RECOMENDAÇÃO N.º 7/A/2008
[artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]



Entidade visada: Secretário de Estado da Educação
Proc.º: R-4704/06
Área: A3
Data: 15-07-2008




Assunto: Comunicação de acidente em serviço – Incumprimento do Decreto-Lei nº 503/99, de 20/11, por parte dos Serviços do Ministério da Educação 


I
– Enunciado
– 

1. Foi-me apresentada uma queixa pela professora A relativamente ao indeferimento por V. Exa do pedido de qualificação como acidente em serviço do acidente de viação sofrido por aquela, em 21 de Outubro de 2005, quando regressava a casa, após o término das aulas na Escola Básica Integrada da Abrigada.

2. Tal indeferimento baseou-se na alegada ausência de comunicação do acidente dentro do prazo previsto no artº 8º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.

3. Porém, no âmbito da instrução do processo entretanto aberto na Provedoria de Justiça, foi apurado que a comunicação do acidente foi efectuada por interpostas pessoas dentro do prazo legal.

4. Foi, igualmente, apurado que o Conselho Directivo do estabelecimento de ensino em causa reconheceu, por escrito, que tinha tomado conhecimento do acidente no próprio dia em que o mesmo ocorreu, e que, não obstante tal facto, não procedeu à oportuna aplicação do regime dos acidentes em serviço previsto no Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, alegadamente, por desconhecimento dos respectivos trâmites legais.

5. Tendo presente estes factos, a Provedoria de Justiça teve a oportunidade de solicitar a reapreciação do assunto a V.Exa., através de ofício devidamente fundamentado e instruído com numerosa documentação recolhida sobre o assunto, nomeadamente, cópia do ofício do Conselho Directivo da referida Escola dirigido à Direcção-Regional de Educação de Lisboa, donde expressamente consta que aquele tomou conhecimento do acidente no dia em que este ocorreu.

6. V. Exa respondeu ao citado ofício, mantendo a posição anteriormente assumida, mas sem que tenha realizado qualquer apreciação das questões que lhe foram colocadas por este órgão do Estado, nomeadamente, sobre a responsabilidade dos seus Serviços no que diz respeito ao incumprimento do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.

7. Desta forma, não obstante a reclamante ter sofrido um acidente em serviço, facto incontestado, encontra-se a mesma privada de obter a protecção legal que lhe é devida em virtude do desconhecimento e negligência dos Serviços quanto à aplicação do regime previsto no Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, à qual a reclamante tinha direito.

8. Em face de tal situação, manifestamente ilegal e injusta, não posso deixar de formular a presente Recomendação, de modo a que seja devidamente reapreciada e reparada a situação reclamada, respeitando os direitos e interesses legítimos da docente em causa.

II
– Factos –

1. A reclamante, à data do acidente, era professora na Escola Básica Integrada (EBI) da Abrigada.

2. Em 21/10/2005, quando se deslocava da referida Escola para casa, após o fim das aulas, a reclamante sofreu um acidente de viação no IC2 (Doc.nº 1).

3. Em resultado do referido acidente, a reclamante ficou inconsciente, tendo sido transportada pelo INEM para o Hospital de S. José, em Lisboa, onde ficou internada por sofrer de traumatismo craniano e traumatismo do joelho

4. Em 22/10/2005, a reclamante foi transferida para o Hospital de Santo António dos Capuchos onde teve alta hospitalar em 25/10/2005, com indicação de prosseguir a recuperação em casa, ficando de baixa médica, a ser seguida na consulta de neurocirurgia do referido Hospital (Doc.nº 2).

5. No dia do acidente, 22/10/2005, sexta-feira, a mãe da reclamante contactou telefonicamente a escola pelas 14.37 h., conforme consta da factura detalhada emitida pela PT, sem que conseguisse saber a razão do atraso da filha (Doc.nº 3).

6. Na segunda-feira seguinte ao acidente, 24/10/2005, às 9.22 h, a mãe da reclamante contactou telefonicamente a escola, conforme resulta da mesma factura detalhada da PT para, alegadamente, participar o acidente da filha (idem).

7. Foi-lhe dito que já sabiam do acidente por uma professora daquela escola que fazia o percurso contrário e que presenciou o resultado do sinistro em causa.

8. A pessoa que atendeu a mãe da reclamante, cuja identidade aquela desconhece, perguntou pelo estado de saúde da reclamante e qual a previsão da respectiva recuperação, com vista a proceder à substituição da mesma.

9. Nesse mesmo dia, à tarde, a mãe da reclamante e o seu irmão deslocaram-se à EBI da Abrigada onde este último fez a entrega do documento emitido pelos Hospitais Civis de Lisboa relativo ao internamento da reclamante.

10. No dia 26/10/2005, depois da hora do almoço, o tio da reclamante, Alfredo Pedro, entregou na mencionada Escola o atestado médico comprovativo de que a reclamante se encontrava de baixa médica pelo período de 30 dias, emitido, em 25/10/2005, pelo Centro de Saúde de Rio Maior.

11. Em consequência da entrega dos referidos documentos clínicos, as faltas da reclamante foram justificadas no respectivo processo individual, e aquela, de imediato substituída pela professora B, a qual começou a leccionar no dia 03/11/2005, mantendo-se em exercício de funções até ao fim da baixa médica da reclamante.

12. Decorridos cerca de 15 dias sobre a data do acidente, a reclamante foi contactada telefonicamente, pela professora C, membro do Conselho Executivo da EBI da Abrigada, a fim de saber do seu estado de saúde.

13. Poucos dias depois, encontrando-se mais recuperada, a própria reclamante contactou telefonicamente o referido membro do Conselho Executivo, a fim de falar sobre a qualificação do acidente em serviço, tendo a professora C referido que o Conselho Executivo não sabia muito bem quais os trâmites legais, mas que se iriam informar sobre os mesmos.

14. Após o referido telefonema, a reclamante enviou à Comissão Executiva da Escola EBI da Abrigada uma carta à qual juntou cópias de documentos que pensava que pudessem fazer falta no respectivo processo com vista à qualificação do acidente como tendo ocorrido em serviço

15. Essa carta deu entrada naquela Escola em 22/11/2005, conforme consta do carimbo aposto no mesmo (Doc. nº 4).

16. Em resposta, a Escola remeteu à reclamante os formulários constantes dos Anexos I e II, do Decreto-Lei nº 503/99, de 20/11.

17. A reclamante preencheu o Anexo I e devolveu-o de imediato, por correio, à Escola, mas não o datou, por não saber bem o que fazer (Doc.nº 5).

18. Entretanto, com vista ao preenchimento do Anexo II, a reclamante efectuou diversas diligências junto do Hospital dos Capuchos, mas só em 07/02/2006, a Srª Drª Maria do Céu Machado, médica neurologista do referido Hospital preencheu o mesmo impresso, tendo nele aposto a data da alta hospitalar da reclamante(Doc. nº 6).

19. A reclamante remeteu à Escola, por correio, os atestados comprovativos do prosseguimento da respectiva baixa médica (dois atestados de 30 dias cada um), até que, finalmente, teve alta médica e se apresentou ao serviço (Doc.nº 7).

20. Em 27/01/2006, a Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas da Abrigada emitiu uma declaração, cuja cópia junto, em como o acidente sofrido pela reclamante no dia 21/10/2005, foi considerado como acidente em serviço (Doc. nº 8).

21. Em 10/03/2006, o Conselho Executivo da Escola Básica da Abrigada remeteu à Direcção Regional de Educação de Lisboa (DREL) o processo relativo ao acidente em serviço, com vista a que as faltas ao serviço da reclamante fossem consideradas como sendo em serviço, a coberto do ofício com a referência nº 243–2006, dessa mesma data (Doc.nº 9).

22. No aludido ofício é expressamente referido: saliente-se o facto de este órgão de gestão ter conhecimento do acidente ainda no próprio dia através de uma outra professora que fazia o mesmo trajecto“.

23. A DREL respondeu à Escola da Abrigada através do ofício com a refª nº 16521, de 27/03/2006, dizendo que não era possível propor a qualificação do acidente em serviço por terem sido ultrapassados todos os prazos previstos no Decreto-Lei nº 503/99, de 20/11, quer de participação do acidente, quer de participação institucional, razão pela qual foi devolvida à Escola toda a documentação (Doc. nº 10).

