A Sua Excelência
a Secretária de Estado da Administração Pública


Procº: R-100/03 (A6)


Data: 27/01/2003


Assessor: Ana Corrêa Mendes


Assunto: Retenção de bilhete de identidade



Têm sido apresentadas algumas queixas na Provedoria de Justiça, relativamente à prática muito comum da exigência de retenção do bilhete de identidade na portaria de serviços públicos, durante a permanência do visitante nas instalações e como forma de controlar o seu acesso.


Ora, compulsada a Lei de Identificação Civil em vigor (Lei 33/99, de 18 de Maio), para além da previsão, no seu art.º 42.º, n.º 1, que a “conferência de identidade … efectua-se [por] exibição do bilhete de identidade, o qual é imediatamente restituído após a conferência.”, verifica-se que é a mesma Lei bastante clara, no n.º 2 do artigo citado, ao preceituar que “É vedado a qualquer entidade pública ou privada reter ou conservar em seu poder bilhete de identidade, salvo nos casos expressamente previstos na lei ou mediante decisão judiciária.”


Para além da letra da Lei ser de meridiana clareza, a sua razão de ser também é perfeitamente compreensível, ao estabelecer a posse do Bilhete de Identidade como uma das concretizações mais visíveis do direito à identidade pessoal, estabelecido na Constituição.


Não vale, contra este preceito legislativo, argumentar-se que a entrega do documento de identificação é voluntária, constituindo um ónus para quem queira aceder a instalações públicas ou privadas. Para além de se duvidar da bondade de tal argumento, pela mais total ignorância em que o cidadão se encontra da possibilidade de recusar a entrega de tal documento, crê-se não ser possível a qualquer entidade, pública ou privada, estabelecer uma exigência que norma legal imperativa expressamente proscreve. Será, aliás, de conferir alguma utilidade à aparente tautologia que se surpreende na lei, ao justapor a retenção à conservação em seu poder do Bilhete de Identidade. Ora, se quanto à primeira se vislumbra um acto coercivo, quanto à segunda operação parece estar claramente abrangida a possibilidade de alguma participação o titular de tal documento.


O facto de estarmos perante prática muito difundida não a torna mais legítima, sendo certo que outros métodos alternativos de controlo podem ser perfeitamente estabelecidos, como já sucede em vários serviços públicos.


Nestes termos, tendo presente o teor dos preceitos legais acima referidos, sugiro a Vossa Excelência que, através dos meios que julgue mais adequados e oportunos, difunda junto dos serviços da administração pública a informação pertinente sobre a ilegalidade da conservação em seu poder do Bilhete de Identidade, salvas as excepções previstas na lei, designadamente para controlo de visitantes.