…) [extravasa] os poderes e as competências” que lhe haviam sido confiadas e, depois de esclarecer que iria ‘levantar o véu’ da questão, ter acabado por concluir que, para além dos funcionários implicados não deverem ser disciplinarmente sancionados, também considerava “que a Escola [não podia] ser responsabilizada civilmente por força da parte final do artigo 491º do Código Civil”.


Tudo indica que apenas depois de iniciada a instrução do processo aberto neste órgão do Estado veio a ser ponderada a pertinência da aplicação do regime do seguro escolar à situação em apreço, tendo a Secretaria Regional da Educação e Cultura decidido, com base em informação (não numerada nem datada) do Técnico Superior de 2ª Classe Paulo M. Cardoso, que “a situação verificada não é abrangida [pelo regime do seguro escolar] (…)” uma vez que:







– “de acordo com o nº 4 do artigo 17º do Regulamento da Acção Social Escolar, diploma aprovado pela Portaria nº 87/2003, de 6 de Novembro (…) o seguro escolar consiste num mecanismo de protecção económico-financeira complementar do prestado pelos subsistemas de saúde, destinado a cobrir o risco inerente aos danos resultantes do acidente escolar (…) ”;


– “no mesmo sentido prescreve o artigo 5º do Decreto Legislativo Regional nº 34/2003/A, de 13 de Agosto (…)”;


– “no âmbito dos acidentes escolares não cabem as situações de agressão, como aliás, resulta da circular nº 1/83/FRSE, de 21 de Julho”.





Mencione-se, a propósito, que ao contrário do que foi afirmado pelo Técnico Superior de 2ª Classe Paulo M. Cardoso (na anteriormente mencionada informação) não parece ter sido “indevida” a alusão feita pelo meu assessor à aplicação da Portaria nº 73/2001, de 13 de Dezembro, uma vez que a presente instrução refere-se à eventual aplicação do regime do seguro escolar a um facto ocorrido em 23 de Maio de 2003.


De facto, na medida em que, como explica numa síntese feliz o STJ , “as leis que regulam a constituição ou processo formativo duma situação jurídica não podem, sem retroactividade, afectar as situações jurídicas anteriormente constituídas (nº 2 do artigo 12º do Código Civil)” e porque, como também acrescenta o mesmo Tribunal, “será em face da lei vigente ao tempo da sua constituição que devem ser decididas as questões de saber se uma situação jurídica se constitui ou não regularmente, ou se enferma de quaisquer vícios na sua formação”, a circunstância da lesão ter ocorrido em 23 de Maio de 2003 não permite considerar que estava em vigor o regime previsto na Portaria nº 87/2003, simplesmente porque este normativo apenas veio a ser publicado mais de 5 meses mais tarde, no dia 6 de Novembro de 2003. Assim sendo, quando – no dia 23 de Maio de 2003 – o aluno …… do 8º ano turma D da EB 3/S Pe. Jerónimo Emiliano de Andrade foi objecto de um incidente não estava em vigor o Regulamento da Acção Social Escolar, aprovado pela Portaria nº 87/2003, de 6 de Novembro.


Ainda que, como bem reportou o ofício que o Gabinete do Senhor Secretário Regional da Educação e Cultura endereçou ao Gabinete de Vossa Excelência (nº 100.GAB, de 2004.01.20), “actualmente em matéria de Acção Social Escolar vigora o Decreto Legislativo Regional nº 34/2003/A, de 13 de Agosto e o respectivo Regulamento aprovado pela Portaria nº 87/2003, de 6 de Novembro”, a análise que importa fazer refere-se necessariamente ao regime constante da Portaria nº 73/2001, de 13 de Dezembro. Na medida em que parece ser pacífico que à situação em apreço aplicar-se-á, eventualmente, o regime do seguro escolar previsto na Portaria nº 73/2001, de 13 de Dezembro, está respondido o argumento segundo o qual era aplicável a Portaria nº 87/2003, de 6 de Novembro. Do mesmo passo, não se encontra nenhuma relação entre a invocação da disciplina constante do Decreto Legislativo Regional nº 34/2003/A, de 13 de Agosto, e a conclusão da não aplicabilidade do seguro escolar ao evento em apreço. Pelo contrário, retira-se da leitura do artigo 5º daquele diploma um dos mais fortes argumentos em favor da tese da ilegalidade da actuação da Administração Regional relativamente ao aluno ……….


