Assunto: Fiscalidade. IRS. Reembolsos suspensos. Incumprimento da lei fiscal pelas entidades patronais do sujeitos passivos.


Objecto: Consequências para os sujeitos passivos do incumprimento, pelas entidades pagadoras de rendimentos, da obrigação estabelecida na alínea c) do n.º 1, do artigo 109.º do Código do IRS, de entrega à Administração Fiscal de declaração dos rendimentos postos à disposição do seus trabalhadores e respectivas retenções na fonte, relativos ao ano anterior.


Decisão: Arquivamento do processo na sequência de Despacho do Senhor Dr. João Durão, enquanto substituto legal do Senhor Director-Geral dos Impostos, datado de 06.12.2005, em concordância com a Informação nº 1933/05 formulada pela Direcção de Serviços de IRS, no sentido de não permanecerem suspensas as liquidações dos contribuintes, enquanto a Administração Fiscal procede às necessárias diligências com vista ao cumprimento por parte das respectivas entidades patronais da obrigação prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do IRS.


 


Síntese:


1. A Provedoria de Justiça instruiu um processo em que a Reclamante A. viu suspensos reembolsos de IRS referentes a 2001 e a 2002, em virtude da respectiva entidade patronal não ter procedido à entrega da declaração a que se refere a alínea c) do n.º 1, do artigo 109.º do Código do IRS.


2. Em 10 de Agosto de 2004, o Serviço de Finanças de Lisboa–1 foi auscultado com vista a indagar se em seu entendimento, nestes casos, é ao trabalhador que compete averiguar os motivos pelos quais a entidade patronal não teria procedido à entrega da declaração a que se refere a alínea c) do n.º 1, do artigo 109.º do Código do IRS. Respondeu aquela entidade, em 07.09.2004, não ter posição quanto à questão, mas que verificava que, em casos similares, a suspensão da liquidação se mantinha; motivo pelo qual fora, efectivamente, sugerido à contribuinte a averiguação junto da entidade patronal das razões da falta declarativa.


 3. A Direcção de Finanças de Lisboa, por seu turno, chamada a pronunciar-se sobre a mesma questão, na mesma data, esclareceu a sua posição concreta sobre o assunto, em 13.12.2004, elencando os procedimentos adoptados, nestes casos, bem como o seu fundamento legal.


 4. Assim, informava-se que, para os contribuintes seleccionados no âmbito do Código A17, era efectuada uma análise rigorosa da declaração a que se refere o artigo 119.º do CIRS, procedendo-se ao cruzamento da mesma com o Anexo J à declaração, entregue pela entidade patronal, bem como os respectivos documentos anexos.


 5. Mais se acrescentava que, se a entidade patronal, apesar de notificada para proceder à apresentação da referida declaração anual, continuasse sem o fazer, o processo seria remetido para a inspecção tributária, a fim de ser desencadeada uma acção inspectiva.


6. Invocando o n.º 4 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária (relativa à obrigação de colaboração dos contribuintes com a Administração Fiscal) e o n.º 1 do artigo 74.º da LGT (segundo a qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração ou dos contribuintes recai sobre quem os invocar) aquela Direcção de Finanças considerava que, se o contribuinte invocasse o direito a um determinado reembolso, a Administração Tributária teria de ter em seu poder os documentos e elementos necessários de prova.


7. Acrescia que a presunção do n.º 1 do artigo 75.º da LGT (segundo a qual são verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita quando estiverem organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal) não se verificaria, de acordo com aquela Direcção de Finanças, quando o contribuinte não cumprisse os deveres que lhe coubessem para esclarecimento da sua situação tributária, (salvo quando, nos termos daquela Lei, fosse legítima a recusa de prestação de informações).


8. Procurou-se, então, obter a posição assumida pela Direcção-Geral dos Impostos quanto ao assunto em causa, em 09.09.2005. No ofício então remetido, argumentou a Provedoria de Justiça que um contribuinte que visse o seu reembolso suspenso não podia ser penalizado por «não cumprir os deveres que couberem para esclarecimento da sua situação tributária».


9. Com efeito, referia-se ali, o trabalhador não tem qualquer poder para influenciar a actuação da sua entidade patronal, nomeadamente em matéria de cumprimento das obrigações tributárias da mesma. Assim, dificilmente se poderia considerar que uma omissão declarativa de uma entidade patronal possa reverter a desfavor do trabalhador, como acontecerá se a Administração Tributária fizer depender o pagamento dos reembolsos do trabalhador, da apresentação de declarações, de outros elementos, ou ainda de esclarecimentos por parte da entidade patronal.


10. É que, neste caso, concluía-se, quem incumpre os seus deveres de colaboração com o fisco é a entidade patronal e não o trabalhador, pelo que carece de legitimidade qualquer acção penalizadora do mesmo.


11. Por fim, procurava fazer-se ver que a posição defendida pela Direcção de Finanças de Lisboa era prejudicial à própria Administração Fiscal que tem de pagar juros indemnizatórios sobre os valores de reembolsos pagos em atraso em virtude de suspensão por motivo não imputável ao contribuinte.


12. Sobre o assunto foi formulada a Informação n.º 1933/05, pela Direcção de Serviços do IRS, cujas conclusões foram no seguinte sentido: 



a) verificando-se que determinada entidade patronal não cumpriu as suas obrigações acessórias, nomeadamente não procedeu à entrega da declaração Modelo 10, deverá a Administração Tributária encetar os procedimentos necessários a que a mesma cumpra a referida obrigação, notificando-a para a apresentar com o pagamento da coima que se mostre devida; 


b) na circunstância de aquela entidade não cumprir essa obrigação no prazo que lhe for fixado, não deverá, por esse motivo, continuar suspensa a liquidação do contribuinte (desde que o contribuinte haja comprovado os elementos constantes da declaração de rendimentos, com os documentos que possuir – por exemplo a nota entregue pela entidade patronal ou os recibos de vencimentos), sob pena de se afectar os direitos e interesses legítimos dos administrados em termos desadequados e desproporcionais aos objectivos a realizar, ferindo-se o princípio da proporcionalidade; 


c) assim, deve a Administração Tributária emitir o reembolso a que o contribuinte eventualmente tenha direito, sem embargo de prosseguir com as acções tendentes ao cumprimento da obrigação, desencadeando, nomeadamente, uma acção inspectiva.


13. Acrescentava aquele Informação, que este procedimento evitaria que viessem a ser pagos juros indemnizatórios a favor do contribuinte, por atraso no pagamento do reembolso, caso este fosse devido e não fosse pago no prazo legal; e não impede que a declaração seja corrigida dentro do prazo de caducidade, se a inspecção à entidade patronal vier a apurar elementos diversos dos declarados pelo sujeito passivo.


14. Sobre esta informação, foi proferido Despacho por parte Senhor Dr. João Durão, enquanto substituto legal do Senhor Director-Geral dos Impostos, datado de 06.12.2005, no sentido de concordância com aquela informação, sem prejuízo da eventual reavaliação dos pressupostos que deram origem ao Código de Análise A17.


15. Tendo sido atingidos, assim, os objectivos estabelecidos para a instrução do processo, foi o mesmo mandado arquivar.