OUTRAS DECISÕES


Entidade visada: Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território
Nossa Ref.ª  – Procºs.: P-1/99 (Aç) e R-97/99 (Aç)
Data: 2000/03/20


Assunto: Eliminação de resíduos pelo sector cimenteiro – Recomendação n.º 6/A/99


Na Recomendação nº 6/A/99 que dirigi a Sua Excelência o Primeiro Ministro defendi o entendimento de que o despacho que aprovou o “Projecto de Eliminação de Resíduos pelo Sector Cimenteiro” deveria ser revogado, e que toda a Estratégia de Gestão de Resíduos Industriais deveria ser submetida a participação popular nos termos do disposto na Lei nº 83/95, de 31 de Agosto (Lei de Participação Procedimental).


Através do ofício nº 3202, de 24/02/00 do Gabinete do Primeiro Ministro, fui informado da decisão de Vossa Excelência, lavrada em parecer do Gabinete, no sentido do não acatamento da minha Recomendação nº 6/A/99. Vossa Excelência fundamentou esta posição alegando, em suma, que:






a) Existe identidade substantiva entre os procedimentos de consulta previstos na Lei nº 83/95 (LPP) e os procedimentos assegurados em sede de avaliação de impacte ambiental;


b) O processo foi suficientemente participado;


c) Constitui interpretação irrazoável face à Constituição a interpretação que se traduz na necessidade de realização de dois procedimentos autónomas de audição prévia;


d) A Recomendação nº 6/A/99 não refere nenhum elemento substancial do procedimento que tenha sido obliterado e que se tenha traduzido numa ausência concreta de audição ou de participação;


e) Não está preenchido o conceito de investimento público para efeitos de aplicação da Lei nº 83/95 (LPP);


f) A situação está ultrapassada pela intervenção superveniente da Assembleia da República.


Pela presente comunicação venho reafirmar o teor da minha Recomendação nº 6/A/99; mas venho, igualmente, manifestar a minha profunda estranheza pelo prosseguimento da prática contra legem de absoluto esquecimento da Lei de Participação Procedimental.


Devo, desde já, dar o devido destaque a uma realidade que o processo cuja instrução foi feita por este Órgão do Estado revelou: o Governo da República – através do Ministério do Ambiente – afirma expressamente, e em nome do princípio da eficiência da Administração, que nas situações em que a lei impõe a realização de uma avaliação de impacte ambiental (AIA) não há lugar à aplicação da Lei de Participação Procedimental. Estou em absoluta discordância com este entendimento. Com efeito, ao contrário do que é sugerido, a Lei nº 83/95 tem um âmbito de aplicação genericamente definido no artigo 1º, nº 2 – que exemplifica como interesses protegidos a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público – e concretizado no artigo 4º, nº 1 – que elenca o objecto do direito de participação nos seguintes moldes:





» Aprovação de planos de desenvolvimento das actividades da Administração Pública;




– Aprovação de planos de urbanismo;
– Aprovação de planos directores e de ordenamento de território;
– Decisão sobre a localização e a realização de obras públicas ou outros investimentos públicos com impacte relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do território nacional.


A fazer vencimento a tese – expendida na resposta de Vossa Excelência – de que os efeitos sobre o ambiente consomem os restantes interesses protegidos pela Lei nº 83/95 (LPP) então dever-se-ia necessariamente concluir pela aplicação da Lei de Participação Procedimental a todas estas situações (a par da realização do respectivo AIA) e não – como parece pretender Vossa Excelência – considerar como não escrita a Lei de Participação Procedimental.


O que mais me surpreende na argumentação de Vossa Excelência não é a louvável defesa da AIA mas a preocupada desvalorização da Lei nº 83/95. O que o Provedor de Justiça não deve deixar passar sem comentário é a circunstância da hipervalorização do conteúdo do AIA visar unicamente (porque só tem este efeito útil) o afastamento da aplicação da Lei de Participação Procedimental.


Em face de tudo quanto Vossa Excelência alega, importa perguntar: para que serve, afinal, a Lei nº 83/95?


Ajudará em muito na compreensão da posição do Ministério do Ambiente conhecer as situações que Vossa Excelência considera abrangidas pelo âmbito de aplicação da Lei de Participação Procedimental, bem como quais aquelas que redundaram, na prática quotidiana, no efectivo exercício do direito – consagrado no respectivo artigo 4º – de participação dos cidadãos.


Permito-me discordar, igualmente, da afirmação segundo a qual « sob pena de se ter de proceder a uma série contínua de referendos nacionais em relação a toda e cada uma das políticas definidas pelo Governo para orientar a actuação da Administração Pública (…), o bom entendimento do preceito da Lei nº 83/95 aponta para a sujeição ao mecanismo do art.º 4º dos procedimentos administrativos que possam afectar uma determinada população ou agregado populacional » (p.2). Como é bom de ver, projectos de obras públicas ou de investimentos públicos que influenciem as condições de vida da população de todo o território nacional não deixam, por essa via, de influenciar as condições de vida de cada um dos agregados populacionais. Mas também neste aspecto particular o Ministério do Ambiente não atendeu à letra da lei: como expressamente referi na minha Recomendação supra citada, nas situações em que a autoridade instrutora deva proceder a mais de vinte audições poderá ser determinado que os interessados se organizem de modo a escolherem representantes nas audiências a efectuar e, no caso daqueles não se fazerem representar, pode a entidade instrutora proceder à escolha, de entre os representantes de posições afins, de modo a não ser excedido o número de vinte audições (artigos 10º e 11º da LPP). Está, portanto, salvaguardada a exequibilidade (e a celeridade) da participação procedimental ainda que diga respeito a um conjunto vastíssimo de interessados.


Não posso, por outro lado, deixar de destacar que os procedimentos subsequentes ao despacho de 28 de Dezembro de 1998 que aprovou o “Projecto de Eliminação de Resíduos Industriais pelo Sector Cimenteiro” e, em especial, a circunstância de ter sido criado um regime especial de participação popular, não é mais do que o reconhecimento da justeza da Recomendação nº 6/A/99. E se, como é afirmado na resposta à minha Recomendação, a avaliação do impacte ambiental (AIA) preenchesse o objecto da Lei nº 83/95 (p.5), dificilmente se compreenderia a necessidade sentida de criar uma Comissão Científica Independente de Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-Incineração supervenientemente à escolha das unidades de Maceira e de Souselas. Ainda assim devo reafirmar que, ao contrário do que se verificou, a realização dos estudos científicos deveria ter sido salvaguardada antes da escolha das localizações, e devê-la-ia ter fundamentado.


Como referi anteriormente, a resposta de Vossa Excelência radica no entendimento de que se verifica o preenchimento do objecto da Lei nº 83/95 pelo estudo de impacte ambiental. A referência a estudo de impacte ambiental (EIA) resulta provavelmente de um lapso de escrita, uma vez que o EIA representa o início do procedimento de autorização ou licenciamento do projecto, o qual é apresentado pelo dono da obra à entidade licenciadora (artigo 3º, nº 1); e parece poder depreender-se que o parecer do Gabinete de Vossa Excelência pretendia mencionar avaliação de impacte ambiental (AIA). Mas, ainda que o tivesse feito, eu reafirmaria a minha convicção de que é inaceitável defender que foi possibilitado aos cidadãos que tomassem parte na instrução do procedimento administrativo que levou à escolha das localizações uma vez que não houve audiência prévia dos interessados relativamente à decisão de co-incinerar os resíduos industriais nem, tão pouco, à escolha da localização das unidades. Foi tão somente assegurada, o que é muito diferente, a consulta