Considera-se ser totalmente incompreensível o facto do ofício mencionar, adiante, que “no caso em apreço, ocorreu uma agressão entre dois alunos, não se preenchendo deste modo o campo de aplicação do regime do seguro escolar pois, no âmbito dos acidentes escolares não cabem situações de agressão, como resulta do ponto 2.2.1. b) da circular nº 1/83/FRASE, de 21 de Julho, emitida pela então, Direcção Regional de Administração Escolar (…)”, uma vez que esta fonte de direito interna versa, naturalmente, sobre o regime em vigor no dia 21 de Junho de 1983 e, para além de estar desajustada relativamente à Acção Social Escolar institucionalizada mais de 20 anos decorridos, certamente já caducou. Quanto a este último aspecto, deve referir-se que, mesmo que se aceitasse a aplicação das disposições da Portaria nº 87/2003, de 6 de Novembro, à situação objecto de controvérsia (o que, naturalmente, não se concede), por maioria de razão não poderia estar em causa – nem ser invocada – a circular nº 1/83/FRASE, de 21 de Julho, emitida pela, então, Direcção Regional de Administração Escolar. Acresce, também e finalmente, que o carácter interno das instruções impediria – ou, pelo menos, desaconselharia – a sua invocação externa, em face da ausência de força obrigatória geral .


Rebatidos os argumentos apresentados no sentido de justificar que não haja sido desencadeado o mecanismo próprio do seguro escolar, partir-se-á para a demonstração da necessidade de ser iniciado – de imediato – o processo de indemnização relativo à lesão sofrida pelo aluno ……..



II – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS


§1. Seguro escolar



Ponderar-se-á adiante a questão de saber se a Administração pode responder, ou não, a título de culpa in vigilando pela conduta que atingiu o aluno interessado. Antes, porém, importa analisar o disposto no artigo 17º da Portaria nº 73/2001, de 13 de Dezembro. Para além de se definir que o seguro escolar era complementar da assistência assegurada por outros sistemas (nº 3) e consistia num mecanismo de protecção destinado a cobrir o risco inerente aos danos resultantes do acidente escolar (nº 4), aquela disposição definia a cobertura do seguro escolar em termos subjectivos (nº 5), objectivos (nº 6, 7 e 8) e negativos (9). Em termos subjectivos, o aluno ….. cumpria os requisitos definidos pelo nº 5 do artigo 17º, na medida em que frequenta um estabelecimento público de ensino. Em termos objectivos, o nº 6 considerava acidente escolar o “sinistro de que resulte para o beneficiário lesão corporal, incapacidade temporária ou permanente, doença ou morte” que ocorresse, nomeadamente (como foi o caso), nas instalações do estabelecimento de ensino, e o nº 7 estendia mesmo a cobertura do seguro escolar a situações ocorridos fora do estabelecimento. Finalmente, o nº 9 continha uma definição negativa, excluindo a cobertura dos sinistros ocorridos durante as deslocações (o que, como é sabido, não foi o caso). Em sentido idêntico, aliás, pode ver-se o artigo 25º da Portaria nº 413/99, de 8 de Junho, aplicável no Continente.


Em face deste apanhado, não se compreende que a Administração Regional tenha decidido excluir do âmbito objectivo e subjectivo do seguro escolar o incidente verificado com o aluno ………, uma vez que nenhuma disposição da Portaria nº 73/2001 permitia defender que as ‘agressões’ não estão compreendidas na noção de acidente escolar . Antecipando a possibilidade – que se antevê provável – de vir a ser invocado o elemento literal da interpretação para justificar a decisão posta em crise (alegando que ‘acidente’ e ‘agressão’ são duas realidades distintas) verifique-se que o Legislador não cuidou de afastar, expressamente, a aplicação do âmbito do seguro escolar às situações de agressão, mesmo tendo explanado no nº 9 do artigo 17º outras razões de desaplicação do regime do seguro escolar. Aliás, em termos hipotéticos poder-se-ão encontrar inúmeras justificações para considerar que as ‘agressões’ estão compreendidas na noção de acidente para efeitos de aplicação do regime do seguro escolar, de entre as quais destaco as seguintes:







– desde logo, porque é difícil compaginar o uso do vocábulo ‘agressão’ com a circunstância do incidente ter envolvido – enquanto pretenso ‘agressor’ – um rapaz de 15 anos, logo inimputável. A aceitar-se aquela argumentação (que considero juridicamente absurda) também em uma outra qualquer altercação entre crianças com idades inferiores a 16 anos (v.g. quando uma criança de 5 anos ferisse uma outra de 6 anos) poder-se-ia encontrar um ‘agressor’ e um ‘agredido’;


