RECOMENDAÇÃO N.º 2/B/2003
(Artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Ministra de Estado e das Finanças


Nossa Ref.ª – Proc.º: R-3849/00(A6)
Data:
2003/03/06


Assunto: Estatuto do pessoal e regime de carreiras da Direcção-Geral dos Impostos – artigo 69.º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro 


1. Foi apresentada uma exposição ao Provedor de Justiça na qual se afirmava que, em virtude da aplicação conjunta dos artigos 67.º e 69.º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro, que aprovou o novo estatuto do pessoal e regime de carreiras da Direcção-Geral dos Impostos, não foi considerada a transição ocorrida na respectiva categoria de origem a um funcionário que, à data da entrada em vigor deste diploma, exercia funções de adjunta de chefe de finanças, isto para efeitos de cálculo da remuneração devida por este cargo.


2. Na verdade, resulta da concatenação das normas constantes do artigo 67.º, n.º 1, e do artigo 69.º, a aplicar aos chefes e adjuntos dos chefes de finanças investidos no exercício desses cargos de chefia tributária em data anterior a 1 de Janeiro de 2000, a atribuição de remuneração inferior àquela dos funcionários designados para os mesmo cargos em data posterior, por isso com menor antiguidade nos mesmos.


3. Consultada sobre esta problemática a Direcção-Geral dos Impostos, comunicou esta entidade, a coberto do ofício n.º 2942, de 16 de Maio de 2001, reiterado pelo ofício n.º 8127, de 6 de Dezembro seguinte (cujas cópias se anexam como doc. 1 e 2), a concordância com o teor do parecer n.º 100/2001, aí elaborado, nos termos do qual se julgavam improcedentes as pretensões de um grupo de funcionários formuladas a propósito desta matéria.


4. Noto que o parecer em causa, movendo-se no quadro da estreita legalidade, reconhece a necessidade de garantir que “funcionários com idêntica antiguidade na categoria dos reclamantes, não venham a usufruir de remuneração superior”, em caso de nomeação para cargos de chefia, designadamente para o cargo de adjunto de chefe de repartição de finanças de nível 1.


5. Esta preocupação, de resto, tem sido sufragada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional que tem vindo a pronunciar-se pela desconformidade face à Constituição de soluções legais nos termos das quais se possibilite, de forma arbitrária, ou seja, sem qualquer outro fundamento material bastante, que funcionários com menor antiguidade numa mesma categoria venham a receber uma remuneração superior àqueles que nesta se encontram há mais tempo (neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 254/2000, in DR, I-A, de 2000.05.23).


6. Consultado o Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, foi comunicado, através do ofício com o n.º 77, de 17 de Janeiro do presente ano (cuja cópia se anexa como doc. 3), que “o facto dos funcionários que já se encontravam a exercer o cargo à data da transição (…) não beneficiarem tanto como os funcionários que são nomeados após a entrada em vigor deste diploma, provém da própria lei a que a Administração fiscal está vinculada”.


7. Mais uma vez, a apreciação é feita no quadro do estrito cumprimento da lei, em caso algum se questionando, como agora faço, a bondade dessa mesma solução legislativa.


8. Efectivamente, dispõe o artigo 67.º, n.º 1, do diploma legal em causa, relativo à integração nas categorias do grupo do pessoal de administração tributária que a “integração nas novas categorias (…) faz-se para o escalão da nova categoria a que corresponda o índice salarial igual ao que os funcionários detêm na categoria de origem ou para o que corresponder ao índice imediatamente superior, no caso de não haver coincidência de índice”.


9. A remuneração dos cargos de chefia tributária faz-se, quer de acordo com o art.º 45.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro, quer com o art.º 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 187/90, de 7 de Junho, anteriormente vigente, por aplicação da chamada regra do paralelismo de escalões, “em escalão idêntico” ao que possui “na escala indiciária da categoria de origem”, estabelecendo-se, dessa forma, um acréscimo remuneratório relativamente rígido de prémio pelo desempenho daquelas funções.


10. Ora, não obstante, pela aplicação do artigo 67.º, n.º 1, não existir prejuízo para o funcionário em causa no seu posicionamento na carreira e lugar de origem, já no tocante à remuneração pelo lugar de chefia a aplicação do regime previsto no art.º 69.º conduz a uma efectiva quebra da citada regra do paralelismo de escalões, quebra essa que só resulta efectiva para os casos de funcionários que já ocupavam lugares de chefia à data de transição de regimes, deixando intocada a situação dos funcionários que só posteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei 557/99 assumiram funções idênticas.


11. No caso concreto que me foi relatado, um funcionário que, em 31 de Dezembro de 1999, desempenhava funções de adjunto do chefe de finanças de nível 1, posicionado no índice 590 – escalão 2 (por paralelismo com o escalão 2 da sua categoria de origem, correspondente então ao índice 550), a partir de 1 de Janeiro de 2000 foi, em virtude da aplicação do art.º 69.º, posicionado no índice 610 – escalão 1.


12. Um funcionário hipotético que, também integrado no 2.º escalão, índice 550, e com a mesmíssima antiguidade na carreira e na categoria de origem, viesse a ser nomeado para idêntico cargo de chefia nesse mesmo dia 1 de Janeiro de 2000, teria beneficiado, por via do art.º 67.º, n.º 1, do posicionamento no escalão 2, índice 575, do seu lugar de origem, mas auferindo, por aplicação da citada regra de paralelismo de escalões, a remuneração correspondente ao mesmo 2.º escalão dos cargos de chefia em causa, ou seja, recebendo pelo índice 640.


13. Resulta assim do exposto que este mesmo funcionário viria a ser posicionado, naquele cargo, no escalão 2 – índice 640, ultrapassando assim os funcionários a desempenhar, há mais tempo, o cargo de adjunto do chefe de finanças, sem qualquer fundamento que, racional e objectivamente, legitime semelhante inversão das posições relativas por estes detidas, a não ser o arbitrariamente resultante da solução contida no artigo 69.º do Decreto-Lei 557/99.


14. Na verdade, decorre da aplicação do artigo 69.º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro, traduzida na realidade apresentada nos termos que antecedem, que dois funcionários integrados na mesma categoria de origem, com o mesmo tempo de serviço nesta e na carreira, em virtude da aplicação da solução constante do diploma em análise, são remunerados em escalão e índices distintos, em termos tais que aqueles que desempenhavam funções de chefia antes da entrada em vigor daquele diploma, auferem remuneração inferior aos seus colegas, nomeados para estes mesmos cargos em data posterior àquela.


15. Parece-me patente esta injustiça, decorrendo de solução legal cujo objectivo, aliás, se não descortina, ao introduzir uma entorse no regime legal que, apesar da publicação do diploma em questão, permaneceu essencialmente o mesmo, assentando na remuneração dos cargos de chefia de acordo com a solução do paralelismo de escalões acima apontada.


16. As normas de direito transitório não estão isentas do cumprimento dos requisitos substantivos impostos pela Constituição, designadamente a racionalidade que, de algum modo, sempre é imposta pelo respeito pelo princípio da igualdade.


17. Será, no mínimo, uma exigência de boa técnica legislativa que as normas transitórias, concatenando dois regimes eventualmente distintos ou apenas regulando a correspondência entre situações juridicamente valoradas de modo diverso, não conduzam a resultados incongruentes, minimizando a possibilidade de se alcançarem soluções materialmente distintas que não sejam tradução, desde logo, de um ou de outro dos regimes entre os quais opera a transição.


18. Como se viu, o regime vigente, antes e depois da publicação do Decreto-Lei 557/99, é idêntico, com aplicação do paralelismo de escalões. É incongruente com esta estabilidade legislativa a criação de uma regra excepcional que permite a remuneração por índice inferior ao resultante daquela regra a quem, objectivamente, apenas mereceria tratamento contrário, caso se entendesse ser de valorar o maior tempo de serviço em cargo de chefia.


19. Em caso algum poderia essa maior antiguidade, cœteris paribus, justificar o tratamento discriminatório contido na regra do art.º 69.º do Decreto-Lei 557/99.


Assim, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto do Provedor de Justiça – Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo a Vossa Excelência, 







1. que seja promovida, pelo Governo, iniciativa legislativa tendente à revogação do artigo 69.º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro;


2. que, em consequência, seja reconstituída a situação hipotética a todos os funcionários que, em data anterior a 1 de Janeiro de 2000, ocupavam cargos de chefia, com aplicação das regras gerais de integração adequadas à sua categoria de origem, designadamente as constantes do artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro, reconstituindo-se assim para o futuro a situação existente caso o posicionamento no novo regime de carreiras tivesse operado, ab initio, ao nível das respectivas categorias de origem dos mesmos, com posterior aplicação da regra constante do artigo 45.º, n.º 1, do mesmo diploma.


 Agradeço a Vossa Excelência que, nos termos do disposto no artigo 38.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, me queira comunicar o entendimento assumido perante esta Recomendação.



O Provedor de Justiça,


H. Nascimento Rodrigues