ENTIDADE: TAP Air Portugal



ASSUNTO: Discriminação infundada no acesso ao emprego em função da idade, sexo e/ou património genético.




1. O presente processo teve em vista a apreciação de uma queixa apresentada pelo Senhor ……………… na qual este alegava ter a TAP Air Portugal promovido um processo de selecção e recrutamento de pessoal (categoria de pessoal navegante de cabine), fixando como requisitos a idade mínima de 20 anos e máxima de 26, por um lado, e a altura mínima de 1,60m para mulheres e 1,70m para homens, por outro. No entender do interessado, tais requisitos, sendo passíveis de consubstanciar uma discriminação infundada em função da idade e do sexo/património genético, violavam o preceituado dos artigos 22º, 23º e 27º do Código do Trabalho.



2. Auscultada sobre o assunto, a entidade visada forneceu os elementos factuais necessários à apreciação da questão e sustentou a sua posição com os seguintes fundamentos: a) As funções de comissário/assistente de bordo exigem certas características físicas, incluindo de imagem, que compete à empresa contratante predefinir; b) A fixação de uma altura mínima diferente para homens e mulheres foi estabelecida em conformidade com as adequadas curvas de percentis (diferentes para homens e mulheres), sendo que face a tais curvas seria uma discriminação contra as mulheres exigir que tivessem a mesma altura que os homens; c) Atendendo à sua larga experiência no recrutamento e gestão do pessoal navegante de cabine, entendeu a TAP que a idade óptima para ingressar neste tipo de profissão se situa entre os 18 e os 26 anos, já que as funções de pessoal navegante de cabine são, por um lado, muito exigentes em termos físicos, psicológicos e ao nível do impacto que produz na vida pessoal do trabalhador e, por outro lado, implicam um grande investimento da empresa ao nível da formação.



3. A Provedoria de Justiça considerou a queixa improcedente, com os fundamentos constantes do seguinte parecer:



PARECER:


Analisado todo o processo, verifica-se estar em causa a avaliação da legitimidade de dois critérios fixados pela TAP como condições de acesso ao posto de trabalho em apreço (categoria de PNC – pessoal navegante de cabine). São eles, a altura mínima de 1,60 para mulheres e 1,70 para homens, por um lado, e a idade máxima de 26 anos, por outro.



Desde logo, cumpre referir que as regras definidas nos artigos 22º e seguintes do Código do Trabalho e 30º e seguintes da Lei nº 35/2004, de 29/07, valem tanto para as relações de trabalho já estabelecidas como para o acesso ao emprego [vd. nomeadamente, artº 33º, nº 1, alínea a) da Lei nº 35/2004, de 29/07]. Significa isto que os critérios fixados nas ofertas de emprego não são livremente estabelecidos pelas entidades que os promovem, sendo limitados e tendo que respeitar escrupulosamente as regras relativas à não discriminação – directa ou indirecta  constantes dos preceitos legais supra mencionados.



Assim, sendo fixados em determinada oferta de emprego critérios ou factores de pré-selecção ou selecção que integrem a listagem constante do artº 22º, nº 2 ou 23º do Código do Trabalho  como será o caso da idade, do sexo ou do património genético  terá a inclusão desse factor que ser devidamente justificada à luz do estatuído nos artºs 23º, nº 2 do Código do Trabalho, ou seja, terá que ficar clara a razão pela qual esse factor, à partida discriminatório, não pode ser considerado, enquanto tal, naquele contexto. Enfim, tem que ser esclarecido por que razão tal factor é passível de constituir, naquele caso, ” (…) um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional (…)” em apreço, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.



No caso em análise, verifica-se que a TAP fixou como factores de pré-selecção (e, portanto, de exclusão) a altura mínima e a idade máxima que os candidatos deveriam ter.



No que respeita ao factor relativo à idade, julgo que as explicações fornecidas pela TAP no ofício que, em 08.07.2005, dirigiu a este órgão do Estado, satisfazem o legalmente estipulado a tal respeito.



Com efeito, a TAP fundamenta a condição da idade máxima da admissão por si estipulada, por um lado, na exigência que a função requer ao nível físico e psicológico para o trabalhador e nas implicações que o respectivo exercício tem na sua vida pessoal (grande disponibilidade e difícil compatibilização com a vida familiar), e, por outro, no investimento inicial que a empresa é obrigada a fazer aquando da contratação no que se refere à onerosa e demorada formação profissional que a função pressupõe.



Verifica-se, assim, que o critério da idade máxima de 26 anos formulado pela TAP se fundamenta em aspectos relacionados, quer com a pessoa do trabalhador, quer com a optimização dos recursos financeiros e humanos da própria empresa.



Como resulta do acima exposto, a fixação de um critério de pré-selecção relativo à idade  mínima ou máxima  dos candidatos, é possível face à lei vigente, desde que, “(…) em virtude da natureza das actividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução, esse factor constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional” (artº 23º, nº 2, do Código do Trabalho) o que, atentas as razões indicadas, se verificou no caso em apreço.



Aliás, faço notar que, também a Directiva 200/78/CE, permite expressamente, através do estipulado no seu artº 6º, nº 1, alínea c) “a fixação de uma idade máxima de contratação, com base na formação exigida para o posto de trabalho em questão ou na necessidade de um período razoável de emprego antes da reforma”.



No que se refere à condição da “altura”, julgo que será importante distinguir dois aspectos. Por um lado, temos a exigência de uma determinada altura mínima para exercício da função (passível de consubstanciar uma eventual discriminação em função do património genético) e , por outro, temos a diferenciação dessa mesma exigência em função do sexo (passível de consubstanciar uma discriminação em função do sexo).



Relativamente ao primeiro aspecto  exigência de uma determinada altura mínima para exercício da função – verifica-se que este requisito se fundamenta em razões de imagem que, atendendo aos usos da profissão em apreço, parecem ser atendíveis. Com efeito, estratégia de marketing das companhias aéreas em geral e da TAP em particular, passa pela definição da imagem  assente, nomeadamente, em critérios estéticos , que os seus colaboradores devem possuir e transmitir ao público.



Assim, será aceitável a exigência de determinadas características físicas no acesso a certos cargos. Nesse sentido se têm pronunciado alguns juslaboralistas, tais como Guilherme Machado Dray (1) ao referir que “(…) é perfeitamente admissível condicionar o exercício de determinadas profissões a certas características físicas dos trabalhadores candidatos, atenta a “natureza da tarefa a desempenhar“”.



No que se reporta ao segundo aspecto, entendo, na senda do veiculado pela empresa a tal respeito, não constituir o mesmo uma infundada discriminação, já que a diferença em causa é justificada pelas diferenças inerentes à própria constituição física dos homens e mulheres.



Com efeito, a igualdade visada legalmente não é uma igualdade meramente formal, mas sim uma igualdade substancial, a qual, no caso em apreço, só é atingida se forem atendidas as especificidades atinentes a cada sexo. “Enquanto a igualdade formal interdita qualquer tipo de particularização e aplica a lei sem olhar aos seus destinatários, a igualdade material preocupa-se com as características próprias dos sujeitos a que se destina, prescrevendo muitas vezes regimes especificamente adequados a tais sujeitos (2)



A igualdade de oportunidades no acesso ao posto de trabalho em causa estará, assim, mais eficientemente garantida se tivermos em conta que, muito provavelmente, em termos médios, a altura de 1,60 no sexo feminino, equivalerá à altura de 1,70 no sexo masculino. Desta forma estará, à partida, considerado igual número de homens e mulheres no acesso à função em questão.



Com efeito, no presente caso, a exigência de igual altura para ambos os sexos (o que consubstanciaria uma igualdade formal), muito provavelmente redundaria numa discriminação das mulheres, atentas as suas características físicas, pondo, consequentemente em causa a igualdade material que se pretende acautelar. “A igualdade material concebe a sociedade como um conjunto de pessoas sexualizadas, cujo respectivo sexo é susceptível de ditar tratamentos diferenciados (…)”. Quando se trata de forma igual situações que em si mesmas são distintas, a igualdade metamorfoseia-se em discriminação (3)“.