24. A reclamante, tendo tomado conhecimento do teor da resposta da DREL, solicitou, através de exposição dirigida ao Director Regional de Educação de Lisboa, a reapreciação do assunto (Doc.nº11).

25. Sobre este pedido foi proferido um despacho de indeferimento pelo Director Regional Adjunto, de 24/04/2006, com a seguinte fundamentação: ” (…) Neste processo de acidente foram violados todos os prazos, em particular o da participação do acidente (pela acidentada) ou por terceiros…”, concluindo que “…o acidente de serviço em causa não pode ser qualificado como ‘Acidente em Serviço’, por violação do disposto no artº 8º, nº 1 do Decreto-Lei nº 503/99, de 20/11, além de não ter sido fundamentado e comprovado o não cumprimento atempado da participação do acidente…”, conforme resulta do ofício com a refª 23992, de 09/05/2006, enviado à reclamante pela DREL (Doc.nº 12).

26. A reclamante reagiu a este despacho, recorrendo para V.Exa, em 13/05/2006, insistindo em que o acidente foi participado à Escola pelo irmão que, no primeiro dia útil seguinte ao acidente, ali entregou um documento do hospital a dar conhecimento da entrada e internamento da sinistrada naquele estabelecimento de saúde (Doc. nº 13).

27. Entretanto, a DREL, através do ofício com a refª nº 30403, de 14/06/2006, solicitou esclarecimentos ao Conselho Executivo da referida Escola relativamente à falta de cumprimento do prazo de um dia previsto no artº 9º, nº 1 do Decreto-Lei nº 503/99, de 20/11, para a “participação institucional”, tendo em conta o facto de a reclamante afirmar taxativamente que o acidente foi participado verbalmente ao referido órgão de gestão (Doc. nº 14).

28. Solicitou ainda a DREL, no citado ofício, que o referido Conselho Executivo informasse sobre:

a) A data exacta em que o acidente foi participado àquele Agrupamento.
b) A quem foi participado.
c) Se a docente foi informada, verbal ou por escrito, da necessidade de participar o acidente nos termos do Decreto-Lei nº 503/99, de 20/11.

29. O Conselho Executivo respondeu à DREL nos termos do ofício com a refª nº 517-2006, de 20/06/2006, referindo que o irmão da reclamante nunca estabeleceu contacto com aquele órgão de gestão, pelo que não era verdade que a reclamante tivesse participado o respectivo acidente por interposta pessoa (Doc. nº 15).

30. Porém, o referido Conselho Executivo, admite, no mesmo ofício, que alguém entregou os documentos justificativos das faltas da reclamante, e ainda que a reclamante decorridos 15 dias do acidente telefonou para escola.

31. De facto, de acordo com o citado ofício, a reclamante “foi então informada pela funcionária quais os procedimentos a tomar e que os prazos já haviam transcorrido”.

Em suma” – refere-se no mesmo ofício – “a Escola, mais propriamente os SAE, tem conhecimento de que acidente havia acontecido a caminho de casa vinda da escola, pela própria professora Susana Anacleto que, telefonando para os SAE, cerca de duas semanas depois do acidente ter ocorrido, solicita à funcionária que lhe envie para casa a legislação e os impressos. É nessa altura que a escola lhe dá a informação das diligências a tomar, bem como que os prazos haviam expirado“.

32. Em 27/07/2006, a DREL enviou à reclamante o ofício com a refª 38666, no qual informa que, por despacho do Director Regional Adjunto, de 14/06/2006, foi mantida a decisão, consubstanciada em acto administrativo anterior, de 24/04/2006, igualmente do mesmo dirigente da DREL, de não dar provimento ao recurso apresentado e, em consequência, de não qualificar o acidente ocorrido em 21/10/2005, por violação do artº 8º, nº 1 do Decreto-Lei nº 503/99, de 20/11, nem ter sido fundamentado e comprovado o não cumprimento atempado da participação do acidente (Doc. nº 16).

