Exm.ª Senhora
Conservadora dos Registos Centrais


Procº: R-0440/02 (A6)


Data: 30/04/2003


Assessor: João Batista


Assunto: Aquisição da nacionalidade portuguesa – artigo 2.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro



Pretendendo a Senhora D. F…, cidadã angolana, adquirir a nacionalidade portuguesa ao abrigo do artigo 2.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, na redacção a esta dada pela Lei n.º 25/94, de 19 de Agosto, viu a mesma ser indeferido o pedido oportunamente apresentado junto da Conservatória dos Registos Centrais, com base no facto de a declaração exigida para o efeito ter sido prestada já na maioridade da exponente (cfr. despacho exarado no proc. 9188/03).


O preceito legal em apreço determina que “os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa podem também adquiri-la, mediante declaração”.


É, assim, o primeiro dos factores determinantes para recurso à forma de aquisição de nacionalidade presentemente em análise, o facto de um dos progenitores do interessado ter adquirido a nacionalidade portuguesa durante a menoridade do mesmo.


Ora, decorre da situação trazida ao conhecimento da Provedoria de Justiça que a mãe da requerente veio a adquirir a nacionalidade portuguesa, ao abrigo do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de Junho, por despacho datado de 27 de Maio de 1983, publicado no Diário da República – II Série, n.º 140, de 21 de Junho de 1983.


Por sua vez, reconhece a própria Conservatória dos Registos Centrais que “à data em que a sua mãe adquiriu a nacionalidade portuguesa a requerente era ainda menor”.


Todavia, buscando arrimo na letra do artigo 2.º da Lei n.º 37/81, e do artigo 10.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 322/82, de 12 de Agosto, na redacção a este dada pelo Decreto-Lei n.º 37/97, de 31 de Janeiro, vem concluir essa Conservatória que a aquisição da nacionalidade portuguesa pelos filhos do adquirente da nacionalidade portuguesa apenas opera, não só se existir menoridade ou incapacidade nesse momento, mas também no momento em que seja produzida a declaração exigida pelas normas citadas.


É consensual na análise da presente questão a necessidade de a aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do progenitor ter ocorrido na menoridade ou incapacidade do interessado, no primeiro caso ocorrendo valoração convergente com a que também justifica o art.º 14.º da Lei da Nacionalidade.


Parece, assim, centrar-se a problemática em apreço em torno da definição da existência de um prazo legalmente fixado, durante o qual podem os descendentes, menores ou incapazes, de indivíduos que tenham adquirido a nacionalidade portuguesa, vir a declarar a sua vontade, no sentido de idêntica aquisição, sob pena de caducidade do seu direito logo que atingida a maioridade ou, imagina-se, cessada a incapacidade.


A este respeito, noto que o despacho dessa Conservatória a que me reporto nenhum argumento aduz, limitando-se a fazer referência a uma posição doutrinária sobre questão que inteiramente aqui se não verificava, qual seja a da determinação de quem pode prestar a declaração em causa quando o interessado seja menor ou incapaz. Ora, para averiguar se a interessada no presente processo, claramente maior à data da declaração que pretendia fazer, estava ou não em tempo de a proferir validamente, não é minimamente interessante discutir quem o podia ter por ela feito em momento em que persistisse a sua menoridade.


Revela-se, assim, falho de fundamentação o acto administrativo em apreço, não sendo congruente a argumentação avançada com a conclusão tirada pela Administração.


Seria, assim, desde logo acertado que tal omissão fosse suprida, através do real exame da questão jurídica suscitada, o que desde já se traça nas linhas que se seguem.


Na verdade, desde logo recorrendo ao critério de interpretação consagrado no art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil, afigura-se que não encontrará essa Conservatória, nem no texto da Lei da Nacionalidade, nem no do seu Regulamento, o “mínimo de correspondência verbal” que permita “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo” que se pretende fazer valer, qual seja o da sujeição das declarações respeitantes à aquisição da nacionalidade (e, já agora, também da atribuição) a prazo de caducidade, designadamente impondo a sua prática durante a menoridade ou incapacidade do adquirente.


No que toca a tal declaração, reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “que um primeiro traço, que importa sublinhar, a respeito do novo regime (…) é a função de grande relevo que é reconhecida (…) à vontade dos indivíduos em todas as vicissitudes que a relação de nacionalidade pode apresentar” surgindo o mesmo “como um verdadeiro sujeito dessa relação” (Acórdão de 2 de Março de 1999 – Processo n.º 61/99 – 1.º Secção Cível).


De facto, encontra esta posição eco na doutrina, escrevendo-se que, por razões de “coerência sistemática (…) as manifestações de vontade a que a nossa lei dá relevo em sede de nacionalidade, são as manifestações de vontade do interessado, a quem se reconhece (…) um poder modelador na configuração do vínculo de nacionalidade”, tratando-se “pois, e sempre, de declarações do próprio interessado” (cfr. Ramos, Rui Moura, Do Direito Português da Nacionalidade, Biblioteca Jurídica Coimbra Editora, pg. 149).


A prová-lo vem, de resto, a própria estrutura da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, ao inserir-se o preceito sub judice na secção I do capítulo II, respeitante à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade.


Na verdade, a “Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro prevê que a aquisição da nacionalidade portuguesa possa ocorrer (…) por efeito da vontade do interessado, verificando-se certos pressupostos para tanto considerados relevantes“ – situações previstas nos artigos 2.º a 4.º (cfr. Ramos, Rui Moura, op. cit., pg. 145).


Desde logo, caberia assim estranhar que, em matéria tão delicada e com carácter tão pessoal como é a da nacionalidade, que liga um indivíduo a uma comunidade politicamente organizada em Estado, que a Lei portuguesa desse mais relevância à vontade de um representante legal do que à do próprio. Repare V.ª Ex.ª que assim seria, a fazer vencimento a tese aplicada no caso em apreço. Seria a vontade do representante legal da interessada, durante a sua menoridade, que a faria adquirir a nacionalidade portuguesa por efeito de vontade normativamente imputável a essa menor; pelo contrário, e repito que na ausência de norma que explicita ou implicitamente contenha tal orientação, defendeu essa Conservatória a plena irrelevância da declaração de vontade manifestada pela própria interessada, em momento em que tem esta já plena capacidade jurídica e entendimento para avaliar se pretende ou não constituir o vínculo jurídico-político em causa.


Não se contestando que a opção só seja dada a quem era menor ou incapaz no momento em que o progenitor adquire a nacionalidade portuguesa, parece bizarro que a opção que a lei faculta à vontade do interessado só seja possível de ser tomada, nunca por este mas sempre por um seu representante.


Aqui, como em vários lugares paralelos, onde a vontade do interessado assume um papel determinante na aquisição ou na atribuição da nacionalidade, não estabelece a Lei, como se disse, nenhum prazo de caducidade para a sua manifestação.


Assim é, no caso da atribuição, nas circunstâncias previstas no artigo 1.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro e no artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 322/82, de 12 de Agosto, na redacção a este dada pelo Decreto-Lei n.º 253/94, de 20 de Outubro e pelo Decreto-Lei n.º 37/97, de 31 de Janeiro, em que os filhos de pai ou mãe portuguesa, nascidos no estrangeiro, podem vir a adquirir a nacionalidade portuguesa, mediante declaração de vontade nesse sentido, independentemente de a mesma vir a ser prestada na menoridade ou na maioridade dos mesmos.


Também a norma, de algum modo transitória, do art.º 29.º da Lei nada exprime quanto à limitação temporal da possibilidade desse modo de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade.


Para obviar a qualquer distinção, que aliás aqui não colhe, entre o regime aplicável á aquisição e à atribuição de nacionalidade, sempre se dirá que também a declaração de aquisição pelo cônjuge de cidadão português não carece de ser proferida em determinado prazo, muito embora se exija o cumprimento dos requisitos substantivos de base para a validade dessa declaração – o facto de se exigir um mínimo de antiguidade do casamento, tal como no caso vertente estabelece a lei uma condição especial, qual seja a da menoridade ou incapacidade no momento da aquisição da nacionalidade pelo progenitor, repito, e não no momento da aquisição pelo descendente. O facto de a Lei exigir que a declaração do cônjuge seja proferida na constância do casamento é perfeitamente perceptível quanto à sua razão de ser, já que é em atenção a essa relação conjugal que se possibilita a aquisição do novo vínculo jurídico-político. Da mesma forma, no caso que aqui nos ocupa, o facto relevante é o do estabelecimento da filiação e não o da menoridade, este apenas configurando o universo dos potenciais adquirentes da nacionalidade por decorrência da aquisição da nacionalidade portuguesa pelo progenitor.