– em complemento, porque é extremamente ténue a fronteira entre a ‘agressão’ praticada por uma criança e a ocorrência de um acidente causado pela sua, natural, irrequietude e imponderação;


– depois, porque o seguro escolar não tende a penalizar o ‘agressor’ mas, diferentemente, visa proteger a vítima. Assim, não parece ser aceitável que os danos físicos ocorridos em um estabelecimento de ensino, na sequência de actividades curriculares obrigatórias e causados por outro aluno menor do mesmo estabelecimento deixem de ser susceptíveis de desencadear o procedimento inerente ao pagamento da correspondente indemnização, simplesmente porque não é justo deixar sem protecção o aluno acidentado;


– finalmente, porque, verificados os requisitos subjectivos e objectivos, a regra será – obviamente – a aplicação do mecanismo de protecção resultante do seguro escolar, apenas devendo excluir-se as situações que indubitavelmente não possam ser abarcadas.





Ao contrário do que seria expectável, o entendimento propugnado na presente situação pela Administração Regional em nada penalizou o aluno pretensamente ‘atacante’ (circunstância que parecia ser o corolário lógico da qualificação como ‘agressor’) mas, ao mesmo tempo, isentou totalmente de responsabilidades os dirigentes e funcionários da EB 3/S Pe. Jerónimo Emiliano de Andrade e, finalmente, também desaplicou o regime do seguro escolar. Como se não bastasse tudo isto, o critério interpretativo adoptado ainda deixou ao abandono o aluno ………….


Chegado aqui, não posso evitar interrogar-me: para que serve, então, o seguro escolar?



§2.
Culpa in vigilando e transferência dos deveres inerentes ao poder paternal





A tudo isto acresce, ainda e como é consabido, que o artigo 491º, do Código Civil (CC) estabelece a responsabilidade pelos danos causados a terceiros por parte das pessoas obrigadas por lei a vigiar outras, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância, ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido.


Para mais, tem sido entendido que mesmo o dever de vigilância incluído no poder paternal (cf. artigo 1877° e ss., CC) é transferido para os órgãos e agentes da Administração escolar de um modo genérico – também a título de culpa in vigilando – pelos actos dos alunos menores [designadamente pelos desmandos que estes cometam dentro do recinto escolar ou do lugar onde decorram actividades organizadas pela escola (acórdão nº 557/03, de 04.12.2003, em www.dgsi/…)]. Note-se, até, que este mesmo acórdão afirma, expressamente, que “é certo que aos deveres de conduta dos alunos corresponde o dever da escola de fazê-los respeitar. Do mesmo passo que impõem condutas a observar pelos alunos, as normas que as estabelecem constituem a escola no dever de assegurar o seu cumprimento”.


Partindo da invocação da disposição contida no artigo 491º, CC, importará apurar se existia o dever de vigilância do estabelecimento de ensino, situação em que a responsabilidade da Administração emergeria de uma conduta omissiva que consistiria na violação do dever de vigilância dos alunos que, por lei, seria imposto aos seus agentes. Simplificando, dir-se-á que importa ponderar a verificação da modalidade de ilicitude que consiste na violação de normas de protecção e que exige:







– que o agente tenha incumprido obrigação postulada por uma norma que impõe determinado comportamento;


– que a imposição (da norma) visasse a tutela de interesses particulares;


– que tenha ocorrido um dano na esfera dos interesses tutelados pela norma.





Note-se, a este propósito e com referência ao circunstancionalismo particular da EB 3/S Pe. Jerónimo Emiliano de Andrade, que existe uma funcionária destacada para a vigilância e manutenção do balneário feminino e, outra, para o balneário masculino. Neste sentido, concorrem, e concordam, os vários depoimentos prestados e – o que é ainda mais essencial – as seguintes declarações do Senhor Presidente do Conselho Executivo: “encontram-se destacados para a vigilância e manutenção dos [dois balneários] duas funcionárias” (vide auto de declarações de 03.06.2003). Assim, e conforme é referido pelo titular do órgão executivo máximo do estabelecimento de ensino existe, não só a obrigação vigilância como ela deve ser desenvolvida, mesmo, relativamente a cada um dos balneários, em separado. Se não fosse relevante a vigilância dos balneários não seriam destacadas duas funcionárias para executar tais tarefas.


