RECOMENDAÇÃO N.º 7/B/2008
(Art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril (1))


Entidade visada: Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
Proc.º: P-13/06
Área: A2
Data: 26-06-2008


Assunto: Tributação de rendimentos produzidos em anos anteriores em sede de IRS. Artºs 74º, nº 1 e 2, e artigo 62º, ambos do Código do IRS.



 


I
– Enunciado –



1. Com data de 29 de Novembro de 2007, remeti ao antecessor de V. Ex.ª o ofício n.º 18 850, no qual dava conta da minha preocupação quanto aos efeitos iníquos que resultam para os contribuintes do regime de tributação de rendimentos produzidos em anos anteriores, por força da aplicação dos artigos 74º e 62º, ambos do Código do IRS.



2. A minha apreensão firmava-se, como assenta ainda, no teor das queixas que me foram dirigidas ao longo de alguns anos por vários reclamantes profundamente prejudicados por aquele regime de tributação, na medida em que o mesmo se alheia da real capacidade tributária dos sujeitos passivos, tal como tive o cuidado de expor ao antecessor de V. Exª em termos que acreditei serem suficientemente claros.



3. Todavia, aquela exposição não teve, por parte do antecessor de V. Exª, o acolhimento que entendo merecido. O que me surgiu como um convincente conjunto de argumentos aptos a dar origem, se não a adesão ao ali sugerido, pelo menos a uma refutação adequadamente fundamentada, deu lugar, tão só, a uma lacónica resposta, que me foi transmitida pelo Senhor Chefe do Gabinete, no sentido de que «não se prevê qualquer alteração ao regime de tributação dos rendimentos de anos anteriores, tal como está estabelecido actualmente no Código do IRS, dado que as circunstâncias que fundamentam esse regime continuam a verificar-se».



4. Como ali enunciei, sempre que, relativamente a contribuintes das categorias A e H de IRS, são corrigidos erros de cálculo geralmente imputáveis à entidade pagadora, ou resolvidos judicialmente rendimentos litigiosos a favor desses contribuintes (2), esses rendimentos são declaráveis em sede de IRS, apenas no ano em que são colocados à sua disposição.



5. Deste modo, aqueles contribuintes acabam por ser duplamente prejudicados: por um lado, e desde logo, pelo atraso nos pagamentos efectuados muitas vezes vários anos após a data em que seriam devidos e, por outro, atenta a progressividade do imposto, pela alteração de escalão em que normalmente se integrariam – no caso de contribuintes cujo rendimento não seria geralmente tributado, estes passam mesmo a vê-los tributados.




II
– Apreciação  –



6. Tive também ali a oportunidade de esclarecer que à data da alteração do mecanismo de reporte de rendimentos para o novo regime constante do artigo 74º do Código do IRS, operada pelo Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho – e que aboliu a norma até aí constante do artigo 24º do Código do IRS que regulava a tributação dos rendimentos reportáveis – ponderei os custos/benefícios de cada um dos sistemas, na sequência das explicações então avançadas pela Direcção de Serviços de IRS de que essa medida se justificava pelos constrangimentos técnicos que o anterior regime de reporte de rendimentos representava para o sistema fiscal.



7. Aceitei, assim, que se tornasse difícil, na prática, recuperar cada anterior declaração de rendimentos e proceder às respectivas liquidações correctivas, por forma a repor integralmente a situação tributária do contribuinte para cada um dos anos anteriores.



8. Do mesmo modo, admiti que o novo sistema instituído pelo artigo 74º pudesse mitigar os efeitos negativos que a abolição do sistema de reporte de rendimentos provocaria, ao permitir que o valor total dos rendimentos em causa fosse dividido pelo número de anos ou fracções a que respeitam, com um máximo de quatro.



9. Antevi que o antecessor de V. Exª compreendesse o que naquela comunicação avancei relativamente à minha actual posição sobre o assunto. É ela a de que o acelerado incremento de eficácia do sistema informático da DGCI, propiciada pelo desenvolvimento tecnológico verificado nos últimos anos e evidenciada na arrecadação de receitas fiscais cada vez mais avultadas, tende a tornar progressivamente insustentável que o Provedor de Justiça mantenha, em detrimento dos direitos e garantias dos contribuintes bem como de princípios essenciais do direito fiscal, aquele que vinha sendo, ainda que relutantemente, o meu entendimento num estádio consideravelmente menos avançado da informática da administração fiscal no que se refere à eliminação do sistema de reporte de rendimentos.



10. É que V. Exª não deixará de aceitar que entenda não estarem devidamente acautelados os direitos e garantias do contribuintes em casos como aqueles que, entre os vários recebidos, irei agora resumir:






Exemplo A (3):


Na declaração relativa ao seus rendimentos de 2004, um reclamante, A, cuja pensão mensal se quedava em € 930,16 (abaixo do valor mínimo tributação para deficiente, casado, dois titulares, portanto), viu-se na contingência (4) de ter de declarar, não só rendimentos da categoria H reportados àquele ano, mas também retroactivos de pensões devidos entre Julho de 1995 e Dezembro de 2003 (cerca de oito anos e seis meses, portanto), num total de € 3 494,66.



Se ao reclamante tivessem sido disponibilizados mensalmente, ao longo de todos aqueles anos, os valores correspondentes àqueles retroactivos, nunca teria lugar a tributação.



Todavia, o pagamento daqueles retroactivos, juntamente com o valor das pensões referentes a 2004, e ao invés do que aconteceria por força de um regime de reporte de rendimentos que aqui defendo, conduziu a que o conjunto de rendimentos pagos em 2005 acabasse inevitavelmente por ser objecto de tributação, nos termos do artigo 74º do Código do IRS.


Exemplo B (5):



Na declaração de rendimentos reportada ao ano de 2005, o reclamante, B, declarou rendimentos da categoria A que deveriam ter sido disponibilizados entre 1 de Dezembro de 1993 e 29 de Fevereiro de 2004 (mais de dez anos, portanto), mas que lhe foram entregues apenas em 2005, por força de decisão judicial.



Em razão daquela dilação no pagamento, o reclamante, cuja respectiva remuneração mensal não excedia € 1 134,77, viu-se obrigado a, naquele ano, ter de declarar € 167 297,08 referente a retroactivos então disponibilizados (acrescidos dos respectivos juros de mora), o que, pelos cálculos do reclamante, terá implicado um prejuízo em sede de IRS de cerca de € 30 000, por comparação com a aplicação de um regime de reporte de rendimentos ou outro com efeitos similares.



Exemplo C:



Na declaração relativa a rendimentos auferidos em 2004, o reclamante C apresentou como rendimentos da categoria H, um valor de € 54 699,01, sendo que apenas € 15 892,69 do referido montante se referiam a pensões relativas ao ano de 2003.



Se vigorasse o regime de reporte de rendimentos teria obtido, relativamente ao ano de 2003, um reembolso de € 2 107,64 e, em 2004, um reembolso de € 3 158. No conjunto dos dois anos, haveria, portanto, lugar a reembolso da ordem dos € 5 265.



Cumprindo-se, todavia, a norma do artigo 74º do Código do IRS, terá recebido um reembolso de € 432,20, do que resultou para o reclamante um prejuízo efectivo de € 4.833,44.



Exemplo D:



Na declaração relativa aos rendimentos auferidos em 2005, o Senhor D apresentou rendimentos da categoria H num valor de € 57.885, sendo que apenas € 21 002 do referido valor se reportavam a pensões relativas ao ano de 2005.



Por aplicação de um mecanismo de reporte de rendimentos relativo ao ano de 2005, aquele valor de € 21 002, daria lugar a um reembolso de € 1 780, e de € 559,00, em 2006. No conjunto dos dois anos, haveria, portanto, lugar a um reembolso da ordem dos € 2 339. A aplicação da norma ínsita artigo 74º do Código do IRS deu lugar, ao invés, ao pagamento de imposto no montante de € 4 436,00.



11. Através da exposição do presente quadro factual, ainda que meramente exemplificativo, acredito lograr ser mais eficaz na concretização do meu intento de fazer sentir, agora a V. Exª, as razões que justificam que o Provedor de Justiça, por um lado, não se alheie da manutenção no ordenamento jurídico português de um regime de tributação que não tem em conta a real capacidade tributária dos sujeitos passivos e, por outro, que considere absolutamente insatisfatório, tanto mais que desprovido de motivação adequada, o argumento de que «(…) as circunstâncias que fundamentam esse regime continuam a verificar-se» para efeitos de manutenção do actual regime de tributação de rendimentos produzidos em anos anteriores, em sede de IRS.



12. Espero, assim, ter agora evidenciado suficientemente a exacta extensão dos efeitos da abolição do regime de reporte de rendimentos, bem como a dificuldade que sentirão, doravante, este órgão do Estado, mas também a administração tributária, em justificar dentro de uma lógica de Estado de Direito, que à presteza progressivamente conseguida pelo sistema informático da Direcção-Geral dos Impostos no âmbito da cobrança fiscal, não corresponda idêntica agilidade informática quando se trata de assegurar o direito de alguns contribuintes a serem tributados de acordo com a sua real capacidade tributária, quando está em causa a tributação de rendimentos produzidos em anos anteriores.



13. Assim, de acordo com as motivações acima expostas e nos termos do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91, de 9 de Abril e alterações subsequentes),








Recomendo a V. Ex.ª



a) Que promova alteração legislativa que permita restabelecer a justiça própria do mecanismo de reporte de rendimentos relativamente à tributação em sede de IRS de rendimentos produzidos em anos anteriores (artºs 74º, nº 1 e 2 e artigo 62º, ambos do Código do IRS), para todos os casos em que ela se verifique.



b) Que, na circunstância de tal se revelar impraticável para todos os casos de pagamentos de retroactivos de rendimentos das categorias A e H, seja pelo menos encontrada uma solução naquele sentido aplicável aos contribuintes que auferem menores rendimentos – refiro-me, em particular, àqueles cujo rendimento anual (quando não acrescido de rendimentos produzidos em anos anteriores) se situa abaixo do mínimo de tributação.



Nos termos do disposto no art.º 38.º, n.º 2 do Estatuto do Provedor de Justiça aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, deverá V.ª Ex.ª comunicar-me o acatamento desta Recomendação ou, porventura, o fundamento detalhado do seu não acatamento, no prazo de sessenta dias, informando sobre a sequência que o assunto venha a merecer.


O PROVEDOR DE JUSTIÇA,
H. Nascimento Rodrigues


 


 


 


Notas de rodapé:


(1) Na redacção dada pelas Leis n.ºs 30/96, de 14 de Agosto, e 52-A/2005, de 10 de Outubro.


(2) Artigo 62º do Código do IRS, cuja Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, procedeu à eliminação do mecanismo de reporte de rendimentos ainda em momento prévio ao da alteração desse regime para os restantes rendimentos


(3) O reclamante reporta a sua queixa a questões de taxas de retenção na fonte. Traduzindo-se todavia, a retenção na fonte numa antecipação do imposto a pagar, tomo a liberdade de fazer a abordagem deste caso pelo prisma da tributação efectiva.


(4) Por força do nº 3 do artigo 11º do Código do IRS.


(5) Também aqui, o reclamante reporta a sua queixa a questões de taxas de retenção na fonte. Pelas razões supra enunciadas (3),a abordagem deste caso faz-se também aqui pelo prisma da tributação efectiva.


voltar atrás