RECOMENDAÇÃO N.º 2/A/2001
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Presidente do Conselho de Administração da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, S,A.
Nossa Ref.ª – Proc.º: R-402/98
Data: 2001/02/20
Área: A4


Assunto: Pagamento de juros de mora por falta de pagamento atempado das férias e subsídio de férias devido a trabalhador vítima de acidente em serviço.



1. Informo V. Exª que, após análise da reclamação apresentada por VC, conclui ser a mesma procedente com base nas razões que enuncio de seguida.


2. No presente momento só a questão dos juros respeitantes ao não pagamento atempado da parte do vencimento do reclamante, e à falta de pagamento das férias e subsídio de férias de 1996 justifica a minha intervenção, uma vez que as prestações em dívida foram já regularizadas.


3. E essa regularização ocorreu em consequência dos contactos deste Órgão do Estado com a Exmª Directora do Departamento de Recursos Humanos dessa Empresa.


4. Todavia, porque a Exmª Directora deu a conhecer a este Órgão do Estado que a INCM, S.A, não tencionava proceder ao pagamento de quaisquer outras quantias, alegando, ainda, que não havia lugar ao pagamento dos juros moratórios por não ter havido dolo no procedimento dessa Empresa (cfr. ofícios nº 387. de 20.9.2000, e nº 14, de 19.1.2001), é esta a razão que me leva a formular Recomendação nos termos e com os fundamentos que se seguem.


5. Sendo inquestionável que os trabalhadores da INCM eram subscritores da Caixa Geral de Aposentações, conforme previa o artº 54º do Decreto-Lei nº 333/81, de 7 de Dezembro, era necessário ao apreciar a situação do reclamante, após o acidente em serviço ocorrido em 23 de Março de 1994, ter em conta o disposto no Decreto-Lei nº 38.523, de 23 de Novembro de 1951, e suas alterações.


Ora, uma das alterações teve lugar com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro, que no seu artigo 49º nº 3 veio prescrever que as faltas por acidente em serviço não determinavam a perda do vencimento de exercício, sendo certo que o artº 10º do Decreto-Lei nº 38.523 de 23 de Novembro de 1951 foi revogado pelo artº 108º, nº 1 do Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro.


6. Do que se vem dizer resulta claramente que os descontos no vencimento do reclamante de 1/6 só ocorreram por erro dos Serviços dessa Empresa, que continuaram a proceder de acordo com o comando do artº 10º do Decreto-Lei nº 38.523, de 23 de Novembro de 1951, quando aquela norma se encontrava revogada a partir de 30 de Janeiro de 1989, por força do disposto no artº 108 do Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro.


7. Tendo essa Empresa regularizado a situação dos descontos indevidos com o seu reembolso em 31 de Março de 1997, é evidente que deve ressarcir o reclamante dos prejuízos sofridos por não receber atempadamente a totalidade da retribuição que lhe era devida.


8. Assim, é o reclamante credor da indemnização correspondente aos juros a contar do dia em que contratualmente o vencimento de cada mês deveria ter sido, e não foi parcialmente, colocado à sua disposição.


9. Os descontos indevidos tiveram lugar entre 23 de Março de 1994 e 31 de Março de 1997, e daí que seja relativamente fácil efectuar o cálculo dos juros tendo em conta os meses em que ocorreu a falta de pagamento, as taxas de juro em vigor, e a data em que foi efectuado o reembolso.


10. No que respeita às férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 1996, não havia qualquer razão para tais direitos serem cerceados ao reclamante, atenta a circunstância de as faltas dadas por motivo de acidente em serviço se considerarem sempre justificadas (cfr. artº 11º do Decreto-Lei nº 38.523, de 23 de Novembro de 1951) e daí que o recurso à suspensão do contrato de trabalho não ter suporte legal, tendo em conta que a situação era regulada pelo diploma legal indicado em último lugar.


11. O valor das férias e do subsídio de férias acabaram por ser pagos ao reclamante em Maio de 1999.


12. Tendo em conta a regra de cálculo indicada em 9 e considerando a data em que o subsídio de férias de 1996 foi pago à generalidade dos trabalhadores, considera-se, como razoável, que seja essa a data a considerar para efeitos de mora no pagamento ao reclamante dos valores relativos a férias e subsídio de férias de 1996.


13. Não põe essa Empresa em causa que não pagou atempadamente as férias e o subsídio de férias de 1996, não questionando, outrossim, que lhe falecia fundamento legal para efectuar o desconto de 1/6 no vencimento do reclamante, decorridos 60 dias após a ocorrência do acidente em serviço.


14. Recusa-se, isso sim, a pagar os juros de mora respeitantes ao não pagamento atempado das prestações em dívida e os relativos à retenção de 1/6 de cada vencimento.


15. Para tanto, aduz o argumento de que não teve intenção dolosa na falta de pagamento atempado das citadas prestações.


16. Como se salientou através do ofício nº 19708, de 14.11.2000, dirigido à Exmª Directora do Departamento de Recursos Humanos, a falta de pagamento das prestações e os descontos ilegais só tiveram lugar por não terem sido tomadas as providencias adequadas ao estudo e análise do regime jurídico aplicável aos acidentes ocorridos em serviço, e a falta de tal estudo consubstancia claramente violação do dever de cuidado que essa Empresa deveria e poderia ter tido para evitar o resultado, o que em linguagem técnica se qualifica como negligencia.


17. A violação culposa de uma obrigação pode ter, seguramente, lugar também por negligencia, e, por isso, a responsabilidade dessa Empresa pelos prejuízos causados tem apoio no artº 798º do Código Civil.


18. Sendo, como é, a culpa pelo ocorrido imputável a essa Empresa, não só tendo em conta o citado artº 798º, mas também, sem esquecer o disposto no artº 799º ambos do Código Civil, é evidente que a indemnização devida deve corresponder aos juros contados a partir do dia da constituição em mora, por força do disposto no artº 806º nº 1, também do Código Civil.








Face ao exposto, tenho por bem formular Recomendação a essa Empresa em ordem a que ao reclamante VC sejam pagos os juros de mora respeitantes às férias e subsídio de férias de 1996, tendo em conta a data em que foi pago a todos os trabalhadores o subsídio de férias de 1996 e a data em que aqueles subsídios foram colocados à disposição do reclamante, e, ainda, os juros de mora correspondentes ao desconto de 1/6 do vencimento, tendo em conta a data em que foram descontados e a data em que foi efectuado o reembolso total.



Agradeço que me seja comunicada a posição que vir a ser tomada face à Recomendação ora formulada.



O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues