RECOMENDAÇÃO N.º 5/B/2006
(artigo 20º, nº1, alínea b), da Lei nº9/91, de 9 de Abril)



Entidade visada: Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades
Proc.º: P-9/06
Área: A1
Data: 13.09.2006


Assunto: Ordenamento do território – solos – reclassificação – decreto regulamentar



(A)
Exposição de motivos


1. Vem sendo requerida, por diversas ocasiões, a minha intervenção a respeito de previstas ou consumadas alterações da classificação de solos rurais como urbanos, no âmbito da revisão de planos directores municipais.


2. A título principal, as questões suscitadas e que motivam a oposição dos queixosos, prendem-se com a Oadmissibilidade da reclassificação de solo rural como urbano, nos termos do artigo 72º, n.º 3 do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de Dezembro, designado por RJIGT), e a falta do diploma regulamentar previsto no n.º 4 do mesmo artigo.


3. A classificação dos solos, para efeito de instrumentos de gestão territorial, é disciplinada no art. 72º do RJIGT, em função do destino básico do terreno, procedendo-se à repartição entre classes de solo rural e de classes de solo urbano:



a) «solo rural», aquele para o qual é reconhecida vocação para as actividades agrícolas, pecuárias, florestais ou minerais, assim como o que integra os espaços naturais de protecção ou de lazer ou que seja ocupado por infra-estruturas que não lhe confiram o estatuto de solo urbano;


b) «solo urbano», aquele para o qual é reconhecida vocação para o processo de urbanização e de edificação, nele se compreendendo os terrenos urbanizados ou cuja urbanização seja programada, constituindo o seu todo o perímetro urbano


4. Diferente é a qualificação, no interior de cada uma destas classes. Assim, os solos urbanos podem corresponder a solos urbanizados, a solos cuja urbanização é possível programar ou ainda a solos afectos à estrutura ecológica, quando necessários ao equilíbrio do sistema urbano (artigo 73.º, n.º 4), ao passo que os solos rurais se repartem entre espaços agrícolas ou florestais (afectos à produção ou à conservação), espaços de exploração mineira, espaços afectos a actividades industriais (directamente ligadas à agricultura, florestas e recursos geológicos), espaços naturais e, por fim, espaços destinados a infra-estruturas que não exijam a urbanização (artigo 73.º, n.º 2).


5. O legislador pretendeu inequivocamente conter as iniciativas de alteração na classificação dos solos, quase sempre, orientadas para a desclassificação de manchas de solos rurais, de modo a torná-las aptas para o aproveitamento edificatório. Bem se compreende que os poderes públicos, em nome dos objectivos constitucionais de ordenamento do território, contrariem o impulso de proprietários e promotores imobiliários – nem sempre em convergência com o interesse público – na criação de novas frentes urbanas, fora das quais, de resto, se encontram interditas as operações de loteamento urbano (artigo 41.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro), salvo o caso de certos empreendimentos turísticos (artigo 38.º, n.º 2).


6. Assim, no artigo 72.º, n.º3, e em sentido conforme com o do artigo 9º, n.º3 e do artigo 13º, n.º 3, afirma-se a excepcionalidade da reclassificação do solo rural como solo urbano, restringindo-a aos “casos em que for comprovadamente necessário, face à dinâmica demográfica, ao desenvolvimento económico e social e à indispensabilidade de qualificação urbanística.”


7. Contudo, logo no n.º4 se faz depender a exequibilidade desta disposição legislativa de um conjunto de critérios a estipular por decreto regulamentar:



«Para efeitos do disposto nos números anteriores, serão estabelecidos critérios uniformes aplicáveis a todo o território nacional, por decreto regulamentar.»


8. A sujeição desta matéria à aprovação, pelo Governo, de um decreto regulamentar, terá ficado a dever-se à imprecisão dos critérios de admissibilidade da reclassificação do solo rural como urbano estabelecidos pelo art. 72º, n.º 3, e ao consequente risco de adopção, pelos municípios, de critérios díspares ou inadequados às finalidades de preservação do espaço rural e de contenção da urbanização dispersa e desordenada, visadas por esta norma legal.


9. Só deste modo pode salvaguardar-se alguma igualdade de tratamento e por via de um acto regulamentar sujeito a promulgação presidencial.


10. Com efeito, a imprecisão dos critérios impede dar-se por verificada a necessidade ou indispensabilidade da reclassificação. Na falta de concretização regulamentar, a restrição estabelecida no art. 72º, n.º 3, perde sentido.


11. Ora, o decreto regulamentar previsto no art. 72º, n.º 4 não foi ainda aprovado, encontrando-se largamente ultrapassado o prazo de 120 dias, conferido pelo artigo 155º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 380/99.


12. É frequente encontrar, na ampla revisão dos planos directores em curso, propostas de ampliação dos perímetros urbanos. Se, em muitos casos, essa reponderação deveria ser no sentido da restrição da urbanização (ou, quando, muito, do seu faseamento, de acordo com o programa de execução), nalguns casos, a revisão das políticas urbanísticas pode recomendar algumas ampliações dos núcleos existentes, desde que devidamente justificadas.


13. O facto de os municípios, compelidos pela urgência na revisão de planos desactualizados – e não podendo ultrpassar o vazio regulamentar do artigo 72º, n.º 4 – estabelecerem reclassificações de solo sem o devido fundamento legal agrava este problema, pondo em causa a legalidade desses planos.


14. Cumpre ao Estado desenvolver os actos regulamentares necessários para, num quadro de igualdade e imparcialidade, garantir condições adequadas para a definição das políticas urbanísticas municipais, domínio por excelência da autonomia local, (artigos 235º, n.º 2, 241º e 65º, n.º 4, da Constituição).


15. Torna-se, por isso, imprescindível aprovar normas que confiram exequibilidade ao disposto no artigo 72º, n.º 4, uniformizando e concretizando os critérios de classificação dos solos.


16. De outro modo, e uma vez que o legislador expressamente condicionou a reclassificação de solos como urbanos à precedente definição de critérios por via regulamentar (artigo 72.º, n.º 4), não pode o Governo aquilatar, caso a caso, da oportunidade e conveniência das reclassificações propostas.


17. E, por conseguinte, pode dar-se o caso de a resolução do Conselho de Ministros que ratifique a revisão de um plano director municipal se mostrar inválida por tolerar a reclassificação de um conjunto de solos rurais como urbanos, na falta do decreto regulamentar cuja publicação se aguarda há perto de sete anos.


18. No artigo 72.º, n.º 3, são estabelecidas coordenadas quanto aos motivos reservados que podem vir a justificar reclassificações: a necessidade determinada pelo aumento demográfico ou pelo desenvolvimento económico e social, a indispensabilidade de qualificação urbanística.


19. Note-se porém que estas directrizes têm como destinatário o Governo no uso do poder regulamentar e não no exercício do controlo de ratificação dos instrumentos de gestão territorial a seu cargo.


20. Quer isto dizer que não se trata de uma margem de livre apreciação confiada aos órgãos municipais, às comissões de acompanhamento e às comissões de coordenação e desenvolvimento regional.


21. Trata-se, isso sim, de um imperativo remetido ao Conselho de Ministros para conter as reclassificações de solos por via regulamentar. 


B
Recomendação







Nos termos do disposto no artigo 20º, n.º1, alínea b), da Lei n.º9/91, de 9 de Abril, e em face das motivações precedentemente expostas, recomendo a V.Ex.a. que promova, com a maior brevidade possível, a preparação do decreto regulamentar previsto no artigo 72º, n.º 4, do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, concretizando e uniformizando critérios de classificação do solo sem o que deverá ser sustada a ratificação de planos directores municipais revistos na parte em que contenham reclassificações de solos, em termos que se justifica transmitir às comissões de coordenação e desenvolvimento regional.

Recordo, por fim, a V. Ex.a. o dever contido no art. 38º, nº2, do citado Estatuto do Provedor de Justiça, para o qual me permito pedir a melhor atenção.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues