Ex.mo. Senhor


Presidente da Câmara Municipal


da Vila Nova de Famalicão


Praça Álvaro Marques


4764-502 Vila Nova de Famalicão


 


 










Vª Ref.ª


Exped. 20315/2009


Proc. 1214/97



Vª Comunicação


24.Set.2009



Nossa Ref.ª


Proc. R-2446/09 (A1)


 



Assunto: legalização – obras de construção – vacaria -omissão de medidas


 


 


RECOMENDAÇÃO N.º 6/A/2010




(artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril)



I


Exposição de motivos




1. Foi reclamada a omissão de medidas por parte da Câmara Municipal, a que V. Ex.a. preside, em face dos incómodos causados por uma vacaria, em Lagoa, sem que as respectivas instalações e o seu funcionamento se encontrem licenciados.



2. De resto, a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão de há muito reconheceu a ilegalidade da situação:




a. em 7.Ago.1998, concedeu ao infractor 60 dias para demolir as construções, por não reunirem condições de serem licenciadas;


b. em 17.Ago.2000, ordenou outra vez a demolição;


c. e, não cumprida esta, veio, em 23.Abr.2001, a deliberar a investidura na posse administrativa do imóvel a fim de executar coactivamente a intimação;


d. para a prorrogar por 60 dias, em 13.Mar.2002;


e. em 21.Dez.2004, ordenou a cessação imediata da utilização, considerando haver lesão da saúde pública, o que veio a ser renovado em 2006.



3. Já terão sido instaurados 4 procedimentos contra-ordenacionais, pela realização de obras de construção sem licença (3) e por desrespeito de embargo (1).



 


II


Análise



(A)


da reintegração da legalidade urbanística





4. A legalização dos edifícios onde se encontra instalada a vacaria encontra-se sob apreciação municipal há cerca de 13 anos, com inúmeras vicissitudes que demonstram a ligeireza com que o infractor tem recebido as várias notificações para proceder à sua legalização.



5. Este apresentou requerimentos sucessivos para protelar a execução das ordens que não cumprira e sem sequer procurar minorar os inconvenientes de ordem sanitária, ambiental e urbanística.



6. O parecer da Comissão Regional de Entre-Douro e Minho da Reserva Agrícola Nacional há muito que caducou, como se entendeu – e bem – na informação municipal de 6.Mar.2009.



7. Para cúmulo, para além da desobediência reiterada às ordens municipais, o infractor voltou a executar nova obra de construção, em 2009, sem prévio licenciamento municipal, o que motivou o seu embargo.



8. Mas nem sequer aquela ordem de embargo terá sido cumprida, o que demonstra o total sentimento de impunidade do reclamante perante as sucessivas ameaças, não prosseguidas, de demolição e de cessação da actividade e a indiferença perante a participação, ao Ministério Público, da desobediência à ordem de embargo.



9. Recentemente, ter-lhe-á sido notificado projecto de decisão de indeferimento de um novo pedido de licenciamento, devido a irregularidades várias que indiciam a impossibilidade de legalização dos edifícios.



10. Claramente, foram inidóneas as medidas até agora adoptadas. Estas não permitem, como não permitiram, a cessação dos incómodos e o perigo para a saúde pública e ambiental que tem vindo a representar a actividade reclamada, conforme se encontra proficuamente demonstrado pelas vistorias realizadas.



11. Ora, nos termos do artigo 109.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que aprovou o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, quando os ocupantes dos edifícios não cessem a utilização indevida no prazo fixado, pode a câmara municipal determinar o despejo administrativo, podendo executá-lo imediatamente no caso de existir grave perigo para a saúde pública.



12. Isto, independentemente da obra de construção ou a utilização serem ou não legalizáveis. De outro modo, quantos mais anos se deverá aguardar para serem executadas as ordens de cessação e de demolição já proficuamente notificadas ao reclamado? Quantos mais pedidos de legalização inconclusos poderão impedir esta decisão?



13. A utilização de edifícios que não disponham de licença de utilização atenta, por si só, contra os interesses públicos subjacentes às normas aplicáveis, designadamente de ordenamento territorial, assim como de salubridade, estética e segurança das edificações. No caso concreto, existe mesmo essa confirmação por se terem considerado deploráveis aquelas instalações para alojamento de animais.



14. Se, entretanto, a Câmara Municipal nada diligenciar a situação permanecerá inalterada sine die e o infractor gozará da obra que construiu ilegalmente sem qualquer outra consequência.



15. Correspondentemente, a câmara municipal será lesada por não serem liquidadas as taxas urbanísticas inerentes ao procedimento de legalização das obras.



16. No caso concreto, e já tendo sido emitidas e notificadas várias ordens de demolição e de cessação de utilização sem que o infractor tivesse alterado a sua postura, nada mais resta à Administração senão actuar coercivamente tendo presente o interesse público preponderante, no âmbito da defesa da saúde pública e ambiental, bem como da legalidade urbanística, em contraposição com o interesse do particular infractor em manter a sua actividade em funcionamento em violação das disposições legais aplicáveis e sem que cuide de alterar esta situação não obstante as várias diligências já efectuadas pela Câmara Municipal.



17. Mal se compreende como possa a Câmara Municipal consentir a exploração pecuária em actividade, sem licença de construção, sem licença de utilização, com incomodidade ambiental para terceiros e perigo para a saúde pública e a lesão contínua e reiterada da legalidade urbanística, durante todos estes anos.



18. Perante estes pressupostos de facto e do enquadramento jurídico, a falta de reacção adequada por parte da câmara municipal em face da omissão do particular infractor não é passível de encontrar qualquer cobertura jurídica no nosso ordenamento.



19. Cabendo ao órgão administrativo, no exercício de um poder discricionário, decidir quanto à execução coactiva dos actos administrativos certo é que, no caso em análise, e atento o interesse público lesado, parece não deixar de impor tal solução. Pelo contrário, impenderá sobre a câmara municipal um dever de decisão.



20. A omissão, para além de poder ofender o princípio da irrenunciabilidade do exercício das competências (cfr. artigo 29.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo) permitiu a manutenção em funcionamento de um estabelecimento insalubre à margem de todas as exigências de índole higio-sanitária e de defesa da saúde pública, de forma incompreensível.



21. Por fim, situações como estas contribuem para criar na comunidade uma convicção generalizada de impunidade, de quebra da autoridade municipal e de fragilidade das prescrições urbanísticas e ambientais.



 


(B)


do exercício da actividade pecuária





22. A licença sanitária para ordenha e recolha de leite caducou, em 1998, como também ali se reconhece como bem se entendeu na informação municipal de 6.Mar.2009.



23. As vistorias de há cinco anos qualificaram as instalações como deploráveis, o que é tanto mais preocupante quanto se constatou que o leite ali produzido se destinava a ser comercializado com vista ao seu consumo.



24. E não se diga que o artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 214/2008, de 10 de Novembro, que aprovou o Regime Jurídico do Exercício da Actividade Pecuária (REAP), permitirá o funcionamento daquele exploração até Outubro de 2010, data limite em que as explorações existentes, ao abrigo do regime excepcional de regularização, têm de apresentar pedido de regularização da actividade pecuária.



25. Com efeito, para as actividades pecuniárias que funcionem em incumprimento grave das normas constantes do REAP no mesmo diploma, o artigo 52.º prevê que devem ser tomadas, de imediato, as adequadas providências para eliminar a situação de incumprimento ou de perigo, podendo ser determinada a suspensão total ou parcial da actividade, ou mesmo o encerramento preventivo, até à resolução da situação.



26. Ainda que o infractor possa ter modestos rendimentos, não se vê como possa a saúde pública ficar refém de uma actividade económica que é desenvolvida de modo ilícito, com manifesto prejuízo do bem comum e com indiferença perante a legítima autoridade pública do município.



27. É que, a ser assim, o município está indelevelmente a associar-se aos danos que originariamente apenas seriam de imputar ao infractor.



28. Recentemente, e na linha expressamente citada de uma Recomendação do Provedor de Justiça, o Supremo Tribunal Administrativo condenou um município, em circunstâncias muito próximas, na reparação dos prejuízos sofridos pelos moradores vizinhos, uma vez que a respectiva câmara municipal «se manteve passiva, bem sabendo que esta passividade poderia potenciar os danos causados pelo ilegal funcionamento» (Acórdão STA, 1ª, de 24.Abr.2008, proc. 847/07).



29. Mais grave se revela a situação se atentarmos o facto de o estabelecimento não possuir sequer alvará de licença sanitária desde 1998.



30. Em face do exposto, não se entende como é que a Câmara Municipal não exerceu as suas competências recorrendo, se necessário, ao apoio por parte da entidade coordenadora, ou seja, da direcção regional de agricultura e pescas territorialmente competente, com vista a ser determinado o encerramento da exploração.



 


III


Conclusões


Assim, nos termos do disposto no artigo 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, e em face das motivações precedentemente expostas, recomendo à Câmara Municipal superiormente presidida por V.Ex.a. que ordene a imediata cessação da utilização das instalações identificadas que albergam a vacaria, nos termos do artigo 109.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, republicado com a Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, valendo para a remoção dos animais, que vier a justificar-se, o disposto no artigo 52.º do Regime do Exercício da Actividade Pecuária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 214/2008, de 10 de Novembro.



 


Dignar-se-á V.Ex.a comunicar-me, para efeitos do disposto no artigo 38.º, n.º 2, do Estatuto do Provedor de Justiça, a sequência que a presente Recomendação vier a merecer.




Queira aceitar, Senhor Presidente, os meus melhores cumprimentos,



 


O PROVEDOR DE JUSTIÇA,



 


(Alfredo José de Sousa)