RECOMENDAÇÃO N.º 12/A/2001
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Chefe do Estado Maior do Exército
Nossa Ref.ª – Proc.º:
R-4650/00
Data: 2001/07/30
Área: A4


Assunto: Pagamento em atraso de ajudas de custo. Juros de mora.

-I-
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

JF, capitão de SGE com o NIM XXX, na situação de serviço activo, actualmente colocado no BCS/CMSM a prestar serviço no Cinform/CMSM frequentou no Instituto Superior Militar (ISM) em Águeda, de 1 de Outubro de 1985 a 10 de Agosto de 1987, o Curso A do Curso de Formação de Oficiais.

Para o efeito, dado que tinha a sua guarnição militar de preferência em Lisboa, viu-se deslocado do seu domicílio legal, tendo consequentemente direito a ajudas de custo a título de alimentação e alojamento.

Durante o referido período foi-lhe abonada alimentação em numerário, bem como um subsídio de alojamento no valor de 4.500$00 mensais.

Por requerimento de 21 de Março de 1996 o requerente solicitou a V. Exa. que fosse reposta a legalidade, ou seja, que se atendesse ao valor fixado no artigo 4º do Decreto-Lei nº 119/85, de 22 de Abril, durante o período que frequentou o Curso acima referido no Instituto Superior Militar, devendo ser abonados e processados 100% de ajudas de custo, deduzidos os subsídios de alojamento e alimentação que recebeu indevidamente.

Por despacho de 10 de Maio de 1996, do Senhor General Comandante da Logística, foi autorizado o abono solicitado que se traduziu na importância líquida de 1.592.060$00, paga ao requerente em Fevereiro de 1997, ou seja, cerca de 10 meses após o despacho que o autorizou.

O abono atrás referido foi calculado com base no valor diário das ajudas de custo vigente nos anos de 1985, 1986 e 1987.

Entende o reclamante que ao receber a quantia de 1.592.060$00 apenas em Fevereiro de 1997 (com cerca de 12 anos de atraso), se encontra prejudicado em relação a todos os militares que receberam as ajudas de custo ou quaisquer outros vencimentos no momento adequado, pelo que solicitou que lhe fossem pagos os juros legais correspondentes aos abonos devidos em 1985, 1986, e 1987, até à data da sua liquidação, o que só ocorreu em Fevereiro de 1997, como se referiu.

Contudo o Serviço de Abonos e Tesouraria desse Estado Maior indeferiu tal pretensão afirmando que a Administração aplicou as tabelas de ajudas de custo em vigor reportadas aos anos de 1985/1986, sendo certo que o abono das ajudas de custo liquidado em Fevereiro de 1997, se consolidou na ordem jurídica o que implica a sua insindicabilidade. Entendem ainda os serviços desse Estado Maior que o Estado e qualquer dos seus serviços estão isentos de juros de mora nos termos do disposto no artigo 2º, nº1, do Decreto Lei nº 49168, de 5 de Agosto.

Nesta sequência enviou o reclamante a esta Provedoria de Justiça exposição de todo o sucedido.

Tendo este Órgão de Estado pugnado pelo abono dos referidos juros de mora junto daqueles serviços bem como junto do Gabinete de V. Exa., não logrou obter qualquer resultado.

– II –
ANÁLISE

O reclamante alega que as ajudas de custo que lhe eram devidas nos termos do disposto no artigo 4º do Decreto-Lei nº 119/85, de 22 de Abril, pela frequência do Curso A no Instituto Superior Militar de 1 de Outubro de 1985 a 10 de Agosto de 1987, só lhe foram pagas em 10 de Fevereiro de 1997.

Da análise da documentação que nos foi enviada pelos serviços desse Estado Maior do Exército, conclui-se que o atraso no referido pagamento foi da exclusiva responsabilidade dos mesmos, que desse modo se colocaram em situação de mora no que se refere ao aludido pagamento.

Como tem sido salientado pela doutrina e jurisprudência, há mora sempre que se verifica atraso no cumprimento de uma obrigação, quando alguém está obrigado para com outrém a entregar-lhe dinheiro, correspondendo os juros ao pagamento pelo tempo que a mora perdurar (1).

Entende essa Chefia de Estado Maior, no seguimento do que já nos havia sido comunicado pelo Gabinete de Auditoria da Chefia de Abonos e Tesouraria, como atrás se referiu, que o Estado está isento do pagamento de juros de mora nos termos do disposto no artigo 2º, nº1, do Decreto-Lei nº 49.168, de 5 de Agosto de 1969.

Efectivamente, por ofício nº 01422 de 13 de Fevereiro de 2001, informou o referido Gabinete que” só haverá lugar a tal pagamento, quando manifestamente se haja verificado incumprimento da obrigação pecuniária a que o Estado, através do Exército se encontrasse vinculado a pagar o que expressamente haja sido determinado por decisão judicial.”.

Salvo o devido respeito, tal entendimento não colhe.

Como defende o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Maio de 1999, proferido no recurso nº 41016, oportunamente enviado àquele Gabinete, o invocado Decreto-Lei nº 49168, não tem aplicação a casos como o presente.

Como se diz no seu preâmbulo, concluída a reforma dos impostos directos na década de 60, o aludido diploma veio rever o regime dos juros de mora nesta matéria. Pelo que, a isenção estatuída no seu artigo 2º, nº 1, ainda que em vigor à data da ocorrência dos factos em apreço, tem de ser entendida como respeitando apenas a matéria fiscal.

– III –
PROPOSTA DE SOLUÇÃO

Assim, no caso presente, deverá ser observado o estipulado nos artigos 804º, 805º, e 806º do Código Civil que regulam os efeitos do incumprimento das obrigações.

Pelo que nos termos dos referidos dispositivos deverá o Estado pagar juros de mora pelo atraso no pagamento das ajudas de custo ao reclamante (2).


Pelas razões expostas, bem como por razões de justiça, tenho por bem recomendar a V. Exa. o abono de juros de mora ao Capitão JF, desde a data em que as ajudas de custo deveriam ter sido pagas, ou seja, durante o período compreendido entre 1 de Outubro de 1985 e 10 de Agosto de 1987, e a data em que as mesmas foram efectivamente abonadas, o que só veio a ocorrer em Fevereiro de 1997.

Recordo a V. Exa. ser a presente Recomendação formulada ao abrigo do disposto no art. 20º, nº 1, alínea a), da lei nº 9/91, de 9 de Abril. Como tal, obriga o seu destinatário ao cumprimento dos deveres assinalados no art. 38º, nºs 2 e 3, do mesmo diploma.

Apresento a Vossa Excelência os meus respeitosos cumprimentos,

O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues

 

 


Notas de rodapé:

(1) Como ensina o Professor Inocêncio Galvão Telles no seu “Direito das Obrigações”, 5ª edição, página 273, ” …juros de mora são aqueles que o devedor de uma obrigação pecuniária não cumprida, quando deva sê-lo, tem de satisfazer ao credor a título de indemnização, juros esses correspondentes ao tempo que a mora perdurar.”.
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(2) Neste sentido ver o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo já citado, de 25 de Maio de 1999, proferido no recurso nº 41016.
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