RECOMENDAÇÃO N.º 1/B/2002
[Art. 20º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]


Entidade visada: Sua Excelência, o Ministro da Saúde
Nossa Ref.ª – Proc.º: R- 3723/00
Data: 2002/01/30
Área: A2
Assunto: Pedido de transferência de farmácia formulado ao abrigo da Portaria n.º 936-B/99, de 22 de Outubro.


I
– Enunciado –


1. Em 31 de Agosto de 2000 foi apresentada uma queixa na Provedoria de Justiça, em que se veio contestar a posição adoptada pela Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED) relativamente a um pedido de transferência de farmácia que havia sido apresentado em 16 de Novembro de 1999 ao abrigo da Portaria n.º 936-B/99, de 22 de Outubro, sem que até esse momento tivesse sido comunicada qualquer decisão sobre essa pretensão.


2. Após sucessivas e insistentes diligências desenvolvidas por este Órgão do Estado junto daquele Instituto, em 3 de Janeiro de 2001, conforme resulta do ofício cuja cópia se anexa, foi finalmente comunicada à interessada a decisão final que recaiu sobre tal pedido de transferência da farmácia, que apontava para o respectivo indeferimento, remetendo-se de forma algo lacónica para o conteúdo da deliberação do Conselho de Administração que veio a ser publicada em 19 de Janeiro de 2001 na II.ª Série do Diário da República.


3. Nessa publicação foi apresentado como fundamento para a rejeição da transferência pretendida o facto de que “(…) o local proposto dista apenas 284 m da farmácia mais próxima, o que contraria o disposto na parte final do n.º 2, alínea b) da Portaria n.º 936-A/99, de 22 de Outubro, aplicável pelo n.º 2 da Portaria n.º 936-B/99, de 22 de Outubro (…)”.


4. Em reacção a esta decisão, o Reclamante veio sustentar o seguinte:



a) O afastamento mínimo entre farmácias exigido nos termos da letra da lei é de 250 metros e não de 500 metros;


b) A única área delimitada legalmente corresponde à de uma circunferência de 250 metros de raio “cujo centro seja o local da instalação da nova farmácia”;


c) O preceito respeita às condições gerais de instalação (proémio do art.º 2.º) de novas farmácias (corpo do art.º 1) pelo que a proibição de “sobreposição de áreas” respeita, como é óbvio, a novas farmácias a instalar e não às farmácias já instaladas.


d) A instalação de novas farmácias tem de obedecer a condições gerais, ou seja, não pode existir outra farmácia numa área delimitada por uma conferência com um raio de 250 metros que tenha a nova farmácia a instalar por centro.


e) A interpretação defendida pelo INFARMED, para além de não ter a menor correspondência na letra da lei, representa uma clara contradição com os objectivos definidos aquando da preparação e publicação do novo regime de transferência de farmácias, designadamente ao nível da melhoria de acessibilidade do cidadão a todo o tipo de cuidados de saúde, que pressupõe uma adequada cobertura farmacêutica da população.


f) Ou seja, “(…) O legislador não poderia pretender tornar os serviços farmacêuticos mais próximos e mais acessíveis aos cidadãos e, ao mesmo tempo, aumentar o afastamento legal imperativo já vigente (…)”.


5. Apesar de entretanto ter sido entregue e deferido um outro pedido de transferência da farmácia, indicando um local alternativo com vista a satisfazer as exigências colocadas pelo INFARMED quanto às distâncias mínimas a observar entre farmácias, prosseguiu-se com a instrução do processo junto deste Instituto com o propósito de esclarecer de forma clara os fundamentos jurídicos que poderiam justificar o indeferimento do requerimento inicialmente apresentado.


6. Nesta sequência, e em resultado de acrescidas diligências, nomeadamente de uma reunião conjunta em que esteve presente um representante designado pelo INFARMED, veio defender-se como fundamento para a decisão de indeferimento a interpretação do referido preceito legal no sentido de que o local para o qual se pretendia transferir a farmácia deveria obrigatoriamente distar, pelo menos, 500 metros de outras farmácias já instaladas.


7. Para semelhante entendimento invocaram-se os seguintes argumentos:



a) As Portarias n.ºs 936-A e 936-B/99, de 22 de Outubro, deverão ser qualificadas como diplomas de consenso, fruto de um estudo prolongado e de uma concertação de interesses, já que até a própria Ordem dos Farmacêuticos demonstrou o seu assentimento relativamente às novas regras agora instituídas.


b) O INFARMED sempre defendeu para todos os casos, desde o início de vigência de tais diplomas, que a distância a considerar para efeitos de autorização de transferências físicas de farmácias teria que ser, no mínimo, de 500 metros, resultante da verificação do requisito de não sobreposição de áreas, quer em relação às farmácias já instaladas, quer às novas farmácias a instalar, e não apenas de 250 metros.


c) Tal interpretação justificar-se-á, na óptica do INFARMED, desde logo, por uma questão de interesse público, pois o conceito de maior acessibilidade aos serviços farmacêuticos não se afere apenas em função do número de farmácias instaladas, mas também e sobretudo, pela sua descentralização sob o ponto de vista geográfico, ou seja, tendo em conta que as cidades se estão a desenvolver para as zonas periféricas, onde existe espaço para a expansão do parque habitacional, justifica-se a exigência do cumprimento de uma maior distância entre farmácias, de modo a promover a sua deslocação para as zonas mais carenciadas;


d) Por outro lado, a alteração da redacção da legislação anterior poderia também abonar em favor desta tese, já que, no âmbito da Portaria n.º 806/87, de 22 de Setembro, revogada pelo diploma em análise, se referia apenas como condição para a instalação de novas farmácias (artº 2º, nº 1, al. b)) – ” Não se encontrar instalada nenhuma farmácia na área delimitada por uma circunferência de 250 m de raio e cujo centro seja o local de instalação da nova farmácia.” Ora, para o INFARMED, o facto de se ter acrescentado o requisito da não sobreposição de áreas só poderá significar uma maior exigência quanto às distâncias, porque caso contrário ter-se-ia mantido a redacção do diploma anterior;


e) Nesse sentido, o INFARMED invocou ainda o facto de o preceito em análise aplicar-se apenas ao caso do Reclamante e aos demais pedidos de transferência de farmácias, por via da remissão operada pelo art.º 2º da Portaria n.º 938-B/99, também de 22 de Outubro, ou seja, com as devidas adaptações, o que permitiria este tipo de interpretação e a sua aplicação “mutatis mutandis“.


II
– Apreciação –


8. Analisada a posição transmitida pelo INFARMED em conjunto com os argumentos avançados pelo Reclamante, é por demais evidente a complexidade da questão e a dificuldade em reconhecer mérito exclusivo a qualquer das teses acima expostas.


9. Por outro lado, haveria sempre a considerar que, independentemente da tese que se perfilhe a respeito da interpretação da alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º da Portaria n.º 936-A/99, de 22 de Outubro, as situações jurídicas geradas à luz da interpretação que o INFARMED tem vindo a defender se encontram já devidamente consolidadas com o decurso do tempo.


10. Na verdade, ainda que se considerasse mais acertada a posição defendida pelo Reclamante, a alteração repentina da interpretação que aquele Instituto tem vindo a defender sobre os requisitos necessários à transferência de farmácias poderia causar não só perturbações prejudicais ao funcionamento dos Serviços, mas sobretudo uma certa confusão de procedimento e um tratamento desigual face aos requerentes que, para poderem obter a necessária autorização de transferência se viram obrigados a cumprir a distância de 500 metros e não apenas de 250 metros.


11. Contudo, o reconhecimento da complexidade da questão não significa que considere correcta a forma como se tem vindo a processar a apreciação dos pedidos de transferência de farmácias apresentados ao abrigo da Portaria supra mencionada.


12. Em primeiro lugar, julgo que por imperativos de interesse público se deve proceder à clarificação da redacção da referida norma legal de modo a eliminar as múltiplas dúvidas interpretativas que o preceito suscita.


13. Permita-me Vossa Excelência que recorde, para facilitar esta exposição, a redacção do preceito agora em discussão:



Art. º 2.º, n.º 1, alínea b), da Portaria n.º 936-A/99, de 22 de Outubro, aplicável ex vi do n.º 2 da Portaria n.º 936-B/99, da mesma data :


“(…) A instalação de novas farmácias obedecerá às seguintes condições gerais:


b) Não se encontrar instalada nenhuma farmácia na área delimitada por uma circunferência de 250 m de raio e cujo centro seja o local de instalação da nova farmácia, não podendo haver sobreposição de áreas (…)”.


14. Transposta esta exigência de cumprimento das distâncias entre farmácias para as operações de transferência, podemos dizer que é exactamente a parte final do preceito que tem vindo a dar azo a várias interpretações.


15. É que, segundo o INFARMED, para se assegurar que não haveria sobreposição das áreas de cobertura de cada uma das farmácias, deveria exigir-se o cumprimento de uma distância de 500 metros e não de 250 metros, como resultaria da estrita aplicação da lei.


16. O que significa que se tem vindo a colocar aos particulares que pretendem transferir as farmácias de que são proprietários para outros locais, uma exigência que não decorre de forma clara da legislação aplicável, antes resulta de uma interpretação que, face à argumentação expendida pelo Reclamante, não é de todo isenta de equívocos.


17. Deste modo, por razões de interesse público que exigem a máxima transparência e clareza dos preceitos que contém imperativos a observar por particulares, julgo que seria de todo conveniente que se procurasse expurgar o preceito em causa das dúvidas interpretativas que suscita, de forma a que se possa, de forma imediata e sem esforço acrescido, apreender o verdadeiro sentido da condição que deve ser observada para que possa ser concedida a autorização para a transferência pretendida.


18. Finalmente, julgo dever também levar ao conhecimento de Vossa Excelência alguns aspectos relativos ao procedimento adoptado pelo INFARMED a respeito da apreciação do requerimento de transferência sobre o qual versava a queixa apresentada pelo Reclamante.


19. É que, por um lado, por via da remissão operada pelo n.º 5 da Portaria n.º 936-B/99, de 22 de Outubro – que regula especificamente os processos de transferência de farmácias do concelho de Lisboa para outros concelhos dos distritos de Lisboa e de Setúbal -, para o n.º 6 do art.º 16.º da Portaria n.º 936-A/99 da mesma data, o INFARMED deveria ter deliberado sobre o pedido em causa no prazo máximo de 120 dias.


20. Ora, apesar de tal requerimento ter sido recepcionado nos Serviços daquele Instituto no dia 16 de Novembro de 1999, só no dia 3 de Janeiro de 2001, ou seja, decorrido mais de um ano, é que a interessada foi notificada do respectivo indeferimento.


21. De facto, muito embora compreenda que as várias vicissitudes registadas ao longo do período de apreciação desse requerimento -, desde logo o facto de em Janeiro de 2000 ter tomado posse o novo Conselho de Administração desse Instituto -, possam ter prejudicado o regular funcionamento dos Serviços de apreciação dos processos de transferência de farmácias, não me parece razoável toda esta demora que redundou em manifesto prejuízo para o exercício da actividade profissional da requerente.


22. Por outro lado, tal como se poderá verificar no ofício n.º 422 que em 3 de Janeiro de 2001 o INFARMED enviou à interessada, a notificação do indeferimento do pedido de transferência não foi acompanhada de qualquer fundamentação que permitisse compreender as razões para tal decisão.


23. E nem se diga que a publicação em Diário da República da deliberação do Conselho de Administração do INFARMED poderia desonerar este Instituto do dever geral de fundamentação em termos minimamente razoáveis.


24. É que, constituindo tal dever constitucionalmente consagrado a pedra basilar das relações entre a Administração e os particulares, o seu alcance não poderá nunca conter-se à mera remissão para o sumário de deliberações a publicar nos termos gerais, como parece ter sido entendimento do INFARMED.


25. Tendo presente esta incorrecção e ilegalidade de procedimento relativas à total ausência de fundamentação da decisão que foi notificada à requerente e ao atraso na apreciação do respectivo requerimento, resolvi dirigir também um reparo ao Conselho de Administração do INFARMED, nos termos do ofício de que também se junta cópia, com o propósito de sensibilizar este Instituto para a necessidade de evitar a repetição deste tipo de situações no futuro, que em nada servem os legítimos interesses e direitos dos particulares ao conhecimento em tempo útil das decisões que deverão recair sobre as respectivas pretensões, assim como dos respectivos fundamentos.


Assim, de acordo com as motivações acima expostas e nos termos do art.º 20.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n. 9/91, de 9 de Abril), recomendo







a) Que se proceda à alteração da redacção da norma prevista no art.º 2, n.º 1, alínea b) da Portaria n.º 936-A/99, de 22 de Outubro, no sentido de esclarecer que a distância a observar entre a farmácia mais próxima já instalada e o local para onde se pretende transferir outra farmácia é de 500 metros e não apenas de 250 metros.


b) Tal alteração deverá passar por consagrar exclusivamente nesse preceito como requisito para a autorização da transferência de farmácias, a distância a respeitar entre as mesmas, excluindo qualquer conceito subjectivo como o de “não poder haver sobreposição de áreas”, como agora se encontra definido.


Nos termos do disposto no artº 38º, n.º 2 do Estatuto aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, deverá Vossa Excelência comunicar-me o acatamento desta Recomendação ou, porventura, o fundamento detalhado do seu não acatamento, no prazo de sessenta dias, informando sobre a sequência que o assunto venha a merecer.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues