RECOMENDAÇÃO N.º 10/B/04
(Artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Ministro de Estado, das Actividades Económicas e do Trabalho
Procº: P-10/04
Data: 2004/09/22
Assunto: Serviço de telefone fixo. Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro
Área: A6


1. A Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, que, transpondo um conjunto de directivas comunitárias, estabeleceu designadamente o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas, exclui, no respectivo art.º 127.º, n.º 2, o serviço de telefone do âmbito de aplicação da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, e do Decreto-Lei n.º 195/99, de 8 de Junho.


Verifica-se que a mencionada Lei n.º 5/2004 regulamenta, para os serviços telefónicos, alguns dos aspectos anteriormente regulados na Lei n.º 23/96, como os relacionados com o dever de informação ao público por parte das empresas que oferecem os serviços em causa, a necessidade de pré-aviso na suspensão e extinção dos mesmos serviços, o direito do utente à quitação parcial da factura, e as matérias da facturação detalhada e do barramento de serviços.


De fora da previsão da Lei n.º 5/2004 ficaram dois dos aspectos regulados pelos mencionados diplomas, designadamente a questão da proibição, constante do art.º 8.º da Lei n.º 23/96, da imposição e cobrança dos denominados consumos mínimos, e a matéria da prestação, pelos utentes, de cauções, regulamentada – no sentido da sua proibição, salvo situações de incumprimento – pelo Decreto-Lei n.º 195/99.


Por essa razão, foi solicitado, ainda ao XV Governo Constitucional, esclarecimento sobre se a falta de referência, na Lei n.º 5/2004, às mencionadas matérias, conjugada com a exclusão do serviço telefónico do âmbito de aplicação da legislação de 1996 e de 1999 acima identificada, significaria pura e simplesmente que ficariam admitidas a imposição e cobrança aos utentes, pelas empresas prestadoras de serviços telefónicos, de consumos mínimos e de cauções e, neste caso, que razões teriam levado a essa eventual decisão, ou se assim efectivamente não seria, ponderando-se, por exemplo, a emissão de eventual regulamentação quanto às referidas questões.


Em resposta, foi-me enviado, pelo então Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia, um parecer da Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) que, implicitamente aderindo à opção de fundo no sentido da manutenção das proibições da imposição e cobrança, aos utentes, de consumos mínimos e de cauções, adianta essencialmente duas linhas argumentativas para a circunstância de não terem as mesmas ficado consagradas na lei.


2. Quanto à questão da proibição da imposição e cobrança de consumos mínimos, refere-se no mencionado documento que “sempre se entendeu que a proibição de consumos mínimos não era adequada ao serviço fixo de telefone, uma vez que nas telecomunicações nunca ocorreram as práticas abusivas e correntes noutros sectores – em que se cobravam consumos mesmo que eles não tivessem ocorrido – que justificaram a imposição legal daquela proibição”.


De igual forma, quanto à proibição da prestação de cauções, refere-se que o regime então estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 195/99 “era desadequado para o serviço fixo de telefone, no qual não se verificavam práticas paralelas a outros sectores de serviços essenciais, onde a prestação das cauções, enquanto condição contratual para a ligação domiciliária dos serviço, era por vezes desvirtuada “aparentando antes ser uma forma menos clara de financiamento das empresas” (…)”. E acrescenta-se que se verifica “que as empresas que oferecem serviços telefónicos se comportam de forma a atrair clientes novos e a manter os existentes através, nomeadamente, de propostas tarifárias múltiplas e alternativas, e não da criação de obstáculos no acesso ao serviço através da exigência sistemática de cauções”.


Por outro lado, invoca a ANACOM, como argumento a favor da desnecessidade do estabelecimento legal das proibições de imposição e cobrança de consumos mínimos e de cauções, a sua natureza de entidade reguladora, com poderes designadamente de controlo em matéria de preços e de fiscalização prévia dos contratos de adesão.


Ainda quanto à questão específica dos consumos mínimos, refere-se naquele mesmo documento que a manutenção da mencionada proibição “poderia retirar flexibilidade na criação de tarifários alternativos pelos operadores de serviço fixo de telefone, impedindo, por exemplo, a existência de flat rates de voz, o que, em última análise, seria susceptível de prejudicar os consumidores”.


3. Não pondo em causa a bondade da argumentação expressa no ofício da ANACOM em referência, entendo, Senhor Ministro, que a mesma poderá revelar-se falível.


De facto, o comportamento das empresas a que se refere aquela entidade poderá amanhã ser distinto do que é hoje em dia, em teoria sendo possível equacionarem-se, no futuro, práticas concertadas de empresas no sentido que precisamente se pretenderia evitar com a consagração legal das proibições em causa. Por outro lado, e em última análise, a actividade da ANACOM poderá não se revelar, na prática, uma garantia de salvaguarda dos interesses dos consumidores afectados pela eventual cobrança, pelas empresas prestadoras do serviço, de cauções e de consumos mínimos.


Finalmente, e quanto à questão, avançada pela ANACOM, de a proibição expressa da imposição e cobrança de consumos mínimos poder vir a impedir a flexibilização de tarifários alternativos e designadamente dos denominados “flat rates”, sempre se dirá que os consumos mínimos objecto da presente recomendação não são aqueles que resultam de um acto de adesão voluntária do consumidor a um produto específico que lhe é proposto – e não imposto – pelo operador, em alternativa a outros, como acontecerá naquelas situações, antes aqueles que poderão ser cobrados no âmbito do serviço de telefone fixo, a par da assinatura mensal.


4. Assim sendo, com base no que acima fica exposto, ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo a Vossa Excelência,







A consagração expressa, na lei, da proibição de imposição e cobrança de consumos mínimos e de cauções no âmbito da prestação do serviço de telefone fixo.


5. Por último, tinha igualmente sido pedida, ao anterior Governo, informação sobre se foram as associações de consumidores ouvidas no âmbito do procedimento legislativo que levou à aprovação da Lei n.º 5/2004, pedido esse que viria no entanto, com a demissão do anterior Executivo, a ficar sem resposta.


De qualquer forma, permito-me chamar a atenção de V.ª Ex.ª para a necessidade de, nos termos da lei, serem as referidas associações ouvidas no âmbito dos procedimentos que visem a aprovação de legislação relativa à matéria em causa.


Na expectativa de que o teor do presente ofício, designadamente a recomendação acima formulada, mereça a melhor atenção de Vossa Excelência, e naturalmente aguardando pela comunicação sobre a posição que venha a ser assumida pelo Governo face ao que acima fica exposto.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues