RECOMENDAÇÃO N.º 7/A/2002
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Director-Geral dos Impostos
Nossa Ref.ª – Proc.º: P-19/01
Data: 2002/07/29
Área: A2


Assunto: Atrasos na realização de avaliações fiscais extraordinárias para efeitos de actualização extraordinária do valor das rendas dos imóveis destinados a comércio, indústria e profissões liberais. Causas. Medidas de correcção.



I – ENUNCIADO


1. Na sequência de queixas dirigidas ao Provedor de Justiça por parte de proprietários de imóveis arrendados para comércio, indústria e profissões liberais, foi organizado um processo de minha iniciativa, a fim de apurar as causas que, em todo o território nacional, têm contribuído para a ocorrência de atrasos relevantes na realização das avaliações fiscais extraordinárias a que se referem o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro, e o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 189/82, de 17 de Maio.


2. Conforme é do conhecimento de V.ª Ex.ª, o processo de avaliação fiscal extraordinária dos imóveis é um meio processual ao alcance dos proprietários dos imóveis arrendados para fins não habitacionais, que pretende minorar os efeitos económicos decorrentes de um congelamento de rendas, como sejam a apatia do mercado imobiliário do arrendamento, a degradação do parque imobiliário e a redução do rendimento dos proprietários.


3. A referida actualização das rendas em nada contende com os direitos sociais dos arrendatários que, pela ocupação do imóvel, auferem um benefício económico superior ao custo das rendas suportadas, benefício esse que será tanto maior, face aos valores verificados da inflação, quanto maior o atraso na realização da avaliação extraordinária, quando requerida pelo senhorio, atraso que, em alguns casos, chega a ser de vários anos.


4. A avaliação fiscal extraordinária é, pelas razões acima expostas, um meio de protecção do direito de propriedade mais acentuado do que o proveniente da actualização das rendas pela aplicação dos coeficientes fixados anualmente por via legislativa, pois permite “a correcção de eventuais desajustamentos entre os valores obtidos através das actualizações e os julgados mais justos e razoáveis”, conforme esclarece o legislador no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro, que regula a matéria.


5. Trata-se, além disso, de um meio subsidiário de actualização das rendas não habitacionais que apenas terá lugar se o senhorio e o arrendatário não acordarem numa actualização contratual da renda, devendo a renda fixada, na avaliação extraordinária, atender ao livre funcionamento do mercado, nos termos previstos no artigo 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 392/82, de 18 de Setembro.


6. Por este motivo se faculta, tanto ao senhorio, como ao arrendatário, o recurso ao Tribunal da Comarca da localização do imóvel, para efeito de fiscalização do valor da renda fixada, por forma a evitar a desproporcionalidade entre os custos e os benefícios de um e do outro.


7. O regime de actualização das rendas não habitacionais através da aplicação de um coeficiente de actualização fixado anualmente pelo Governo, foi a fórmula encontrada para procurar reduzir o número de processos de avaliação fiscal extraordinária, dado o conhecimento público da morosidade dos mesmos.


8. Não foi, no entanto, intenção do legislador, retirar aos senhorios um instrumento adequado a uma protecção dos seus direitos mais consentânea com critérios de justiça e de razoabilidade do que os decorrentes da aplicação de um coeficiente de actualização que, por demasiado abstracto, pode não ter em conta as especificidades de cada caso concreto.


9. Não obstante a grande utilidade do recurso a este meio processual, verificou-se, ao longo dos anos, o seu progressivo abandono, em parte motivado pela publicação anual de uma Portaria de actualização das rendas e, em parte, pela reconhecida morosidade do processo de avaliação fiscal extraordinária, que por esse motivo acaba por limitar o exercício de um direito legalmente protegido dos cidadãos proprietários.


10. Face às queixas surgidas neste Órgão do Estado e no âmbito da instrução do processo aberto, determinei que fosse feito um diagnóstico da situação, em todo o território nacional, procedendo-se à elaboração e ao envio de um questionário junto de diversos Serviços de Finanças em que decorre a fase administrativa do processo de avaliação fiscal extraordinária.


