RECOMENDAÇÃO N.º 4/B/2003
(Artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Ministra de Estado e das Finanças


Nossa Ref.ª – Proc.º: R-734/02 (A6)
Data: 2003/04/29


Assunto: Estatuto das Pensões de Sobrevivência da Função Pública. Herdeiros hábeis. Divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens.


1. O art.º 40.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto das Pensões de Sobrevivência da Função Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na redacção que lhe foi conferida pelo art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de Junho, reconhece como herdeiros hábeis de uma pensão de sobrevivência, a par do cônjuge sobrevivo e da pessoa que se encontrar nas condições do art.º 2020.º do Código Civil (ou seja, que no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens vivesse com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges), os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens do contribuinte falecido.


Acrescenta o art.º 41.º, n.º 1, do mesmo Estatuto, também na redacção que lhe foi conferida pelo diploma de 1979 acima mencionado, que os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens só se considerarão herdeiros hábeis, para efeitos de pensão de sobrevivência, se tiverem direito a receber do contribuinte, à data da sua morte, pensão de alimentos fixada ou homologada judicialmente.


Por sua vez, e já quanto à forma pela qual se processa a distribuição da pensão no caso de concorrerem ao seu recebimento mais de uma pessoa, adianta o art.º 45.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto em apreço, que se concorrerem apenas herdeiros incluídos na alínea a) do n.º 1 do art.º 40.º da mesma legislação, designadamente o cônjuge sobrevivo ou a pessoa que vivia com o falecido em união de facto, e a pessoa divorciada ou separada judicialmente daquele, a pensão será dividida por todos em partes iguais. Ou seja, a pessoa divorciada ou separada judicialmente do falecido aparece, à partida, em situação de inteira paridade com a do cônjuge sobrevivo ou da pessoa que com o falecido vivia em união de facto nas condições exigidas na legislação – decorrentes do art.º 2020.º do Código Civil, 41.º, n.º 3, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 191-B/79.


2. Não se revelará difícil equacionar situações em que a aplicação concreta e conjugada das normas referidas potenciará casos de injustiça.


Na situação que me foi relatada, argumentava-se desde logo com o facto de o contribuinte falecido ter vivido a maior parte da sua vida com o cônjuge sobrevivo, tendo estado muito pouco tempo casado com a pessoa de quem se divorciou.


Impressiona-me, mais, contudo, a circunstância, também presente nesse caso concreto e que se perspectiva de forma mais gravosa, de a pensão de alimentos, paga em vida pelo contribuinte falecido à pessoa de quem se divorciou ou separou judicialmente, ser substancialmente inferior à pensão que esta vem agora, por via da morte daquele, a receber. Situações deste tipo têm sido objecto de reclamação ao Provedor de Justiça.


Em muitas circunstâncias poderá a solução legal aqui em análise levar a um enriquecimento ilegítimo – e provavelmente, até, inesperado para o próprio beneficiário – por parte desta pessoa que vem a auferir de uma pensão de sobrevivência por morte do ex-cônjuge, com concomitante e nítido prejuízo da pessoa com quem o contribuinte era casado ou vivia em união de facto à data do seu falecimento.


3. Assim sendo, tendo em vista obviar ao que fica dito, parece-me de todo justificável a introdução de alguns ajustamentos na legislação em análise.


Antes de mais, será de assumir o princípio de que é, em regra, ao cônjuge (por facilidade, assumindo-se sempre aqui englobado aquele que vivia em união de facto, nos termos legalmente estabelecidos) sobrevivo que se deve dirigir primacialmente o benefício da pensão de sobrevivência, prestação que tem carácter ressarcitório da perda de rendimento causada pelo óbito do funcionário.


Independentemente de quaisquer considerações – designadamente quanto à duração dessa ligação – o que importa é que, no momento do óbito e, assim, previsivelmente para além dele caso o decesso não tivesse ocorrido, era aquela a pessoa com a qual o de cujus vivia, em situação conjugal ou equiparada.


A eventual existência de ex-cônjuges ou cônjuges separados judicialmente, sempre se manifestando nestas situações jurídicas a inexistência da comunhão a que acima me reportei, deve apenas implicar o pagamento de pensão de sobrevivência em quantitativo que corresponda à perda efectivamente sofrida, ao fim e ao cabo, correspondendo à pensão de alimentos que, por decisão judicial, vinha sendo liquidada.


Será, assim, de excluir uma orientação como a que se encontra actualmente em vigor, decorrente do disposto no art.º 45.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, da divisão automática e simples, per capita, do montante total a pagar nos termos estatutários, numa solução que de salomónica apenas goza a aparência.


Parece-me adequado que o montante da pensão de sobrevivência a atribuir à pessoa divorciada ou separada judicialmente de pessoas e bens do contribuinte falecido, que recebesse, à data da morte deste, uma pensão de alimentos fixada ou homologada judicialmente, tenha como limite precisamente a quantia percebida a este título, naquela data, naturalmente permitindo-se, v. g. para obviar ao caso de a mesma não ter sido entretanto actualizada, que a pessoa daquela beneficiária possa requerer essa actualização, face à situação vigente na data da morte do seu ex-cônjuge.


De qualquer forma, o montante final a atribuir, a título de pensão de sobrevivência, ao ex-cônjuge do contribuinte falecido, no âmbito do quadro aqui proposto, nunca poderá ser superior à quantia atribuída, também a título de pensão de sobrevivência, ao cônjuge sobrevivo, ou à pessoa com quem o mesmo vivia, à data da morte, em união de facto, assim admitindo o actual critério da divisão per capita como limite máximo.


4. Naturalmente que esta intervenção legislativa terá que ser sintonizada com idêntica alteração no regime legal das pensões de sobrevivência pagas no âmbito da Segurança Social. Desta forma, dirigi nesta data idêntica recomendação a Sua Excelência o Ministro da Segurança Social e do Trabalho.


Face a tudo o que fica exposto, permito-me recomendar a Vossa Excelência, ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 09 de Abril, que, 








seja promovida alteração legislativa que modifique o regime ora previsto no art.º 45.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, e subsequentes alterações, estabelecendo os seguintes termos:



a) a previsão de que o montante da pensão de sobrevivência a atribuir a pessoa divorciada do contribuinte falecido ou deste separado judicialmente de pessoas e bens, nas condições já referidas, tenha como medida precisamente a quantia recebida, à data da morte do seu ex-cônjuge, a título de pensão de alimentos, eventualmente permitindo-se a sua actualização face às condições verificadas no momento do óbito;


b) a previsão de que o montante da pensão de sobrevivência a atribuir à pessoa divorciada do contribuinte falecido ou deste separado judicialmente de pessoas e bens, nas condições referidas, não ultrapasse igualmente, em quaisquer circunstâncias, o montante da pensão atribuído ao cônjuge sobrevivo ou à pessoa que com o falecido vivia em união de facto no momento do óbito.


5. Na expectativa de que o que acima fica recomendado mereça o atendimento de Vossa Excelência, agradeço a oportuna comunicação sobre a posição que o Governo tomará a propósito do teor da presente Recomendação.



O Provedor de Justiça,


H. Nascimento Rodrigues