Não faria sentido, na verdade, que num caso se estabelecesse um prazo, que nada na lei exige, e no outro se permitisse uma declaração a todo o tempo, em raciocínio que parece sofrer de algum desfasamento valorativo.


A posição que aqui se critica depara também com alguns vícios de ordem lógica. Assim, estabelece o artigo 4.º da Lei da Nacionalidade que “aqueles que perderam a nacionalidade portuguesa por efeito de declaração prestada durante a sua incapacidade podem adquiri-la, quando capazes, mediante declaração”.


Pergunto a V.ª Ex.ª se não seria hermeneuticamente mais correcto não atribuir maior valor a uma omissão de quem representava o menor ou incapaz durante essa situação, do que a uma declaração expressa.


É que, conforme V.ª Ex.ª não deverá dissentir, se a perda (ou não aquisição) de nacionalidade portuguesa fosse devida a uma declaração expressa do representante legal, estou certo que essa Conservatória admitiria que viesse o interessado, já capaz, contrariar os efeitos dessa declaração, adquirindo a nacionalidade portuguesa, mediante declaração.


Ora, seguindo-se a perspectiva vertida por essa Conservatória no acto administrativo a que me reporto, seria coerente dizer-se que tinha sido a omissão do representante legal, durante a menoridade, não produzindo a declaração prevista no art.º 2.º da Lei da Nacionalidade, que teria conduzido à não aquisição da nacionalidade portuguesa. Não vejo a mínima razão para que, mesmo observando-se tal orientação, não se conceda a quem esteja nestas condições a possibilidade outorgada pelo art.º 4.º da mesma Lei, já que esta norma, mais do que suprir uma omissão, permite uma verdadeira revogação de declaração prestada por quem, nos termos gerais, representa o interessado, desde logo se imputando ao representado a vontade contida nessa declaração.


Como disse, se a revogação de vontade licitamente imputada à esfera jurídica do interessado é possível, com maior razão será possível superar a inércia do representante legal, que, em si mesma, nada mais exprime do que a ausência de qualquer vontade, positiva ou negativa, em relação à aquisição da nacionalidade.


Refiro, ainda, que o art.º 48.º do Regulamento da Nacionalidade, inserido em sede de disposições comuns às “declarações para fins de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade”, prevê a sua prática pelos próprios ou bastante procurador, sendo os interessados maiores, ou por representante, no caso dos incapazes, nada distinguindo no que toca ao tipo de declaração ou de vicissitude em causa, em moldes que permitissem amparar minimamente o entendimento contrário ao que sufrago.


Nesta matéria, afinal, a opção conferida pelo art.º 2.º da Lei da Nacionalidade “é referida aos filhos” e tem como escopo evitar o “reconhecimento da nacionalidade portuguesa em situações em que esta carecesse de todo de efectividade”, bem como acautelar, no entendimento que se faz da problemática em apreço, a possibilidade de os interessados poderem vir a manifestar, por si só, a sua vontade nesta matéria, num mecanismo de garantia que se reconhece ser da maior importância, uma vez que permite distinguir a posição dos progenitores e a dos seus descendentes (neste sentido, Ramos, Rui Moura, op. cit., pg. 148 e 149).


Noto que, em última instância, também se poderia defender que o entendimento aqui atacado criaria uma insustentável discriminação entre filhos menores e incapazes, estes, caso persistisse a sua incapacidade, podendo adquirir a nacionalidade a todo o tempo (mesmo largos anos após a morte do progenitor português), aqueles, no hipotético mas admissível limite, beneficiando de um só dia, caso atingissem a maioridade no dia imediatamente seguinte ao da aquisição da nacionalidade pelo progenitor, para beneficiar de uma eventual decisão nesse sentido do seu representante legal.


Noto que nada do que fica escrito, aliás neste modo de aquisição da nacionalidade como nos demais, obsta ao impedimento da constituição de relações espúrias, isto através da utilização do mecanismo da oposição, previsto no art.º 9.º da Lei, e cuja razoabilidade de aplicação, tendencialmente, sofrerá um aumento quanto mais tardia for a declaração, isto se, entretanto, nenhuma ligação à comunidade nacional for acarinhada ou se o interessado, beneficiando da sua nacionalidade de origem, exerça algum dos cargos aí explicitados.


Nestes termos, atendendo a tudo o que fica exposto, agradeço a V.ª Ex.ª que queira reexaminar a presente questão a esta luz, comunicando-me o entendimento que houver por bem assumir.