Contudo, também resulta do depoimento da Senhora D. Maria da Graça Neves Batalha Barroso Gomes que “não existe funcionário do sexo masculino responsável pela vigilância do balneário masculino do 2º piso. Assim, quando os alunos se encontram a vestir ou despir não existe qualquer vigilância a este balneário, pois não faz sentido que a depoente e a sua colega Isabel Teixeira entrem no mesmo”. Este facto chega mesmo a merecer a crítica directa da Senhora D. Rosa Maria Gomes Vieira Toste que “pensa que existem poucos funcionários e que aqueles que vigiam os balneários têm também de prestar apoio aos professores de educação física no gabinete, pelo que julga ser difícil ou quase impossível, por vezes, estas cumprirem ao mesmo tempo as suas obrigações” e a sugestão para que “a vigilância do balneário masculino [passe a] ser assegurada por um elemento do mesmo sexo (…)”.


Contudo, um outro facto ocorrido no dia 23 de Maio de 2003 foi absolutamente – e inexplicavelmente – desvalorizado nas conclusões do relator, a saber: a Senhora D. Isabel Teixeira – funcionária aparentemente incumbida de assegurar a vigilância no balneário masculino onde ocorreu o episódio determinante – faltou ao serviço por motivo de doença, pelo que se conclui que não estava a ser exercida a vigilância devida – e necessária – no balneário masculino quando ocorreram os factos que deram origem à lesão do aluno ………….


Retornando às averiguações, não pode evitar-se concluir que somente foram levadas em conta as partes dos depoimentos que permitiram a desresponsabilização do estabelecimento de ensino, do Conselho Executivo e das funcionárias, sendo totalmente olvidada a questão – que se julgaria principal – da salvaguarda da integridade física do aluno e do apoio nos tratamentos urgentes a realizar. Contudo, inúmeros elementos constantes do processo de averiguações justificariam, no mínimo, uma chamada de atenção ao Conselho Executivo para que pensasse na reorganização do sistema de vigilância dos balneários, por forma a evitar a repetição de tão graves acontecimentos.


Em face da evidente contradição entre as conclusões do processo e os factos apurados no decurso das averiguações e que, alegadamente, lhes deram origem dir-se-á, sem mais, que o relatório padece de vício gerador de invalidade (artigo 125º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo).



§3.
Regras de prudência comum





Sem embargo do que ficou dito, pode acrescentar-se que a ilicitude da conduta omissiva da administração escolar seria invocável mesmo na ausência de disposições legais ou regulamentares expressas. De facto, o dever de vigilância (designadamente dentro do recinto escolar) encontra fundamento último nas próprias regras de prudência comum, como resulta do disposto na parte final do artigo 6° do Decreto-Lei nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967, que descobre a ilicitude da conduta da administração da omissão das “regras de prudência comum que devessem ser tidas em consideração“.


Contudo, como é consabido, existe preceito legal que expressamente impõe às escolas públicas a vigilância dos alunos, não é necessário ir além da análise do diploma que define o estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário. Este estabelece os respectivos direitos e deveres gerais e consagra um código de conduta que contempla regras de convivência e de disciplina que devem ser conhecidas e observadas por todos os elementos da comunidade educativa. Com efeito, sobre os direitos dos alunos, dispõe-se no artigo 13º da Lei nº 30/2002, de 20 de Dezembro, que:







O aluno tem direito a:


(…)
f) beneficiar, no âmbito dos serviços de acção social escolar, de apoios
concretos que lhe permitam superar ou compensar as carências do tipo
sócio-familiar, económico ou cultural que dificultem o acesso à escola ou o
processo de aprendizagem;


(…)
i) ver salvaguardada a sua segurança na escola e respeitada a sua integridade
física e moral;


(…)


De facto, para além de corresponder a uma obrigação do estabelecimento de ensino, a salvaguarda das condições de segurança, é também, e essencialmente, um direito dos alunos, de todos os alunos e, assim, também do aluno ……….



