Reparo / Censura


Entidade Visada: Secretário de Estado da Educação


Assunto: Despacho de 10 de Janeiro de 2006. “Manifestação de preferências para contratação – n.º 6 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 35/2003, de 17 de Fevereiro”. Concurso. Princípios da legalidade, da igualdade e da estabilidade das regras.



1. Foram dirigidas ao Provedor de Justiça várias queixas relativas ao despacho de 10 de Janeiro de 2006, do Senhor Director-Geral dos Recursos Humanos da Educação, proferido no âmbito do “concurso de educadores de infância e de professores dos ensinos básico e secundário para o ano escolar de 2005-2006”.


De acordo com as queixas apresentadas, o referido despacho contraria o n.º 6 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 35/2003, de 27 de Fevereiro, na medida em que, por um lado, elimina escolhas feitas pelos candidatos nos termos do mesmo, tornando equivalentes para efeitos de contratação, contra a lei, qualquer uma -de entre duas- opções e, por outro lado, porque trata desigualmente os candidatos num mesmo concurso, ao admitir que alguns, em momento subsequente ao termo do prazo de candidatura, redefinam a exacta situação em que concorrem.


2. Sobre o assunto, esclareceu a Senhora Directora dos Serviços de Assuntos Jurídicos e Contencioso da Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação, em 16 de Março último, através do ofício n.º 03958, de 17.03.2006, o seguinte: (1) por força do despacho em referência verificou-se a “readmissão a concurso de todos os candidatos que, por opção, apenas manifestaram preferência pelos contratos previstos pela alínea a), do n.º 6 do art. 12º do Decreto-Lei n.º 35/2003, de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 20/2005, de 19 de Janeiro”; (2) tal ficou a dever-se ao facto de “se ter verificado que a norma que regula a referida manifestação de preferências ser imprecisa no que se refere aos conceitos nela contidos”, que os “candidatos não procederam à diligente integração do conteúdo do formulário de candidatura e suas instruções, em relação à regra legal que regula a manifestação daquelas preferências”; (3) à razão de se ter tido em conta que “um assinalável número de candidatos que haviam deixado de estar a concurso simplesmente por esse facto, e também, atendendo à experiência passada (2004) relativamente à questão do campo 8.6 do formulário de candidatura, foram ponderadas as implicações que esta teria no concurso, pelo que em cumprimento dos princípios da justiça e boa fé, a DGRHE decidiu readmitir esses candidatos a concurso”; (4) refere-se ainda que não se procedeu “a qualquer alteração do conteúdo de quaisquer formulários de candidatura, uma vez que, se mantêm todas as preferências manifestadas por todos os candidatos.” (itálicos nossos).


Em 6 de Fevereiro último, V. Ex.ª indeferiu recursos hierárquicos interpostos do “acto de homologação das listas de colocação cíclica”, com os fundamentos constantes da Informação n.º 66/DSAJC/2006, de 25 de Janeiro de 2006. Em suma, invoca-se que os candidatos que se habilitaram ao concurso fazendo a opção pela alínea a) do n.º 6 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 35/2003, de 17 de Fevereiro, queriam, de facto, fazer uma opção pela alínea b) do mesmo número, pelo que, tendo eles vindo manifestar, junto da Administração, a sua real vontade, importava atender a esta última.


3. O despacho em causa, publicitado no site da Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação, tem o seguinte teor:


O n.º 6 do artigo 12.º do D.L. 35/2003 conferiu aos candidatos opositores à contratação destinada à satisfação de necessidades residuais a possibilidade de manifestarem as suas preferências quanto à duração previsível do contrato, nos termos seguintes:





a) Contratos a celebrar durante o 1.º período lectivo, com termo em 31 de Agosto;
b) Contratos de duração temporária.


Ao preencherem o formulário da sua candidatura, os candidatos, de acordo com o normativo, deveriam no campo 4.5.6 declarar para cada uma das preferências a sua opção quanto à duração do contrato, accionando a correspondente indicação.


Ao ser publicada a 14.ª cíclica no passado dia 5 do corrente mês de Janeiro, constatou-se que um grande número de candidatos à contratação optou pela al. a), contratos com termo em 31 de Agosto, celebráveis apenas durante o 1.º período.


Em consequência, foram esses candidatos retirados das listas para contratação publicáveis a partir de início do segundo período e até ao final do corrente ano, restando-lhes apenas a possibilidade de se apresentarem à oferta de escola.


Cientes das implicações negativas que uma opção incorrecta como aquela que foi expressa por tais docentes, comporta nas suas vidas, irá a DGHE readmitir a concurso, a partir do próximo dia 11 do corrente mês de Janeiro, todos os candidatos que se encontram afastados em resultado da escolha efectuada, recolocando-os nas listas para a contratação, respeitando a sua graduação.


Saliente-se que a decisão ora tomada não afectará o curso normal da contratação cíclica.”


