RECOMENDAÇÃO N.º 1/B/2001
[Art. 20º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]


Entidade visada: Sua Excelência o Ministro das Finanças
Nossa Ref.ª – Proc.º: P-10/01
Data: 2001/06/06


Assunto: Alargamento do âmbito do benefício referente ao crédito bancário à aquisição ou construção de habitação própria atribuído a deficientes civis e a deficientes das forças armadas. Bonificação ao financiamento de obras a realizar em imóvel destinado à habitação própria. Limites ao alargamento do benefício.


I – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS


Conforme é do conhecimento de Vossa Excelência, na sequência de várias queixas apresentadas na Provedoria de Justiça, tem este órgão do Estado vindo a apreciar o assunto referido em epígrafe, o que motivou a abertura do presente processo, de minha iniciativa.


Neste sentido, e visando uma mais fácil e expedita identificação e apreciação do assunto por parte de Vossa Excelência, junto à presente Recomendação cópia da correspondência que, sobre o assunto, tem vindo a ser trocada com o Ministério das Finanças.


Está em causa apurar se devem ou não ser concretizadas alterações legislativas que possibilitem aos cidadãos portadores de deficiência relevante – para além do direito ao crédito bonificado à aquisição ou construção de habitação própria, benefício este de que já usufruem -, beneficiar ainda do direito a igual regalia no que se refere aos empréstimos bancários contraídos para a realização de obras na habitação própria permanente.


De acordo com o quadro legal actualmente existente, o Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, no n.º 8.º do seu art.º 14.º, com a epígrafe “Concessões especiais para aquisição de habitação própria”, veio estatuir que o deficiente das forças armadas “tem direito à aquisição ou construção de habitação própria nas mesmas condições que vierem a ser estabelecidas para os trabalhadores das instituições de crédito nacionalizadas”.


Posteriormente, os instrumentos de contratação colectiva do sector bancário vieram a estabelecer os termos e as condições em que os trabalhadores do sector bancário tem acesso ao crédito bancário à aquisição ou construção de casa própria, beneficiando, para o efeito, de uma taxa de juro razoavelmente reduzida face às praticadas pelo mercado em circunstâncias e operações similares.


Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 230/80, de 16 de Julho, veio alargar o benefício em causa a todos os cidadãos, deficientes civis ou deficientes das forças armadas não compreendidos no anterior diploma: “aos deficientes civis e aos deficientes das forças armadas não compreendidos no art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, uns e outros com um grau de incapacidade igual ou superior a 60 %, é atribuído o direito à aquisição ou construção de habitação própria nas condições previstas no n.º 8 do art.º 14.º do referido diploma legal”.


Por último, o Decreto-Lei n.º 98/86, de 17 de Maio, regula o modo como o Estado assume os encargos decorrentes do diferencial de juros pagos pelos mutuários e os praticados em condições normais do mercado.


Ou seja, dos diplomas acabados de citar e que regulam a matéria em apreço pode-se concluir que têm direito ao financiamento bancário bonificado na contracção de empréstimos destinados à aquisição ou construção de habitação própria, os deficientes das forças armadas compreendidos nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, os deficientes civis conforme o previsto no Decreto-Lei n.º 230/80, de 16 de Julho e, ainda no âmbito deste diploma, os deficientes das forças armadas não incluídos no Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.


No âmbito desta legislação, foram várias as instituições bancárias que, ao longo dos anos, têm vindo a conceder crédito bonificado aos cidadãos portadores de deficiência relevante, para efeito de aquisição ou construção de habitação própria.


Mas não só, pois as instituições bancárias vinham fazendo uma interpretação mais lata das normas referidas, concedendo crédito, em iguais circunstâncias, aos cidadãos portadores de deficiência relevante que pretendiam, através deste financiamento bancário bonificado, obter meios para a realização de obras na habitação própria.


Vários argumentos poderiam ser invocados na defesa desta posição: quem permite o mais (financiamento bonificado da aquisição ou construção) permite o menos (financiamento bonificado à realização de obras); o crédito atribuído aos trabalhadores bancários abrange o financiamento da realização de obras na habitação própria; os diplomas que regulam o acesso e a permanência no regime do crédito bonificado geral admitem que a realização de obras de conservação ordinária e extraordinária ou de beneficiação, sejam algumas das suas finalidades.


Contudo, as queixas que têm chegado à Provedoria de Justiça revelam que a Direcção-Geral do Tesouro tem procedido a um controlo rigoroso destas situações, só admitindo, nos exactos termos legalmente previstos, que o crédito concedido aos cidadãos portadores de deficiência relevante tenha por finalidade exclusiva a aquisição ou construção de habitação própria, e não já o financiamento da realização de obras naquela. Esta interpretação tem justificado a modificação do regime de crédito em todas as situações que a Direcção-Geral do Tesouro não considera compatíveis com o regime legal existente.