§4. Desfecho





Entende o Provedor de Justiça ser pacífico que as escolas públicas têm a obrigação de organizar-se de forma a garantir a segurança das crianças e jovens e assegurar que elas estão a salvo dos perigos gerados, não só por terceiros como, até, pela sua própria irrequietude e imponderação. Por outro lado, decorre dos preceitos acima mencionados – cada de per si ou em conjugação – que o estabelecimento escolar tinha o dever de organizar um sistema de vigilância dos alunos dentro do recinto escolar e durante o respectivo horário lectivo, com a finalidade de os proteger e, bem assim, de proteger terceiros das consequências de actos praticados no interior (v.g., arremessar objectos para fora do perímetro escolar ou contra visitantes). Para mais, nas idades em apreço, os alunos carecem de especial vigilância, circunstância que foi expressamente reconhecida pelo Conselho Executivo ao fazer destacar, para cada balneário, uma funcionária incumbida da respectiva vigilância e manutenção. O que ocorreu no caso em apreço é que essa efectiva vigilância não foi exercida, logo, não foi, de facto, cumprido o dever de vigilância legalmente imposto à Escola.


Ao verificar – como se fez na presente situação – que o dito ‘agressor’ nem sequer atingira a idade da imputabilidade penal (facto que naturalmente pressupõe que não dispunha da capacidade intelectual e volitiva para prever todas as consequências dos seus actos e de se orientar em conformidade), constato que o entendimento seguido pela Administração Educativa radicou na única e apressada preocupação de eximir-se às naturais responsabilidades que lhe cabem na organização e gestão dos estabelecimentos públicos de ensino, na vigilância dos alunos que acolhe e no ressarcimento dos danos ocorridos nas instalações e no decurso das actividades lectivas.


Contudo, parece ter sido esquecido que o artigo 491º, CC, estabelece uma responsabilidade por danos causados a terceiros por parte das pessoas obrigadas à vigilância, pelo que, tendo sido comprovado o não cumprimento efectivo daquele dever de vigilância, o encargo não pode deixar de ser do estabelecimento.


Aliás, o corolário lógico da pretendida responsabilização do aluno ‘agressor’ nunca poderia ser – como efectivamente veio a ser – a não aplicação do mecanismo do seguro escolar, mas deveria apenas redundar – o que seria substancialmente diferente – no possível exercício do direito de regresso contra o transgressor. Não tendo actuado deste modo a Administração limitou-se a passar para a vítima o ónus de obter – presumivelmente pela via judicial e possivelmente daqui a longos anos – o ressarcimento dos danos.


Esta consequência afigura-se-me de todo iníqua.



III – CONCLUSÕES


Uma vez que, segundo informações que me foram transmitidas, a situação clínica do aluno ……… é grave, existindo o risco – efectivo e terrível – dele vir a perder a visão no olho afectado e carecendo, com urgência, de intervenção cirúrgica especialmente onerosa, concluo dizendo que aguardo que a Secretaria Regional da Educação e Cultura decida, com urgência e incondicionalmente, que o seguro escolar custeará as despesas já realizadas e suportará os tratamentos que o aluno ……………. vier a necessitar.


Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO a Vossa Excelência, Senhor Presidente do Governo Regional dos Açores:








Que, de imediato, determine seja iniciado o processo de seguro escolar relativo ao acidente ocorrido no dia 23 de Maio de 2003 com o aluno……….., por forma a ser assegurada a cobertura da totalidade dos danos a ele causados e, bem assim, a serem custeados os tratamentos médicos necessários para debelar todas as lesões por ele sofridas.


Permito-me lembrar a Vossa Excelência a circunstância da formulação da presente recomendação não dispensar, nos termos do disposto no artigo 38º, nºs 2 e 3, da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, a comunicação a este órgão do Estado da posição fundamentada que vier a ser assumida em face das respectivas conclusões.


O Provedor de Justiça,

H. Nascimento Rodrigues

Notas de rodapé:

(1)Pelo menos de acordo com a documentação escrita consultada pela Provedoria de Justiça.
voltar atrás


(2) Cf. acórdão de 16.01.1987, proferido no processo nº 1469, cujo sumário pode ser consultado em www.dgsi.pt/jstj.nsf/…
voltar atrás


(3) As circulares (ou, como também são designadas, as instruções) produzem normas internas que apenas vinculam no interior de uma dada hierarquia (neste sentido, por todos, OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 3ª Edição, F.C.Gulbenkian, Lisboa, 1983, p.238).
voltar atrás


(4) Acrescente-se, aliás, que na 7ª edição do Dicionário de Língua Portuguesa, da Porto Editora, acidente é descrito como: qualidade não essencial de uma coisa; acontecimento repentino, fortuito e desagradável; acontecimento do qual veio a resultar qualquer prejuízo para pessoas ou coisas; contingência; peripécia; desastre.
voltar atrás