Número: 2/A/2009


Data: 20.01.2009


Entidade visada: Ministro de Estado e das Finanças


Assunto: Certificados de aforro da série B. Remuneração do capital. Fórmula de cálculo da taxa de juro.


Processos: R-838/08, R-3084/08, R-3386/08 (A2)


 


RECOMENDAÇÃO N.º 2/A/ 2009



(Art.º 20.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril)


I


– Enunciado –


 



1. Recebeu a Provedoria de Justiça inúmeras queixas relacionadas com as alterações que a Portaria n.º 73-B/2008, de 23.01, veio introduzir em matéria de direitos dos subscritores de certificados de aforro da série B.



2. Tais alterações estão relacionadas, essencialmente, com a forma de remuneração daqueles certificados, correspondente, até então, à fórmula “0,80 x TBA” (taxa base anual), conforme foi definida pela Portaria n.º 743-A/2006, de 31.07, e que passou a ser apenas de “0,60 x TBA” (taxa base anual).



3. A subscrição dos certificados de aforro representa a aplicação das poupanças dos particulares em títulos da dívida pública, tendo os subscritores a legítima expectativa de vir a obter lucro dessas aplicações, nomeadamente através dos ganhos ou do rendimento do capital empregue.



4. Assim sendo, a alteração do coeficiente da taxa de juro a aplicar na determinação do valor de reembolso de cada unidade dos certificados de aforro interfere, clara e inequivocamente, com o rendimento que cada aforrista aufere com o resgate dos títulos.



5. Por esse motivo, uma análise preliminar ao assunto objecto das queixas suscitou de imediato a questão relativa ao respeito pelos direitos adquiridos pelos aforristas à data da entrada em vigor da Portaria n.º 73-B/2008, de 23.01.



6. Na verdade, de acordo com o disposto no art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30.06, que instituiu o regime jurídico dos certificados de aforro da série B, “Quaisquer alterações a aplicar aos certificados de aforro, dentro do respectivo prazo de garantia, só poderão produzir efeitos se delas não resultar prejuízo para os respectivos titulares”.



7. Não concretizando esse diploma, ou qualquer outro que pudesse ser aplicado a título remissivo, o conceito de prazo de garantia, ouviu a Provedoria de Justiça o IGCP – Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I.P. a respeito dessa questão, o qual admitiu que, na ausência de uma definição legal, deveria tomar-se por referência o período de três meses a que se reportou o legislador para efeitos de capitalização dos juros e de permanência de cada unidade (doc. n.º 1, em anexo).



8. O que significa que aos certificados que estivessem dentro desse prazo de garantia à data do início de vigência da Portaria n.º 73-B/2008 (24.01.2008), corresponderia ainda uma remuneração calculada com base na fórmula “0,80 x TBA” e não apenas de “0,60 x TBA”.



9. Ora, tendo a Portaria n.º 73-B/2008, de 23.01, entrado imediatamente em vigor sem ressalvar quaisquer situações relativas a certificados subscritos ao abrigo das anteriores regras, ou seja, sem salvaguardar quaisquer direitos protegidos pelo referido prazo de garantia – nem que fosse apenas pelo período mínimo de três meses defendido pelo IGCP – foram solicitadas ao Senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças as explicações pertinentes no âmbito do dever de audição dos poderes públicos que o Provedor de Justiça tem de observar (art.º 34.º do Estatuto do Provedor de Justiça).


10. A resposta do Senhor Secretário de Estado veio apenas confirmar o entendimento perfilhado pelo IGCP (doc. n.º 2, em anexo).


II



Apreciação –


11. Importa agora a este órgão do Estado tomar uma posição final, em função dos dados que foi possível reunir com a instrução do processo, relativamente às queixas recebidas.



12. De acordo com o que dispõe o art.º 15.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30.06, admite-se que pudesse ser alterado o coeficiente da taxa de juro a aplicar aos certificados de aforro, porquanto essa norma contempla não só modificações relativas às taxas de juro, como também quaisquer outras que digam respeito às “condições a observar na determinação do valor de reembolso de cada unidade”.


13. Contudo, face ao disposto no art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30.06, supra citado, julga-se evidente que, dentro do prazo de garantia, quaisquer alterações no regime dos certificados de aforro não podem prejudicar os aforristas.



14. Ora, permitir que fosse reduzida de “0,80 x TBA” para “0,60 x TBA”, a forma de remuneração dos certificados de aforro, prejudicaria, directamente, os aforristas, pois diminuiria a rentabilidade dos respectivos títulos.



15. Sendo assim, impõe-se a conclusão de que essa alteração só poderá produzir efeitos para além do prazo de garantia.



16. Lamentavelmente, como reconheceu o IGCP, o legislador do Decreto-Lei n.º 172–B/86, de 30.06, usou esse conceito [prazo de garantia] sem cuidar de o concretizar, ou de remeter para qualquer outro regime jurídico que o pudesse ter concretizado, deixando, assim, uma situação de injustificada indecisão numa matéria tão sensível como a que diz respeito aos direitos adquiridos dos aforristas.



17. Ou seja, concederam-se direitos aos aforristas, mas não se lhes garantiu os instrumentos imprescindíveis ao respectivo exercício, esvaziando assim de conteúdo útil a norma inserta no art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30.06.



18. De facto, o diploma em que se insere essa norma, de marcada feição garantística, não concretiza esse conceito, apontando apenas o prazo de prescrição de dez anos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública (art.º 7.º), nos casos em que os herdeiros do titular de um certificado de aforro não requeiram, após a morte deste, a transmissão das unidades a seu favor, e o prazo de três meses (art.º 9.º) para efeitos de reembolso de cada unidade e de capitalização de cada uma delas, a contar da data da emissão.



19. Para suprir essa omissão legislativa, defendeu o IGCP que se seguisse o período de três meses legalmente instituído para efeitos de capitalização de juros, como atrás se referiu.



20. Reconhece-se, é certo, alguma analogia de conceitos – entre a capitalização de juros e a determinação da taxa de juro – que poderá, de certa forma, levar a que se admita essa conclusão.



21. Na verdade, se o cálculo da remuneração do capital tem por referência o período de três meses a que se reportou o legislador para efeitos de capitalização dos juros e de permanência de cada unidade dos certificados de aforro (cfr. art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30.06), será de admitir que as alterações – pelo menos ao nível patrimonial – que venham a repercutir-se nos certificados de aforro, entre as quais a aplicação da taxa de juro, respeitem também esse mesmo período.



22. Salvaguarde-se, contudo, que as alterações jurídicas que se podem verificar nos certificados de aforro extravasam a mera questão relativa aos ganhos dos aforristas, uma vez que podem incidir também sobre as condições de subscrição, de movimentação e de transmissão dos títulos.



23. Por outro lado, refere-se no art.º 5.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 122/2002, de 4.05 – diploma que reviu o regime jurídico dos certificados de aforro – que a periodicidade de vencimento dos juros poderá ser trimestral, semestral ou anual.



24. Prosseguindo o objectivo de suprir aquela omissão legislativa, mediante a concretização do prazo de garantia ao abrigo do qual os direitos do aforristas seriam inantingíveis, julga-se que seria coerente fazer coincidir aquele prazo com o período de vencimento dos juros.



25. Nessa hipótese, o prazo de garantia mínimo seria de três meses, mas poderia estender-se por seis meses ou um ano, consoante o período de vencimento dos juros aplicável.



26. Assim, deverá ser revista a remuneração atribuída aos certificados de aforro afectados pela Portaria n.º 73-B/2008, de 23.01, respeitando o prazo de garantia aplicável a cada certificado, em função da data da emissão de cada unidade e do período de vencimento dos juros.



27. Face a todo o exposto, é possível sistematizar as seguintes conclusões:




a) Ao Governo era legítimo ter alterado a forma de remuneração dos certificados de aforro de “0,80 x TBA” para “0,60 x TBA”, ao abrigo da alínea b) do art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30.06;


b) Contudo, essa alteração só poderia produzir efeitos, à luz do disposto no art.º 8.º daquele diploma, para além do prazo de garantia dos certificados de aforro;


c) A legislação é pouco clara a respeito desse prazo de garantia, devendo ser suprida essa falha;


d) Deve o Governo rever a remuneração atribuída aos certificados de aforro afectados pela Portaria n.º 73-B/2008, de 23.01, tomando como prazo de garantia mínimo um período de três meses.