33. Em 31/07/2007, a reclamante dirigiu a V. Exa uma exposição, solicitando resposta ao aludido recurso hierárquico, interposto em 13/05/2006 (vd. ponto 26 do presente ofício) [Doc. nº 17].

34. Na sequência deste recurso foi elaborada a Informação/Parecer nº 497/AS/JPC, de 11/07/2006, na qual é novamente proposto o indeferimento do pedido da reclamante (Doc. nº 18).

35. Sobre esta Informação recaiu despacho confirmativo de V.Exa, datado de 18/10/2006, posteriormente comunicado à reclamante (Doc. nº 19).

36. Com vista à instrução da queixa apresentada na Provedoria de Justiça, foram realizadas diligências junto da Direcção Regional de Educação de Lisboa (DREL), nomeadamente, o pedido de envio de cópia integral do processo de averiguações relativo ao referido acidente.

37. Em resposta, a DREL remeteu o ofício com a referência nº 6027, de 02/02/2007, afirmando, entre outras coisas, que não poderia enviar o referido processo de averiguações, uma vez que o mesmo nunca havia sido instaurado, por desnecessário“, enviando cópias de alguns documentos relativos ao assunto em causa (Doc. nº 20).

38. Analisado o assunto e toda a documentação recolhida sobre o mesmo, e tendo presente que os factos apurados eram manifesta e gravemente contraditórios em relação às conclusões alcançadas pela DREL e confirmadas por V.Exa, o Provedor-Adjunto de Justiça suscitou junto de V.Exa. a reapreciação do assunto, através de ofício devidamente fundamentado e instruído com toda a documentação recolhida sobre o assunto, nomeadamente, cópia do ofício do Conselho Directivo da referida Escola dirigido à Direcção-Regional de Educação de Lisboa donde expressamente consta que aquele tomou conhecimento do acidente no dia em que este sucedeu (Doc.nº 21).

39. Em resposta ao referido ofício, V.Exa. manteve a posição anteriormente assumida, sem que tivessem sido devidamente apreciadas as questões que lhe foram colocadas por este órgão do Estado, nomeadamente, sobre a responsabilidade dos Serviços desse Ministério quanto ao incumprimento, manifestamente comprovado, do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro (Doc.nº 22). 

III
– Direito –

40. A Constituição da República Portuguesa garante, no seu artº 63º, o direito à segurança social, na qual se inclui a protecção nos acidentes de trabalho e nas doenças profissionais.

41. Por sua vez, o artº 59º, nº 1, alínea f), da Constituição (1) consagra o direito de todos os trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.

42. Tendo em vista a concretização de tal preceito constitucional no âmbito da Administração Publica, foi aprovado o Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, estabelecendo o seu artº 8º, nº 1, o seguinte:

“1. Ocorrido um acidente, o trabalhador, por si ou interposta pessoa, deve participá-lo por escrito ou verbalmente, no prazo de dois dias úteis ao respectivo superior hierárquico, salvo se este o tiver presenciado.”

43. Deste modo, a lei admite, por um lado, que o acidente seja participado, quer pelo próprio acidentado, quer por interposta pessoa, e por outro lado, que, em qualquer uma destas modalidades, essa participação possa ser feita por escrito ou verbalmente.

44. Assim, não há qualquer exigência legal – como pretendeu, no presente caso, a EBI da Abrigada ou a DREL – de que a participação do acidente tenha de ser formalizada por escrito através de impresso próprio (2), tratando-se tal modalidade, apenas, de uma das possibilidades que a lei estabelece como forma de participar o acidente.

45. Ora, encontra-se expressamente reconhecido pelo Conselho Executivo da Escola Básica Integrada da Abrigada, no respectivo ofício de 10/03/2006, atrás referido, de que o mesmo teve conhecimento do acidente no próprio dia em que este ocorreu, através de uma outra professora que fazia o mesmo trajecto (Doc. nº 9).

46. Acresce que, no primeiro dia útil após o acidente, ou seja, 22/10/2005, a mãe da reclamante telefonou para a escola a fim de participar o acidente à mesma, tendo-lhe sido dito que já sabiam do sucedido.

47. Tal telefonema que, durou cerca de 7 minutos, encontra-se devidamente comprovado pela factura detalhada acima referida.

48. Nesse mesmo dia, ou seja, no primeiro dia útil a seguir ao acidente, o irmão da reclamante entregou na escola, ao fim da tarde, a declaração dos Hospitais Civis de Lisboa, comprovativa da admissão e internamento da sinistrada no supra referido estabelecimento de saúde.

49. A entrega desse documento é também expressamente reconhecida pela Comissão Executiva da Escola da Abrigada, nas suas respostas à DREL (ofício de 20/06/2006 – vd. Doc. nº 15.).

50. Tendo presentes tais factos, devidamente comprovados, e tendo em consideração os princípios da boa fé (3), da desburocratização e da eficiência que regem a Administração Pública (4), não restam quaisquer dúvidas de que o acidente foi suficientemente participado ao Conselho Executivo em causa, e que este tomou cabal conhecimento do mesmo, dentro do prazo de dois dias referido no artº 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 503/99, de 20/11.

51. De facto, de outra forma não se entenderia que a EBI da Abrigada tenha procedido à imediata substituição da reclamante; sempre lhe tenha pago a remuneração por inteiro até Janeiro de 2006, ao abrigo do regime dos acidentes em serviço; tenha procedido à entrega à reclamante, ainda que atrasada, do boletim de acompanhamento médico previsto no artº 12º, nº 1 daquele diploma; tenha emitido a declaração referida no ponto 20 do presente ofício e, por último, tenha manifestado, por escrito – antes de ter sido instada pela DREL a explicar as razões do atraso no envio do processo por acidente em serviço – que tinha tomado conhecimento do mesmo no próprio dia do sinistro (Doc. nº 23).

52. Tais factos estão em manifesta contradição com as conclusões alcançadas pela DREL e posteriormente confirmadas por V.Exa. relativamente à questão em causa, pelo que, os mesmos merecem uma cabal reapreciação.

53. Para tal efeito, entendo que as informações fornecidas pela EBI da Abrigada após ter sido instada pela DREL a justificar as razões do atraso da participação institucional, não deverão ser tomadas em linha de conta, já que, é por demais evidente, que as mesmas se destinam a justificar o injustificável, ou seja, que o incumprimento do regime dos acidentes em serviço por parte da Escola, na verdade, se ficou a dever exclusivamente a desconhecimento e negligência (5).

54. De facto, estabelece o artº 9º, nº 1 do diploma em causa que:

O superior hierárquico deve participar no impresso referido no artigo anterior, ao respectivo dirigente máximo os acidentes ou incidentes ocorridos com os seus trabalhadores, bem como todos os acontecimentos perigosos, no prazo de um dia útil a contar da data em que, dos mesmos, teve conhecimento.”

55. Ora, na data do acidente era o Director Regional de Educação de Lisboa quem detinha a competência para a qualificação dos acidentes em serviço, nos termos do artº 3º, nº 7, alínea a) do Decreto Regulamentar nº 8/2004, de 28/04.

56. Efectivamente, apesar de à data do acidente, já ter sido emitido um Despacho do referido Director Regional a delegar tal competência nos Presidentes dos Conselhos Executivos dos estabelecimentos de ensino não superiores, tal despacho apenas veio a ser publicado em 21/11/2006, com o nº 23731 (na II Série do Diário da República, nº 224).

57. Não tendo o mesmo despacho entrado em vigor à data dos factos, e sendo a competência para a qualificação do Director Regional de Educação, tinha de ter sido feita pela Presidente do Conselho Executivo da EBI da Abrigada a participação institucional do acidente, com vista à respectiva qualificação, o que nunca sucedeu.

58. Com efeito, em 24 de Outubro de 2005 (segunda feira), o Conselho Executivo da EBI da Abrigada, não obstante ter tomado conhecimento do acidente ocorrido em 21 de Outubro de 2005 (sexta feira), nada participou à DREL relativamente ao acidente sofrido pela reclamante, só o tendo feito em Março de 2006!

59. Ora, ao contrário do que parece resultar da apreciação que é feita sobre a questão, nas várias instâncias já percorridas, é a entidade empregadora que tem de proceder à aplicação do regime dos acidentes em serviço e não o sinistrado que tem obrigação de elucidar a entidade empregadora sobre as medidas a tomar em caso de acidente.

60. Conforme dispõe o artº 5º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro:


” O empregador ou entidade empregadora é responsável pela aplicação do regime dos acidentes em serviço e doenças profissionais previsto neste diploma.”

61. Tal responsabilidade inclui a obrigação da realização da referida participação institucional, bem como de todas as restantes comunicações que se encontram previstas no artº 9, nº 3, alíneas b), c) e d).

62. De igual modo, conforme se encontra previsto no artº 12º, nº 1 do referido diploma legal, é à entidade empregadora que incumbe a responsabilidade da entrega do boletim médico ao sinistrado, devendo aquela garantir que tal entrega efectivamente se deu ao trabalhador ou à entidade prestadora da assistência médica.

63. Tais actos são essenciais para que se possa desencadear de forma efectiva a protecção dos trabalhadores vítimas de acidentes em serviço prevista no diploma em causa.

64. E, de tal forma é essencial a actuação da entidade empregadora no sentido de proceder à aplicação do presente regime dos acidentes em serviço que o respectivo artº 44º , nº 1, estabelece que:


“O dirigente máximo ou superior hierárquico que não cumpra, ainda que por mera negligência, as obrigações impostas neste diploma incorre, consoante a gravidade da infracção, nas sanções disciplinares de multa e suspensão, previstas no Estatuto Disciplinar, ou cessação da comissão de serviço, nos termos da lei.”

65. É de realçar que, nos termos do nº 2 da citada disposição, a aplicação das referidas sanções não prejudica a responsabilidade civil ou criminal nos termos da lei.

66. Ora, no presente caso, verifica-se, que a entidade empregadora não cumpriu as obrigações previstas no Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.

67. De facto, apesar de ter tomado conhecimento no próprio dia da ocorrência do acidente que vitimou a reclamante, o Conselho Executivo da EBI da Abrigada não fez a participação institucional ao Director-Regional de Educação de Lisboa, prevista no artº 9º, nº 1 do referido diploma, nem as participações às entidades previstas no artº 9, nº 3, alíneas b) c) e d) do mesmo, não abrindo, sequer, o competente processo por averiguações por acidente em serviço, por forma a que o mesmo viesse a ser qualificado como tal, com todas as suas consequências legais (6).

68. Dos factos apurados resulta que tal omissão do Conselho Executivo da EBI da Abrigada se terá devido fundamentalmente ao desconhecimento das obrigações legais que lhe estavam cometidas, desconhecimento esse que foi agravado pela evidente negligência do referido Conselho Executivo em lhe por cobro, quanto mais não fosse através da simples consulta telefónica dos Serviços da DREL.

69. Porém, tal situação, em vez de ser imediatamente corrigida pela DREL, na qualidade de superior hierárquico – assumindo a responsabilidade perante a reclamante pela omissão do Conselho Executivo da EBI da Abrigada, logo que da mesma tomou conhecimento –, colocou-se na posição, incompreensível e agravada, de manifesta violação do princípio da legalidade (7), pretendendo fazer crer que fora a interessada – espante-se – que não cumprira a obrigação de participar o acidente.

70. Tal facto afigura-se deveras preocupante, pois está em causa a protecção dos trabalhadores nos acidentes em serviço e revela uma total inversão do ónus da aplicação do respectivo regime, como se coubesse ao funcionário aplicar a lei e o não fosse, antes, obrigação da Administração escolar proceder à tramitação processual adequada à qualificação do acidente, tendo em vista, nomeadamente, a sua reparação. Aliás, não pode deixar de se estranhar que a Administração e, designadamente, a Tutela, se tenha conformado com tal actuação dos seus Serviços (8).

71. De todo o exposto, conclui-se que a participação do acidente prevista no artº 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 503/99, de 20/11, foi regularmente efectuada, mas que o regime dos acidentes em serviços não foi devida e oportunamente aplicado à situação concreta, nem por parte da EBI da Abrigada, nem, posteriormente, por parte da DREL, como legalmente lhes estava cometido.

72. Deste modo, afigura-se que, segundo os mais elementares critérios de legalidade e de justiça, o acidente sofrido pela reclamante em 21/10/2005 deverá ser qualificado como acidente em serviço, com efeitos reportados à data da ocorrência do mesmo.

Efectivamente, também por incontornáveis razões de justiça, não é aceitável que tendo uma funcionária sofrido um acidente, que a lei considera como sendo em serviço, fique numa situação de desprotecção social em virtude de uma, clara e injustificada, omissão da Administração, e se exija ao sinistrado, de boa fé (a reclamante), o encargo de suportar os custos com a reparação desse mesmo erro (que não lhe é imputável).


Admitir o contrário seria defender, nestas circunstâncias, o absurdo empobrecimento sem causa dos funcionários afectados por erros e omissões da exclusiva responsabilidade do Estado.

IV
– Conclusão –

De acordo com as motivações expostas, e no exercício dos poderes que me são conferidos pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo:

1. Que o acidente sofrido pela reclamante em 21/10/2005 seja qualificado como ocorrido em serviço, nos termos do Decreto-Lei nº 503/99, de 20/11, com efeitos reportados àquela data.

2. Que sejam emitidas orientações às Direcções Regionais de Educação no sentido de estas procederem à divulgação adequada do regime dos acidentes em serviço e doenças profissionais (previsto no Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro) junto de todos os estabelecimentos de ensino.

Certo de que a presente recomendação não deixará de merecer a melhor atenção de V.Ex.ª, agradeço que, em cumprimento do preceituado no artigo 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril (que aprovou o Estatuto do Provedor de Justiça), me seja oportunamente comunicada a posição que vier a ser assumida.

O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues

 

 

Notas de rodapé:

(1) “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideologias, têm direito (…) f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional.” Este direito podia ser visto sob o prisma do direito à segurança social previsto no artº 63º da Constituição, no entanto, para além disso, o legislador pretendeu igualmente consagrá-lo como um dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Nesse sentido Jorge Miranda e Rui Medeiros :”Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, pág. 611, Coimbra Editora.
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(2) Se for por escrito a participação deve, em principio, ser feita mediante a utilização de impresso próprio, o que, necessariamente, significa que tal participação possa ser feita de outra forma que não através do referido impresso.
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(3) Consagrado no artº 6º-A do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e de acordo com o qual no exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé, devendo para o efeito ponderar os valores fundamentais do direito relevantes em face das situações consideradas e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela actuação suscitada e o objectivo a alcançar pela actuação empreendida.
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(4) Constante do artº 10º do CPA: ” A Administração Pública deve ser estruturada de modo aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada, a fim de assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões.” A propósito deste principio referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo, , Almedina, 2ª Edição o seguinte: “Existindo para proteger interesses públicos fundamentais, sejam os interesses dos particulares que se realizam através do procedimento sejam os da comunidade, com uma função de garantia inderrogável, o procedimento administrativo deve avançar – no que não bula com essa garantia – informalmente, isto é sem arreigos de formas especiais ou pré-determinadas, como as circunstâncias recomendarem para a decisão vir atempadamente e capaz para produzir o seu melhor efeito.”
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(5) Estranha-se, aliás, que perante o incumprimento do Decreto-Lei nº 503/99, de 20/11, e a manifesta contradição das declarações prestadas sucessivamente pelo Conselho Directivo da EBI da Abrigada quanto à participação e qualificação do acidente, não tenha sido aberto um processo de averiguações com vista à eventual instauração de um processo disciplinar, nomeadamente, por falsas declarações, já que ou as primeiras ou as segundas declarações (neste caso, as segundas) teriam, forçosamente, de ser falsas.
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(6) Direito à reparação em espécie e em dinheiro, designadamente, remunerações durante o período de faltas previstos no Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.
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(7) Estabelecido no artº 3º do Código de Procedimento Administrativo, segundo o qual os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos.
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(8) À revelia do principio do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, consagrado no artº 4º do CPA.
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