Identificado o problema e o seu enquadramento, parece efectivamente justificar-se um estudo do assunto ponderando, designadamente, a possibilidade e necessidade de serem feitas alterações legislativas ao regime legal existente e que permitam fazer acrescer aos benefícios actualmente existentes, o direito de um cidadão portador de deficiência relevante poder obter um empréstimo bancário bonificado com o fim exclusivo de financiar a realização de obras em imóvel que habita ou pretende habitar.


Parece-me, na verdade, razoável admitir que os cidadãos portadores de deficiência relevante concorram ao financiamento bonificado através de crédito bancário para a realização de obras em habitação própria, nos mesmos termos em que o podem fazer para aquisição ou construção de habitação, até porque, se o enquadramento legislativo permite uma solução mais ampla (casos de construção, por exemplo), aceitando “o mais”, pode, seguramente, contemplar “o menos”. Para além, naturalmente, de os fundamentos que justificam, desde logo em termos sociais, a atribuição deste benefício se manterem válidos e defensáveis em qualquer das situações.


Por outro lado, parece consensual admitir que os montantes em causa, que sempre são suportados pelo Estado, seriam sempre menores numa situação de financiamento à realização de obras, face aos envolvidos na construção ou aquisição de habitação própria.


Nesta perspectiva, pode até ser defensável que, estando prevista a possibilidade de construção integral de casa nos termos do benefício já actualmente existente, por maioria de razão se deveria aceitar a possibilidade de, com idêntico apoio financeiro, proceder à sua ampliação, beneficiação, remodelação, etc.


Para que não reste qualquer dúvida a este respeito, porém, considera-se dever ser ponderada a consagração legal da possibilidade de os cidadãos portadores de deficiência relevante recorrerem ao crédito bancário bonificado para a realização de obras em habitação própria, nos mesmos termos em que já o podem fazer para a obtenção de financiamento bancário à aquisição ou construção, conforme actualmente previsto na legislação citada.


Atendendo, contudo, às preocupações de natureza social e de natureza orçamental subjacentes a esta decisão pública, poder-se-ia porventura limitar o alargamento do benefício agora proposto, de modo que só pudessem dele beneficiar os cidadãos portadores de deficiência relevante que, tendo em consideração o montante dos rendimentos brutos do respectivo agregado familiar, pudessem igualmente, e face aos mesmos elementos, ter acesso ao regime de crédito bonificado em geral, regulado pelo Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de Novembro, com a redacção introduzida pela Decreto-Lei n.º 320/2000, de 15 de Dezembro, e pela Portaria n.º 1177/2000, da mesma data.


Tal limitação permitiria alargar o benefício aos cidadãos portadores de uma deficiência relevante, possibilitando-lhes a realização financiada de obras na sua habitação própria, desde que o nível dos rendimentos do agregado familiar permitissem considerar estarmos face a uma situação em que a atribuição do benefício seria socialmente justificada.


II – CONCLUSÕES




Face ao exposto, permito-me Recomendar a Vossa Excelência, ao abrigo do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20º, n.º 1, alínea b), do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91, de 9 de Agosto), que:







1. Seja ponderada a alteração legislativa da redacção do artigo 14º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, aplicável aos deficientes das forças armadas;


2. Seja ponderada a alteração legislativa do artigo único do Decreto-Lei n.º 230/80, de 16 de Julho, aplicável aos deficientes civis e das forças armadas não compreendidos no art. 1º daquele diploma;


3. Uma e outra alteração legislativas venham possibilitar que aos cidadãos portadores de deficiência relevante (civis ou deficientes das forças armadas) seja possível o recurso ao crédito bancário bonificado para o financiamento da realização de obras em habitação própria;


4. Que destas alterações legislativas venha ainda a constar, como contrapartida da atribuição do benefício agora alargado, a exigência de que, para a concessão do crédito bancário a uma mais reduzida taxa de juro para o financiamento da realização de obras em habitação própria, os interessados façam prova de que cumprem os requisitos de que depende o acesso ao regime de crédito bonificado em geral, em termos de aferição da efectiva necessidade do apoio financeiro, considerando os limites ao rendimento anual bruto do agregado familiar constantes do Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de Novembro, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 320/2000, de 15 de Dezembro, e da Portaria n.º 1177/2000, da mesma data.



De acordo com o disposto no art. 38º, n.º 2, do referido Estatuto do Provedor de Justiça, solicito a Vossa Excelência que me comunique o acatamento ou não acatamento fundamentada desta Recomendação.


Prevaleço-me desta oportunidade para apresentar os meus melhores cumprimentos,



O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues