RECOMENDAÇÃO N.º 5/B/04
(Artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)














Entidade visada: Presidente da Câmara Municipal da Calheta
Procº: R-1132/03
Data: 2004/03/23
Assunto: Regulamento Municipal de Venda Ambulante.
Área: A6


1. O Regulamento Municipal que actualmente, e desde 1 de Janeiro de 2003, regula a actividade da venda ambulante nesse concelho da Calheta, proíbe, no seu art.º 6.º, n.º 6, o exercício daquela actividade “aos indivíduos que não possuam idoneidade, devidamente comprovada”, para a exercer.


Não obstante ser da competência das câmaras municipais, nos termos da legislação em vigor – Decreto-Lei n.º 122/79, de 8 de Maio, e Decreto Legislativo Regional n.º 8/99/M, de 3 de Março – não só a concessão de autorização para o exercício, dentro dos respectivos concelhos, da venda ambulante, como a elaboração das normas necessárias à regulamentação deste exercício, a verdade é que estas normas deverão respeitar a referida legislação nacional e regional, não podendo designadamente ter carácter inovador face à mesma.


Ora, não é isso que decisivamente acontece com a norma contida no art.º 6.º, n.º 6, do Regulamento de Venda Ambulante aprovado por essa Câmara Municipal, acima mencionada.


De facto, em momento algum da referida legislação são enunciados requisitos de acesso à profissão de vendedor ambulante do tipo do que foi estabelecido pela referida norma regulamentar – as legislações nacional e regional proíbem apenas o exercício da actividade por sociedades e mandatários e estabelecem a incompatibilidade desse exercício com o de outra actividade profissional (cf. art.ºs 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 122/79 e 3.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 8/99/M). Assim sendo, o Regulamento de Venda Ambulante desse concelho, ao introduzir requisitos de acesso ao exercício da profissão, neste domínio inovando face ao Decreto-Lei n.º 122/79 e ao Decreto Legislativo Regional n.º 8/99/M, não só viola a lei geral da República e a legislação regional referidas, como se revela contrário à própria Constituição da República Portuguesa.


Assim, desde logo, está em causa uma situação jurídica, a da liberdade de exercício de profissão, prevista no art.º 47.º, n.º 1, da Constituição e que beneficia do regime dos direitos, liberdades e garantias (cfr. art.º 17.º, 1.ª parte, da Constituição).


No quadro do regime constitucional aqui gizado, importa especialmente chamar a atenção para os aspectos orgânicos, reservando a Constituição, no seu art.º 165.º, n.º 1, b), a competência legislativa para a Assembleia da República ou, mediante autorização desta, para o Governo, como, principalmente, a reserva formal estabelecida no art.º 18.º, n.º 2, determinando que qualquer restrição a um direito, liberdade ou garantia apenas pode ser estabelecida por acto legislativo (reportando-se, é claro, ao conceito do art.º 112.º, n.º 1, da Constituição, matizada pela reserva de competência explicitada).


Não me cabe a mim discutir se o acesso ao exercício da profissão em apreço deverá ou não estar condicionado ao preenchimento, pelos candidatos, de um conjunto de requisitos. Essa eventual decisão, balizada que é pelos requisitos materiais estabelecidos no art.º 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, cabe exclusivamente ao legislador, não podendo, por via regulamentar, a Administração inovar nesta matéria.


Deste modo, e pelas razões enunciadas, não posso deixar de recomendar a essa Câmara Municipal a revogação da norma constante do art.º 6.º, n.º 6, do Regulamento de Venda Ambulante em vigor no concelho.


2. Por outro lado, e quanto à interdição da venda ambulante na zona do Paúl da Serra, localizada nesse concelho, estabelecida no art.º 8.º, n.º 1, do Regulamento Municipal de Venda Ambulante, não posso deixar de dirigir a V.ª Ex.ª o seguinte reparo.


Sendo certo que é da competência do município interditar, em qualquer momento, a venda ambulante em certas zonas ou locais do concelho, a qual decorre, no caso concreto da Região Autónoma da Madeira, do art.º 15.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 8/99/M, a verdade é que a lei enquadra a possibilidade de concretização de tal prerrogativa num conjunto de circunstâncias legitimadoras, associadas às necessidades de segurança para peões e veículos e aos aspectos higiénicos e sanitários, estéticos e de comodidade para o público, definidos na alínea a) do referido preceito legal e mais bem explicitadas no art.º 8.º, n.º 1, do mesmo diploma.


Considerando que o exercício da venda ambulante na zona do Paúl da Serra não tinha sido proibido pela Portaria n.º 127/99, de 26 de Julho – diploma que proibiu o exercício da actividade em todo o concelho da Calheta com excepção de quatro locais, entre os quais a zona do Paúl da Serra –, e ainda o facto de a actividade ter sido, até à data em que foi interditada, efectivamente exercida na zona, deveria o Regulamento aprovado por essa edilidade, explicitar as razões – que não se põe em causa possam existir –, temporárias ou definitivas, que levaram a essa interdição.


Sugiro, assim, a V.ª Ex.ª, que tal procedimento seja adoptado pela Câmara Municipal em eventuais futuras iniciativas da edilidade que visem a interdição, proibição, restrição ou condicionamento do exercício da venda ambulante em zonas do concelho.


Sempre se dirá ainda que o art.º 8.º, n.º 1, primeira parte, do Regulamento Municipal de Venda Ambulante não poderá deixar de interpretar-se à luz do disposto na referida Portaria n.º 127/99, isto é, no sentido de que a venda ambulante pode efectuar-se em qualquer local do concelho não proibido pela referida Portaria, situação que deveria ser, também ela, clarificada no Regulamento.


3. Face ao que acima fica exposto, ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo a V.ª Ex.ª, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal da Calheta:








a) Que seja revogada, pelas razões acima expostas, a norma constante do art.º 6.º, n.º 6, do Regulamento Municipal de Venda Ambulante aprovado por essa Câmara Municipal.


b) Que sejam devida e explicitamente fundamentadas, pela Câmara Municipal, nos termos da lei, as eventuais futuras decisões da edilidade no sentido da interdição, proibição, restrição ou condicionamento do exercício da venda ambulante em zonas do concelho não proibidas por eventual legislação regional.


Na expectativa de que o que acima fica dito venha a merecer a melhor atenção de V.ª Ex.ª, aguardo naturalmente pela posição que essa Câmara Municipal venha a tomar sobre o teor da presente Recomendação.


O Provedor de Justiça,

H. Nascimento Rodrigues