11. Com o questionário dirigido aos Serviços de Finanças pretendia-se, no essencial, obter respostas para as seguintes questões:



a) Qual o número de processos que, tendo por objecto uma avaliação fiscal extraordinária para actualização das rendas nos contratos de arrendamento de prédios urbanos destinados a comércio, indústria ou exercício de profissões liberais, foram instaurado nesse Serviço de Finanças, entre 1 de Janeiro de 1999 e 31 de Dezembro de 2001, ou seja, nos últimos três anos ?


b) Dos processos instaurados entre as referidas datas, qual o número de processos que foram concluídos nesse período?


c) Dos processos instaurados entre as referidas datas, qual o número de processos que se encontravam pendentes em 31/12/2001?


d) Qual o tempo médio de pendência dos processos findos e dos que ainda se encontram pendentes em 31.12.2001 ?


e) Qual ou quais os motivos dos atrasos verificados na realização das avaliações requeridas?


f) Existe Comissão de Avaliação constituída nesse Concelho, nos termos do disposto no artigo 5.º do Decreto n.º 37.021, de 21 de Agosto, com a redacção dada pelo Decreto Regulamentar n.º 1/86, de 2 de Janeiro?


g) A referida Comissão, se constituída, funciona com regularidade?


12. A escolha dos 28 Serviços de Finanças a inquirir recaiu sobre os localizados nas cidades capitais de distrito e, quanto aos distritos com maior densidade populacional, a opção foi a de questionar mais do que um Serviço de Finanças da respectiva área.


13. Os questionários foram assim enviados aos Serviços de Finanças de Aveiro 1, Angra do Heroísmo, Beja, Braga 1, Bragança, Castelo Branco, Coimbra 1, Coimbra 2, Évora, Faro, Funchal, Guarda, Horta, Leiria 1, Lisboa 1, Lisboa 2, Lisboa 3, Lisboa 5, Lisboa 11, Ponta Delgada, Portalegre, Porto 1, Porto 4, Porto 6, Santarém, Setúbal 1, Viana do Castelo e Viseu 1, num total de vinte e oito, como se referiu, e numa amostra que se pode considerar representativa da situação em todo o País.



II
− APRECIAÇÃO –


14. Os dados recolhidos junto dos Serviços de Finanças acima identificados permitiram concluir que, em alguns casos, o atraso excessivo no processamento das avaliações fiscais extraordinárias, ultrapassa largamente o prazo de 6 meses fixado para a conclusão da avaliação previsto no artigo 10.º, n.º 6 do Decreto n.º 37.021, de 21 de Agosto de 1948, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto Regulamentar n.º 1/86, de 2 de Janeiro.


15. Embora não seja significativo o número dos Serviços de Finanças em que tais atrasos manifestamente excessivos se verificam, não deixam os mesmos de constituir um grave óbice ao exercício de um direito legalmente protegido dos cidadãos que a ele recorrem.


16. Entre os casos detectados que apresentam a maior gravidade, pelo atropelo que consubstanciam ao exercício daquele direito, contam-se os de alguns Serviços de Finanças onde nem sequer existe Comissão de Avaliação constituída de acordo com as prescrições legais, embora existam processos pendentes de avaliação, como sejam os casos dos Serviços de Finanças da Guarda e de Viseu 1, ou aqueles em que a referida Comissão, embora legalmente constituída, não funciona de todo, como é o caso de Setúbal 1, em que existem diversos processos pendentes de avaliação desde o ano de 1993.


17. De acordo com as motivações expostas e considerando que a não existência, em alguns Concelhos, de uma Comissão de Avaliação e, noutros casos, o seu não funcionamento, consubstanciam graves prejuízos claramente lesivos dos direitos dos cidadãos que recorrem ao citado meio de avaliação e actualização das rendas não habitacionais, entendo dever exercer o poder que me é conferido pela disposição compreendida no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril e, como tal, Recomendar a V.ª Ex.ª que: 







a) se digne dar instruções a todos os Directores de Finanças para que, sempre que em algum Serviço de Finanças seja entregue um requerimento a solicitar a realização de uma avaliação fiscal extraordinária, deva ser de imediato promovida a formação e garantido o funcionamento célere da Comissão de Avaliação;


b) sejam adoptadas diligências com vista à rápida solução das situações mais graves detectadas nos Serviços de Finanças da Guarda, de Setúbal 1 e de Viseu 1, onde a pendência dos processos se deve à inexistência de Comissão de Avaliação, promovendo a sua célere formação e o seu adequado funcionamento.


Solicito a V.ª Ex.ª, em cumprimento do dever consagrado no artigo 38.º, n.º 2 do Estatuto aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, dignar-se informar sobre a sequência que o assunto venha a merecer.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues