Sua Excelência
A Secretária de Estado da Ciência
Palácio das Laranjeiras
Estrada das Laranjeiras, 197 a 205
1649-018 LISBOA


Vossa Ref.ª
 Vossa Comunicação
  Nossa Ref.ª
Proc. R – 1719/11  (A6)
         R – 3588/11  (A6)
         R – 4570/11  (A6)


  
Assunto: Estatuto do bolseiro de investigação. Concurso para atribuição de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. Exequibilidade do plano de trabalhos. Exercício de funções docentes.


RECOMENDAÇÃO N.º 10/A/2011
(art.º 20.º, n.º 1, a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril)


I
Das situações objecto de queixa ao Provedor de Justiça


1. Dirijo-me a Vossa Excelência na sequência de queixas que me foram endereçadas, visando a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P. (FCT), no quadro do financiamento de acções de formação avançada e qualificação de recursos humanos, muito especificamente e em concreto, relativas à concessão/renovação de bolsas de doutoramento/pós-doutoramento a candidatos/bolseiros docentes, independentemente do nível de ensino, atento o regime de compatibilização do exercício de funções docentes com o estatuto do bolseiro de investigação.


2. Uma das situações apresentadas ao Provedor de Justiça respeita a bolseira de pós-doutoramento, docente da Universidade da Beira Interior (UBI), relativamente à qual – e não obstante a recomendação do Painel de Avaliação no sentido da renovação da sua bolsa para o segundo triénio – a FCT erigiu como condição necessária da renovação a obtenção de licença sem vencimento para o ano lectivo de 2011/2012.


Para o efeito, a FCT informou a docente visada do seguinte:
Em cumprimento do despacho do Exmo. Vogal do CD da FCT, IP, Prof. Francisco Teixeira, datado de 2011/04/14 e na sequência de orientação específica emanada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, cumpre-nos informar, ao abrigo das disposições conjugadas do art.º 25.º do Regulamento da Formação Avançada e Qualificação de Recursos Humanos [RFAQRH] e art.º 5.º do Estatuto do Bolseiro de Investigação Científica [EBI], aprovado pela Lei n.º 40/2004, de 18 de Agosto, que foi determinado cancelar as candidaturas/bolsas, sem prejuízo de comprovarem junto do DFRH equiparação/licença sem vencimento, tendo presente o exercício em regime de dedicação exclusiva/tempo integral de funções docentes por parte dos candidatos que se encontrem nestas situações. [sublinhado meu]


3. O referido despacho foi igualmente invocado relativamente a um conjunto de Assistentes da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), os quais viram ser-lhes negada a concessão/renovação de bolsa de doutoramento financiada pela FCT, no quadro do Concurso para atribuição de Bolsas Individuais de Doutoramento e Pós-Doutoramento 2010, com o consequente cancelamento das respectivas candidaturas/bolsas.


Inconformados com o despacho em causa, os docentes visados interpuseram recurso hierárquico junto do Conselho Directivo da FCT, não tendo, todavia, logrado alcançar a satisfação das suas pretensões, conforme documento que, por facilidade de exposição, se junta em anexo .


Note-se que, nesta sua decisão, a FCT pôs em relevo a compreensão da bolsa concedida ao abrigo do RFAQRH como «suporte financeiro da actividade de investigação» ou, mais precisamente, «um “subsídio mensal de manutenção”», como é designado no anexo ao referido Regulamento (ponto 14.º). Nesse sentido, sublinhou que, na presente situação, não está em causa «a subsistência ou a manutenção do candidato, mas o apoio ao desenvolvimento da sua actividade de investigação, da sua carreira profissional docente», pelo que, ao invés de candidatura a uma bolsa de doutoramento nos termos do RFAQRH, o financiamento público pretendido deveria ser obtido por outra via, designadamente, através do Fundo de Apoio à Comunidade Científica, de bolsa de licença sabática ou de candidatura a financiamento para específico projecto de investigação científica (ponto 16.º). Conclui-se, de seguida, que «é desta forma que é conseguido o equilíbrio entre o regime de dedicação exclusiva do bolseiro, o regime aplicável ao docente de carreira e a justa atribuição do financiamento público para o desenvolvimento dos projectos de investigação do pessoal docente» (ponto 17.º).


Neste enquadramento, a FCT deixou igualmente explícito o seguinte, a propósito da questão da acumulação de uma bolsa de investigação científica com o exercício de funções docentes:
(…) as actividades docentes que se consideram compatíveis com o EBI, sempre se trataram daquelas que não estejam inseridas ou decorram de um regime laboral/carreira que contenha previsões específicas de obrigação de investigação e faculte os meios para que tal possa ocorrer, e daquelas que não decorram de um vínculo laboral que seja exercido em regime de dedicação e/ou tempo integral, i.e., aquelas funções docentes que sejam exercidas a tempo parcial e de forma acessória, independentemente do nível de ensino, mas todas condicionadas à normal exequibilidade do plano de trabalhos subjacente à candidatura a bolsa de investigação.


4. Semelhante entendimento foi, outrossim, preponderante para a não assinatura do contrato de bolsa, relativamente a processo de candidatura impulsionado por docente do ensino secundário, no quadro do Concurso para a atribuição de Bolsas de Doutoramento Individuais 2009.


Com efeito, tendo sido concedida ao referido docente uma bolsa de doutoramento, na sequência de decisão favorável sobre a candidatura que apresentara, a FCT, face à situação profissional do mesmo docente, condicionou a assinatura do contrato da bolsa de investigação à obtenção, pelo interessado, de equiparação a bolseiro. Invocou, para tal, o disposto no art.º 25.º do RFAQRH 2009 sobre o exercício em regime de dedicação exclusiva das funções do bolseiro, na parte respeitante à garantia da exequibilidade do programa de trabalhos (n.º 2 do citado preceito).


Sendo certo que nada mais dispõe o art.º 25.º do RFAQRH 2009 a este respeito, esclareceu a FCT de que apenas considera assegurada a exequibilidade do programa de trabalhos, face à actividade profissional do candidato durante o período da bolsa, caso este obtenha dispensa de serviço ou equiparação a bolseiro ou o número de horas de docência não exceda as seis horas semanais em média anual. Nas circunstâncias do caso concreto, a celebração do contrato ficou condicionada à obtenção de equiparação a bolseiro para o ano lectivo de 2010/2011, o que o docente interessado não logrou alcançar .



II
Do regime jurídico aplicável, em abstracto, à acumulação do estatuto do bolseiro de investigação com o exercício de funções docentes


5. Esboçadas, nos termos que antecedem, as situações objecto de queixa junto deste Órgão do Estado e às quais retornaremos infra, permita-me seguidamente, Senhora Secretária de Estado, equacionar, no plano abstracto, a questão do regime jurídico aplicável à compatibilização do estatuto do bolseiro de investigação com o exercício de funções docentes, no quadro do regime de dedicação exclusiva que o primeiro reclama.


Muito especificamente e com interesse para os casos relatados, está em causa apurar qual o conjunto de deveres a que fica obrigado todo aquele que, exercendo funções docentes, pretenda beneficiar de uma bolsa financiada pela FCT.


De outro modo dito, sob a perspectiva das obrigações dos bolseiros para com a FCT e estritamente por força do exercício de funções docentes, interrogamo-nos sobre quais as exigências que, à luz da lei, a FCT pode impor aos candidatos/bolseiros docentes, sob o enfoque dessa condição profissional, ou seja:
 podem esses candidatos/bolseiros ficar obrigados a um regime específico de prestação de serviço docente, por força da concessão de bolsa de investigação científica da FCT?


6. A resposta a esta questão deve, primeiramente, buscar-se no EBI, o qual dispõe, no art.º 5.º, o que a seguir aqui se deixa transcrito (com sublinhados meus):


Artigo 5.º
Exercício de funções


1 – (…)
2 – O desempenho de funções a título de bolseiro é efectuado em regime de dedicação exclusiva, não sendo permitido o exercício de qualquer outra função ou actividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal, salvo o disposto nos números seguintes.
3 – Considera-se, todavia, compatível com o regime de dedicação exclusiva a percepção de remunerações decorrentes de:
a) Direitos de autor e de propriedade industrial;
b) Realização de conferências e palestras, cursos de formação profissional de curta duração e outras actividades análogas;
c) Ajudas de custo e despesas de deslocação;
d) Desempenho de funções em órgãos da instituição a que esteja vinculado;
e) Participação em órgãos consultivos de instituição estranha àquela a que pertença, desde que com a anuência prévia desta última;
f) Participação em júris de concursos, exames ou avaliações estranhos à instituição a que esteja vinculado;
g) Participação em júris e comissões de avaliação e emissão de pareceres solicitados por organismos nacionais ou estrangeiros.
4 – Considera-se, ainda, compatível com o regime de dedicação exclusiva a realização de actividades externas à entidade acolhedora, ainda que remuneradas, desde que directamente relacionadas com o plano de actividades subjacente à bolsa e desempenhadas sem carácter de permanência, bem como o exercício de funções docentes.


Nestes termos, o EBI permite aos bolseiros o exercício de funções docentes, aparentemente sem quaisquer limites, a não ser, desde logo, aqueles que para os docentes decorram, em primeira linha, das normas estatutárias corporizadoras das diferentes carreiras especiais em que possam estar integrados, como sejam, nomeadamente, as carreiras docente universitária, do pessoal docente do ensino superior politécnico e, ainda, dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário .


Não obstante, em face da redacção do n.º 4, in fine, do art.º 5.º do EBI, sempre caberá ao intérprete indagar qual o verdadeiro âmbito normativo deste preceito, por forma a delimitar a extensão do exercício de funções docentes franqueado, no quadro da consagração pelo legislador da norma excepcional em causa, por oposição ao regime-regra estipulado no art.º 5.º, n.º 2, do EBI.


7. Assim sendo, sem prejuízo da compatibilidade, de princípio, do exercício de funções docentes com o regime de dedicação exclusiva inerente ao estatuto do bolseiro, é admissível, neste exacto contexto e em geral, colocarem-se distintas questões com vista a apurar, designadamente, se o exercício de funções docentes autorizado pelo legislador em acumulação com uma bolsa de investigação (i) pode ou não ser remunerado, (ii) é ou não, efectivamente, harmonizável com os regimes de dedicação exclusiva  ou de não acumulação de funções (iii) e, ainda, pode ocorrer em regime de tempo integral/tempo inteiro ou, diferentemente, requer um regime de tempo parcial.


Estas são questões que legitimamente podem suscitar-se ao intérprete colocado perante uma disposição como a constante do art.º 5.º, n.º 4, in fine, do EBI, pondo em crise uma leitura do normativo em causa que afaste todo e qualquer limite ao exercício de funções docentes, no quadro do regime de dedicação exclusiva exigido ao bolseiro de investigação.


8. Na verdade, com referência aos concursos abertos pela FCT a coberto do RFAQRH, se o legislador, ao preceituar nos termos do disposto no art.º 5.º, n.º 4, do EBI, autoriza a possibilidade de acumulação de uma bolsa de investigação científica com o exercício de funções docentes, é igualmente certo que o mesmo legislador não proíbe que, nesse contexto, possa ser definido um regime de prestação de serviço docente compatível com a concessão, em concreto, de uma bolsa financiada pela FCT.


Neste sentido, será a priori aceitável a imposição de condicionamentos ao exercício de funções docentes, no que aos bolseiros abrangidos concerne, a fim de salvaguardar outros bens juridicamente tuteláveis.


9. A FCT tem valorado, neste contexto, a garantia da exequibilidade do plano de trabalhos, ainda que esta, mais do que condição a ponderar especificamente em sede da acumulação do exercício de actividades que sejam compatíveis com o regime de dedicação exclusiva inerente ao estatuto do bolseiro, consubstancie uma condição a pesar relativamente ao universo de todos os candidatos a uma bolsa financiada pela FCT, sejam ou não docentes, para efeitos da respectiva concessão.


A exequibilidade do plano de trabalhos consubstancia dimensão que releva de uma margem de apreciação técnico-científica, aferida individualmente, candidatura a candidatura, e, no caso dos candidatos docentes, terá em vista acautelar que a carga do serviço docente não desvie o bolseiro da sua actividade de investigação.


A FCT assumiu expressamente esse entendimento, dando-lhe corpo normativo na versão de 2009 do RFAQRH (n.º 2 do art.º 25.º), com a explicitação introduzida no RFAQRH 2010 (n.º 3 do art.º 25.º), mantida no RFAQRH 2011.


10. Outro bem jurídico passível de ser ponderado em sede do tema que nos ocupa assume índole financeira e concerne à questão da acumulação remuneratória, sob a óptica, no caso das bolsas financiadas pela FCT, do interesse público de uma equitativa distribuição do financiamento em causa.


O art.º 5.º, n.º 4, do EBI não é absolutamente esclarecedor a este propósito, ainda que o legislador aluda, no mesmo diploma legal e noutro contexto, a «remunerações que o bolseiro eventualmente aufira no âmbito de relação jurídico-laboral ou prestação de serviços», para clarificar que tais remunerações «não são consideradas bolsas» (art.º 1.º, n.º 4, do EBI).


Seja como for, o financiamento concedido pela FCT ao abrigo do RFAQRH contempla uma margem de decisão, no exercício de prerrogativa de avaliação em matéria de investimento público em ciência e tecnologia, incluindo o financiamento na esfera da formação avançada e qualificação de recursos humanos, podendo, neste quadro e com subordinação à lei, ser definidas as prioridades que, na perspectiva dos decisores públicos, melhor se coadunem com as metas que os mesmos pretendam ver atingidas no domínio prestacional em apreço .


Isto é tanto mais relevante quanto é certo o carácter limitado do financiamento público disponível, por um lado, bem como, no caso dos docentes, atenta a garantia que decorra dos estatutos das carreiras em que eventualmente possam estar integrados e sem perda de remuneração, de condições de desenvolvimento de trabalhos/projectos de investigação científica, incluindo actividades conducentes à obtenção de um grau académico pós-graduado.


O enfoque da acumulação (e em que medida), ou não, de remunerações perpassa igualmente as diversas versões do RFAQRH – veja-se, a título de exemplo, a evolução do disposto no n.º 3 do art.º 25.º nas versões de 2007 e 2008 do RFAQRH, norma que foi eliminada na versão de 2009 do mesmo Regulamento.


No caso específico dos docentes de carreira, ao nível do ensino superior, a questão foi recentemente recuperada na versão de 2011 do RFAQRH, a título de condição de candidatura a uma bolsa, permitindo-me transcrever o preceituado a este respeito no n.º 4 do art.º 17.º (com sublinhado meu):


Artigo 17.º
Candidatos


(…)
4 – Não se podem candidatar a bolsas de formação avançada em território nacional os docentes do ensino superior universitário ou politécnico e investigadores que exerçam as suas funções em regime de dedicação exclusiva e/ou de tempo integral nos termos dos respectivos estatutos de carreira, excepto quanto comprovem junto da FCT o deferimento de licença sem vencimento ou de equiparação a bolseiro sem remuneração.


11. Dado o exposto e em jeito de conclusão da análise que antecede do regime, no plano abstracto, da compatibilização do exercício de funções docentes com o estatuto do bolseiro de investigação e seu reflexo na concessão de bolsas financiadas pela FCT, parece poder considerar-se lícito a esta última proceder à concretização, no quadro da regulamentação das condições de atribuição das bolsas que financia, das condições de candidatura a/concessão de bolsa relativamente aos interessados que sejam docentes. Tal possibilidade exerce-se ao abrigo do poder regulamentar a que se reporta o art.º 6.º do EBI e é franqueada pela acomodação do regime de prestação de serviço docente que o disposto no n.º 4, in fine, do art.º 5.º do EBI não interdita.


Não obstante, perante uma norma como a que flui da última disposição citada, não pode todavia esvaziar-se o sentido normativo permissivo que flui deste preceito, devendo no limite estar garantido aos docentes interessados um mínimo de exercício de funções docentes, delimitado por um determinado número máximo de horas semanais, ainda que eventualmente com perda de remuneração. Isto, sempre mediante a previsão em termos normativamente adequados, por um lado, e salvo se disposição legal especial mais exigente não decorrer para o docente, em função da carreira de docência em que esteja eventualmente integrado, por outro.


Tal solução franqueia a valorização da actividade do docente-investigador também na sua faceta de divulgador científico e vai de encontro, nomeadamente, a um dos considerandos veiculados na Recomendação da Comissão Europeia, de 11 de Março de 2005, relativa à Carta Europeia do Investigador e ao Código de Conduta para o Recrutamento de Investigadores , nos termos do qual «[o]s Estados-Membros deveriam envidar esforços para oferecer aos investigadores sistemas sustentáveis de progressão em todas as fases da carreira, independentemente da sua situação contratual e da via profissional escolhida em I&D (…)» (§ 9), domínio em que, inter alia, se incluem as funções de ensino.



III
Da violação da protecção da confiança na decisão de encerramento dos processos de candidatura/não renovação de bolsas de doutoramento/pós-doutoramento nas situações objecto de queixa ao Provedor de Justiça


12. Se o que acaba de concluir-se é válido num plano abstracto e hipotisável para futuros concursos da FCT, desde que com habilitação normativa bastante no regulamento que aos mesmos seja aplicável, não se afigura que, nas situações que foram trazidas à atenção do Provedor de Justiça, os condicionamentos em causa estivessem suficientemente clarificados para os candidatos/bolseiros visados, duvidando-se da bondade da sua aplicação aos casos concretos relatados, desde logo, à luz das exigências dos princípios da protecção da confiança e da boa fé. Este é o motivo pelo qual, Senhora Secretária de Estado, retorno às situações descritas nos n.os 2 a 4 da presente comunicação.


13. Assim, e no que respeita à questão da não renovação das bolsas de doutoramento concedidas aos docentes da FDUC, decorre, efectivamente, do RFAQRH aplicável que estas bolsas têm uma duração, em regra, anual, prorrogável até ao máximo de quatro anos (art.º 6.º).


Inexistindo uma expectativa juridicamente tutelável no sentido da renovação automática de uma bolsa de doutoramento, até ao limite máximo temporal regularmente previsto, certo é que sobre a renovação de bolsas dispõe o art.º 24.º do RFAQRH, preceito que, na redacção actualmente vigente, coloca o enfoque do procedimento dirigido a tal fim na avaliação, pelo orientador e pela instituição de acolhimento, das actividades do bolseiro, incluindo a apreciação sobre a previsão do cumprimento do plano de trabalhos e a conveniência de renovação da bolsa no caso concreto.


Se, no limite, os pareceres do orientador e da instituição de acolhimento não são vinculativos para a FCT, em caso de decisão desta última desfavorável à pretensão do bolseiro interessado, torna-se particularmente exigente o dever de fundamentação da decisão negativa em causa.


14. Ora, na situação vertente, a FCT fez tábua rasa das condições, no quadro do Concurso para Atribuição de Bolsas de Doutoramento e Pós-Doutoramento 2010, da atribuição de bolsa aos docentes visados, no que à respectiva situação profissional durante o período da bolsa concerne, desconsiderando, nomeadamente, as garantias dadas de exequibilidade dos seus programas de trabalho, inclusive sob o ponto de vista da carga lectiva semanal, e valorando, exclusivamente, para efeitos de renovação, o regime de prestação de serviço docente, exigindo, consequentemente, equiparação/licença sem vencimento em face do exercício em regime de dedicação exclusiva/tempo integral de funções docentes. Semelhante fundamentação foi igualmente ponderosa, como foi referido, para efeitos do encerramento dos processos de candidaturas – e, por conseguinte, da não concessão de bolsa – apresentadas no âmbito do mesmo concurso por docentes da FDUC.


Para além de a condição agora posta pela FCT como necessária para a concessão/renovação das bolsas não constar do RFAQRH 2010, que regeu o concurso em questão, a fundamentação assumida pela FCT é contraditória com o entendimento veiculado no mesmo Regulamento de que a exigência relativa ao exercício das funções de bolseiro em regime de dedicação exclusiva contende fundamentalmente com a garantia da exequibilidade do programa de trabalhos (n.os 2 e 3 do art.º 25.º do RFAQRH).


A falta de coerência na argumentação da FCT é tanto mais significativa quanto é certo que o fundamento agora tido relevante para a não renovação/concessão de bolsa aos docentes da FDUC visados não fora de modo algum anteriormente ponderado em relação a esses mesmos docentes, no momento da concessão inicial da sua bolsa de doutoramento ou da avaliação do mérito da respectiva candidatura, consoante os casos.


Neste sentido, a FCT afastou a sua actuação de critérios de previsibilidade, coerência e de não contraditoriedade, evidenciando, afinal, que o móbil primordial dos condicionamentos postos não respeitará tanto à dimensão (no plano da margem de apreciação científica) de exequibilidade do plano de trabalhos, mas sim da dimensão (de índole financeira) da acumulação remuneratória.


No caso dos docentes da FDUC, a FCT acabou, por conseguinte, por retroagir a condição de candidatura agora prevista no já citado art.º 17.º, n.º 4, do RFAQRH 2011 relativamente a candidatos/bolseiros cujo concurso decorreu ao abrigo do RFAQRH 2010, mascarando-a, presentemente e consoante os casos, de condição de celebração do contrato relativamente a candidaturas avaliadas favoravelmente ou condição de renovação de bolsa em execução.


Acresce que, na presente situação, aludindo a FCT a outras vias de financiamento da actividade de investigação a cargo de docentes de carreira, não foi sequer dada oportunidade aos interessados de candidatura (assim o querendo e nos termos previstos na regulamentação aplicável) a tais vias alternativas, tendo-se, desde logo, operado o cancelamento das candidaturas/bolsas em questão.


15. As considerações que antecedem são igualmente válidas, mutatis mutandis, para o caso relatado da não renovação da bolsa de pós-doutoramento atribuída a docente da UBI, em face das condições regularmente previstas para que a renovação desse tipo de bolsas possa ter lugar, à luz do disposto no art.º 5.º, n.º 3, do RFAQRH actualmente vigente.


16. Relativamente ao docente do ensino secundário – e sendo certo que, nas actuais circunstâncias, a carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário fica de fora da previsão constante do art.º 17.º, n.º 4, do RFAQRH (versão 2011), o que presentemente a coloca em situação mais favorável em comparação com as carreiras docentes do ensino superior – sempre se afigura passível de crítica o facto de as condições impostas para a efectivação da concessão da bolsa não constarem do RFAQRH que regeu o concurso em causa.


IV
Conclusões


17. Em face de tudo quanto precede, não se afigura que as decisões que afectaram os interessados, nas situações concretas relatadas, tenham sido pautadas por critérios de previsibilidade, coerência e de não contraditoriedade, nomeadamente em consideração da confiança gerada nos candidatos/bolseiros afectados, assim como das suas expectativas decorrentes da prática anterior da FCT, e sem que a modificação dessa prática tenha sido, no caso vertente, adequadamente justificada.
Já numa perspectiva de actuação futura da FCT, importa ponderar, num quadro de análise sistémica, a questão da manutenção de actividade docente em simultaneidade com a percepção de subsídio decorrente da concessão de uma bolsa, clarificando-a, de forma patente e manifesta, em termos normativamente adequados.
18. Razões pelas quais,
a) ao abrigo do disposto nos art.ºs 20.º, n.º 1, a), e 38.º, do Estatuto do Provedor de Justiça, recomendo a Vossa Excelência que as situações concretas indicadas, bem como outras similares pendentes, sejam revistas à luz do critério da decisão favorável em sede de avaliação científica do mérito e do da exequibilidade do programa de trabalhos, atentas as exigências dos princípios da protecção da confiança e da boa fé, incluindo a confiança no quadro regulamentar aplicável aos respectivos concursos de atribuição de bolsas e à renovação destas;
b) ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, b), sugiro a Vossa Excelência que seja devidamente ponderada, para futuro, a questão da acumulação de funções docentes com funções a título de bolseiro de investigação, no quadro de uma visão de conjunto do sistema científico nacional e em articulação com o quadro legislativo que enquadra as carreiras docentes, pesando, entre outros aspectos, as finalidades associadas aos diferentes tipos de bolsas financiadas pela FCT e o conteúdo funcional das carreiras docentes nos diferentes graus de ensino, tudo isto resultando na tradução normativa adequada.


19. Creio, em todo o caso, não dever igualmente perder-se de vista, na ponderação sugerida, a dimensão de investimento no mérito e na excelência de projectos de investigação apresentados por docentes e a possibilidade que possam ter de os concretizar em condições económicas mais propícias, bem como o interesse público na elevação da qualificação profissional e valorização científica dos corpos docentes, reflectida também na produção e difusão de saber nas instituições de ensino em que se integrem.


20. Em face do exposto, orientada a presente iniciativa por um propósito de clarificação do quadro normativo em que se esteia o financiamento das acções de formação avançada e qualificação de recursos humanos promovidas pela FCT, em nome dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, e ainda da transparência, fiabilidade e racionalidade dos procedimentos de concessão/renovação de bolsas de investigação científica – dimensões ínsitas num Estado de direito e estruturantes de todo o procedimento concursal público –, estou certo de que o presente assunto merecerá a adequada ponderação de Vossa Excelência, muito agradecendo que as conclusões alcançadas me sejam oportunamente comunicadas, nos termos e prazos estabelecidos no art.º 38.º do Estatuto do Provedor de Justiça, conforme acima invocado.


Apresento a Vossa Excelência os meus melhores cumprimentos,


O Provedor de Justiça,



Alfredo José de Sousa


 


 


 



Anexo: Decisão de recurso hierárquico (FCT).