Ex.mo Senhor


Presidente do Conselho de Administração da EMEL – Empresa Pública Municipal de Estacionamentos de Lisboa


Av. de Berna, n.º 1


1050-036 Lisboa





 


Vossa Ref.ª Vossa Comunicação Nossa Ref.ª


Proc. R-2686/10 (A5)



 


ASSUNTO: Títulos de estacionamento indevidamente colocados;


Presunção de não pagamento;


Levantamento de autos de contra-ordenação;


Boa-fé.




 


 


RECOMENDAÇÃO n.º 3-A/2011


— artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril —



 


 


I


Introdução



 


Ao longo dos anos, foram dirigidas ao Provedor de Justiça inúmeras queixas de cidadãos que haviam sido multados, pela EMEL, por não terem colocado devidamente no interior dos respectivos veículos os títulos que comprovam o pagamento da taxa de estacionamento.



O que está em causa, neste tipo de processos, é a autuação dos condutores e/ou dos proprietários dos veículos — não por terem falhado o pagamento devido pelo estacionamento — mas simplesmente por não terem colocado os talões nos veículos, de forma bem visível e legível do exterior.



Acontece que, mesmo logrando fazer prova do pagamento — seja por exposição escrita apresentada à EMEL, seja perante os próprios fiscais no momento do desbloqueamento — os condutores e/ou os proprietários não deixam de ser autuados.



O que motiva a presente Recomendação é a minha convicção de que, quando é possível comprovar o pagamento da taxa de estacionamento, não faz sentido o levantamento de autos de contra-ordenação.



E esta minha percepção é reforçada pelo conhecimento de que, quando os interessados não se conformam com a autuação e apresentam defesa, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) acaba por determinar, sempre, o arquivamento dos processos de contra-ordenação levantados nas circunstâncias atrás referidas, absolvendo os arguidos, exactamente com fundamento na prova do pagamento efectivo.



II


Exposição de motivos



1. O Código da Estrada (CE) prevê, no artigo 70.º, as regras gerais de estacionamento, nomeadamente a possibilidade de limitar no tempo ou de sujeitar ao pagamento de uma taxa a utilização de parques e zonas de estacionamento, constituindo infracção punida com coima nos termos do artigo 71.º do CE o estacionamento por tempo superior ao estabelecido ou sem pagamento da taxa fixada.



2. No que se refere às vias do Município de Lisboa, o Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada e das Zonas de Acesso Automóvel Condicionado também dispõe, na alínea b) do artigo 57.º, que é proibido o estacionamento de veículo



— que não exibir o título de estacionamento válido da respectiva zona,


— quando não haja sido accionado equipamento electrónico individual cuja utilização é permitida nos termos do presente regulamento;


— por tempo superior ao permitido no regulamento de zona.



3. Por outro lado, o regime relativo às condições de utilização dos parques e zonas de estacionamento, que consta do Decreto-Lei n.º 81/2006, de 20 de Abril, atribui às câmaras municipais competência para aprovar a localização de parques ou zonas de estacionamento, as condições de utilização e as taxas devidas pelo estacionamento, e dispõe no artigo 5.º o seguinte:



 


Artigo 5.º


Título de estacionamento



1. Quando o estacionamento esteja sujeito ao pagamento prévio de uma taxa, o título de estacionamento deve ser colocado, sempre que possível, no interior do veículo, junto do pára-brisas, de forma bem visível e legível do exterior.


2. Quando o título de estacionamento não esteja colocado da forma estabelecida no número anterior, presume-se o não pagamento do estacionamento.



 


4. Ou seja: existe uma presunção legal de não pagamento sempre que o título de estacionamento não esteja colocado junto do pára-brisas de forma bem visível e legível do exterior.



5. E, presumindo-se que o pagamento não foi efectuado, por o veículo não exibir, de forma visível, o título de pagamento, os fiscais da EMEL:



— colocam aviso de pagamento e levantam, posteriormente, auto de contra-ordenação;


ou


— procedem logo ao respectivo bloqueamento, sendo o auto levantado no momento do desbloqueamento, altura em que o condutor é também notificado do mesmo.



6. Contudo, deve ter-se presente que, nos termos do disposto no artigo 349.º do Código Civil, presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, dispondo o n.º 2 do artigo seguinte que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.



7. Uma vez que a apresentação do título de estacionamento permite ilidir a presunção de não pagamento, deixa de estar em causa a infracção prevista no artigo 71.º do CE, não se justificando, portanto, o levantamento de qualquer auto de contra-ordenação.



8. Assim sendo, afigura-se-me incompreensível que os fiscais da EMEL levantem autos de contra-ordenação já depois de terem conhecimento de que o pagamento foi, efectivamente, realizado.



9. A EMEL foi criada por iniciativa pública (por deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa), para assegurar interesses públicos (gestão do estacionamento na área do Município de Lisboa) e está dotada de poderes administrativos e de autoridade pública, previstos na lei, necessários à prossecução do seu objecto social .



10. Por isso, os respectivos Estatutos definem a EMEL como “uma pessoa colectiva de direito público, com natureza empresarial (…) dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial” (artigo 1.º, n.° 1) que “tem por objecto a gestão do serviço de estacionamento público no Município de Lisboa” (artigo 3.º, n.° 1).



11. Nos termos do disposto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição, “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.



12. Por outro lado, e como é jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, as entidades administrativas devem actuar de acordo com os ditames da boa-fé e aos princípios da economia processual e da celeridade do processo; assim, não faz sentido que a EMEL desencadeie procedimentos contra-ordenacionais quando se antevê num juízo de prognose póstuma, com inteira segurança, que os mesmos serão concluídos com decisões contrárias à posição da Administração.



III


Conclusões



1.ª Os autos de contra-ordenação por colocação indevida do título de estacionamento são levantados por infracção ao artigo 71.º, n.º 1, alínea d), do CE (que proíbe o estacionamento sem o pagamento da taxa em zonas de estacionamento de duração limitada) por se presumir o não pagamento devido pelo estacionamento.



2.ª A colocação indevida do título não constitui, per se, contra-ordenação.



3.ª A presunção de não pagamento decorrente da colocação do título de forma não visível e legível do exterior é ilidível.



4.ª Decorre da conjugação das normas mencionadas — e da prática deste órgão do Estado — que a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária absolve os arguidos em processos de contra-ordenação quando esteja comprovado o pagamento da taxa devida pelo estacionamento.



5.ª Assim, não deve ser levantado auto de contra-ordenação por falta de liquidação de taxa de estacionamento, se entretanto for comprovado o pagamento.



IV


Recomendação



Em face do que deixei exposto, e no uso do poder que me é conferido pelo disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO a V.ª Ex.ª que sejam difundidas instruções no sentido de que:



 


Não sejam levantados autos de contra-ordenação por falta de liquidação da taxa devida pelo estacionamento, quando os condutores dos veículos ilidam a presunção prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 81/2006, de 20 de Abril, e comprovem, no momento do respectivo desbloqueamento, em deslocação à loja ou em exposição dirigida a essa Empresa Municipal, que efectivamente pagaram o estacionamento.



 


Permito-me lembrar a V.ª Ex.ª a circunstância da formulação da presente Recomendação não dispensar, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 38.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, a comunicação a este órgão do Estado, no prazo de 60 dias, da posição que vier a ser assumida em face das respectivas conclusões.



Com os melhores cumprimentos.



 


O PROVEDOR DE JUSTIÇA




(Alfredo José de Sousa)