28. Assim, de acordo com as motivações acima expostas e nos termos do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91, de 9 de Abril),



 


 


Recomendo




A) Que para os certificados de aforro da série B que se encontrassem dentro dos prazos legais de garantia à data da entrada em vigor da Portaria n.º 73-B/2008, de 23.01, se mantenham as taxas de juro de que beneficiavam até ao termo daquele prazo de garantia;


B) Que seja clarificado qual é o preciso prazo de garantia a que se refere o art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30.06.



Senhor Ministro,


Permita-me, para além das recomendações que acima formulo, transmitir a Vossa Excelência que aquilo que perpassa da esmagadora maioria das queixas e exposições que recebi sobre este assunto é um gritante sentimento de desalento e, em alguns casos, de indignação dos pequenos aforristas afectados por aquilo que consideram uma quebra do «contrato» que estabeleceram com o Estado, ao subscrever os seus certificados de aforro. É patente, pois, que estes milhares de pequenos aforristas, que foram subscrevendo, ao longo dos anos, certificados de aforro para a «sua velhice», ou como «complemento da minha baixa pensão de reforma» (assim o escrevem) sentem que o seu «contrato» com o Estado português foi abruptamente violado. E, de facto, a Portaria nº 73-B/2008, de 23 de Janeiro, entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, colhendo inopinadamente de surpresa estes pequenos aforradores.



Em variadíssimas situações de alteração de direitos (por exemplo, no cálculo dos montantes das pensões de aposentação e de reforma ou de concessão de outros direitos sociais) vejo-me obrigado a – sem deixar de compreender os cidadãos que se me dirigem – esclarecer que as leis não são imutáveis e que o Estado, ao fim e ao cabo, também ele deve preservar condições de sustentabilidade financeira de regimes legais, sob pena de os direitos acabarem em «letra morta».



Na questão concreta dos certificados de aforro, também tenho de informar os reclamantes de que o Estado não escapa, ele também, à turbulência dos mercados financeiros, tão visível nestes últimos meses, e não pode obrigar-se, ressalvados os períodos de garantia legalmente fixados, a conceder aos pequenos aforristas taxas de rendibilidade sempre mais atractivas, ou, no mínimo, de valor inalterável.



Como se escreve no preâmbulo do Decreto-Lei nº 47/2008, de 13 de Março, «o regime jurídico [dos certificados de aforro] deve reflectir uma equilibrada composição de interesses entre a gestão eficiente do financiamento da República e a racionalização dos custos financeiros da dívida».



Não compete ao Provedor de Justiça interferir nestas opções político-financeiras dos governos – nunca o fiz ao longo dos meus mandatos e também não o farei agora.



Em todo o caso, Senhor Ministro, e disto também darei conta aos reclamantes, entendo como meu dever apelar à atenção do Governo, na pessoa de Vossa Excelência, para se reponderar, logo que as circunstâncias macro-financeiras o permitam, a fixação de condições mais apelativas de captação das pequenas poupanças familiares, mormente centradas nos «velhos» certificados de aforro, que mais de quarenta anos de existência provaram ser um instrumento de confiante procura popular.



Se a poupança das famílias é escassa no nosso País, com negativos reflexos para o seu desenvolvimento, não vejo por que razões não deva o Estado criar condições, tanto quanto possíveis sustentáveis, para a fomentar e acarinhar – independentemente, claro, da variedade de ofertas que o mercado privado financeiro ponha à disposição dos particulares, se estes as preferirem.



E ao dizer isto, Senhor Ministro, não estou a pretender interferir nas legítimas opções político-financeiras do Governo: pretendo tão só, nos limites das minhas competências legais, incentivar o Governo a reponderar a questão da pequena poupança familiar, no quadro da expressão de vida social dos cidadãos que ela também não deixa de configurar.



 


O Provedor de Justiça


H. Nascimento Rodrigues