A prossecução da igualdade real ou substancial imposta constitucionalmente, implica a promoção de diferenciações. Como refere Guilherme Machado Dray (4)“(…) o Tribunal Constitucional afirmou, em inúmeros arestos, a necessidade de promoção de diferenciações como forma de prossecução da aludida igualdade real. Assim, entre outras passagens igualmente significativas, destacam-se as seguintes:




· O princípio da igualdade “não só autoriza, como pode exigir desigualdades de tratamento (5)“;


· O âmbito de protecção do princípio da igualdade “abrange as seguintes dimensões: proibição de arbítrio, proibição de discriminação, obrigação de diferenciação (6)



Refere, ainda, o Tribunal Constitucional que “o princípio da igualdade não se reduz a uma pura dimensão formal – a uma mera igualdade ‘perante a lei’ – traduzida na simples imparcialidade da aplicação desta, qualquer que seja o seu conteúdo: assume bem mais do que isso uma dimensão material que se impõe ao próprio legislador, e exige assim uma verdadeira igualdade “da lei” (…) seja como for, a realização “material” da igualdade exige diferenciações, o que postula uma intervenção e concretização diferenciadora do legislador” (7).



E ainda a propósito do princípio da igualdade, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 353/98 (8): “O princípio da igualdade requer que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Reclama, por isso, respeito pela diferença. Ele não proíbe distinções de tratamento. Proíbe tão-só a discriminação, o arbítrio legislativo – é dizer: as soluções irracionais ou desrazoáveis, carecidas de fundamento material bastante” .



Em sentido idêntico se tem pronunciado o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, designadamente no Acórdão de 09.12.2004 (9), no qual se pode ler: “(…) em conformidade com a jurisprudência do Tribunal, este princípio da igualdade de remunerações, assim como o princípio geral da não discriminação do qual é uma expressão particular, pressupõe que os trabalhadores masculinos e os trabalhadores femininos que dele beneficiam se encontrem em situações idênticas ou comparáveis”. “No caso em apreço, é pacífico que as disposições do plano social (…) prevêem uma diferença de tratamento entre os trabalhadores, directamente baseada no sexo, pois fixam a idade em que se verifica o direito à pensão de pré-reforma, em 55 anos para os homens e em 50 anos para as mulheres. Contudo, segundo a Roche e a República da Áustria, essas disposições não têm por objecto nem por efeito estabelecer uma discriminação em relação aos trabalhadores masculinos. Sustentam (…), que os trabalhadores masculinos despedidos com idades compreendidas entre os 50 e os 54 anos não se encontram numa situação idêntica ou comparável à dos trabalhadores femininos da mesma faixa etária. Por conseguinte, é contrário ao princípio da igualdade de tratamento que a mesma regra seja aplicada a situações objectivamente diferentes”.



Face a tudo o exposto, é forçoso concluir que as condições de admissão fixadas pela TAP no caso em apreço, porque justificadas, não consubstanciam uma discriminação ilegal.


  


 


 


 





Notas de rodapé:


(1) Guilherme Machado Dray, in “O Princípio da Igualdade no Direito do Trabalho”, Almedina, Coimbra, 1999, pg. 280.


(2) Vera Lúcia Raposo in “Os limites da igualdade: um enigma por desvendar” – Questões Laborais nº 23, Ano XI – 2004, pg. 42 e ss..


(3) Vera Lúcia Raposo, ob cit., pg. 43.


(4) Ob. cit., pg. 117.


(5) Acórdão do Tribunal Constitucional nº 126/84, de 12/12/1984 – transcrito por Guilherme Machado Dray, in ob. cit., pg. 117.


(6) Acórdão do Tribunal Constitucional nº 80/86, de 12/03/1986, idem, pg. 117.


(7) Acórdão do Tribunal Constitucional nº 458, de 25/11/1982, idem, pg. 113.


(8) Publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 1998.


(9) Processo C-19/02 (pedido de decisão prejudicial relativo a processo no qual são partes Viktor Hlozek e Roche Austria Gesellschaft MbH)