4. O n.º 6 do artigo 12º do Decreto-Lei n.º 35/2003, de 27 de Fevereiro (republicado pelo Decreto-Lei n.º 20/2005, de 19 de Janeiro) estabelece que “Para efeitos da contratação, podem ainda os candidatos, respeitados os limites mencionados no n.º 2, manifestar as suas preferências quanto à duração previsível do contrato, nos termos previstos nas alíneas seguintes: // a) Contratos a celebrar durante o 1.º período lectivo, com termo em 31 de Agosto; // b) Contratos de duração temporário. (itálicos nossos)”


De acordo com este preceito, os candidatos podiam (ou não) manifestar preferência (sem que o estivessem obrigados a fazer) quanto ao tipo de contrato que pretendiam celebrar e são dois os tipos de contratos passíveis de serem celebrados.


A candidatura a concurso deve obrigatoriamente conter a formulação de preferências, designadamente, quanto ao n.º 6 do artigo 12.º e à alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 35/2003, de 27 de Dezembro.


O ponto XXIV do aviso de abertura do concurso n.º 1413-B/2005 (2.ª série), de 11 de Fevereiro de 2005, p. 2016, estabelece, respectivamente, nos n.ºs 3, 3.1. e 4, que os candidatos podem “manifestar as suas preferências quanto à duração previsível do contrato nos termos das alíneas a) e b) do n.º 6 do mesmo artigo [12.º]”; que “respeitadas as preferências e os intervalos, os candidatos são colocados no horário com maior duração previsível. (…); e que “a ordenação na lista de colocação tem necessariamente em conta o referido nos números anteriores (…)” (itálicos nossos).


No mesmo aviso, no ponto XV, estabelece-se que os “candidatos dispõem do prazo de cinco dias úteis, a contar do dia imediato ao da publicação das listas, para verificar todos os elementos constantes das listas e dos verbetes, e reclamar” (n.º 1), sob pena de se terem por aceites todos os elementos (n.º 2). No prazo das reclamações, os candidatos poderão “desistir total ou parcialmente do concurso e da totalidade ou parte das preferências, não sendo admitidas alterações às preferências inicialmente manifestadas.” (n.º 5 – itálico nosso).


5. As normas legais do n.º 6 do artigo 12.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 35/2003, de 27 de Fevereiro, são, ao invés do que é arguido, claras e precisas, não deixando qualquer margem para dúvida relativamente ao seu sentido e ao efeito da manifestação de preferência quanto à duração do contrato. De igual modo o são as informações constantes do aviso de abertura, transcritas. Os elementos disponíveis eram idóneos a permitir uma opção (facultativa) informada.


O quadro de referências do procedimento concursal (qualquer que ele seja), dado pelas normas legais e pelo aviso do concurso, não pode ser modificado, devendo manter-se estável, por “óbvias razões de justiça e de objectividade” (1) e de legalidade.


No caso concreto, tal quadro de referências foi alterado, na medida em que, por decisão administrativa, se tornou indiferente, para efeitos de contratação, a manifestação de preferência dos candidatos, pela alínea a) ou b) do n.º 6 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 35/2003, de 27 de Dezembro, e, portanto, pela celebração de um ou outro dos contratos nelas referidas. Ao arrepio da lei e do disposto no aviso de abertura, foram incluídos nas listas ordenadas para contratos a celebrar depois do 1.º período candidatos que expressaram no seu formulário de candidatura pretenderem apenas “contratos a celebrar durante o 1.º período lectivo”.


Não se diga que os candidatos em causa expressaram, no formulário respectivo, uma vontade diferente da sua vontade real (2) (artigo 247.º do Código Civil). Por um lado, porque não estamos no domínio dos negócios jurídicos, mas de um concurso público. O procedimento de concurso é um procedimento administrativo concorrencial, no que existem vários aspirantes ou candidatos a um bem ou vantagem e que, portanto, deve realizar-se, estruturalmente, em estritas condições de igualdade. O despacho de 10 de Janeiro de 2006, introduz alteração na ordem de contratações, propiciando a de candidatos que “haviam deixado de estar no concurso” (ofício n.º 3958, de 17.03.2006, de 16.03.2006, da DGRHE) e, consequentemente, afectando a situação concursal dos demais candidatos (a dos que não fizeram qualquer manifestação de preferência quanto à duração do contrato e a dos que manifestaram preferência por qualquer contrato de duração temporária).


Por outro lado, a procedência do erro na declaração pressupõe a desculpabilidade do mesmo. Ora, no caso concreto, as normas legais e o disposto no aviso não deixam, para um destinatário comum, margem para dúvidas, tanto mais que se trata de uma opção a que os candidatos não estavam sequer obrigados. Daí a alusão, no ofício n.º 3958, de 17.03.2006, à falta de “diligência” dos candidatos (3).


Consentaneamente com as exigências de um qualquer concurso, o n.º 5 do ponto XV do aviso de abertura estabelece que não são “admitidas alterações às preferências inicialmente manifestadas”.


6. Em face do exposto, conclui-se que a decisão de 10 de Janeiro de 2006, do Senhor Director-Geral da Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação é ilegal a vários títulos: ao afastar o n.º 6 do artigo 12.º e a alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 35/2003, de 27 de Fevereiro, viola a lei (artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo); ao alterar os pressupostos de candidatura e desvincular-se do que daquelas normas e do aviso de abertura decorre ofende o princípio da estabilidade das regras (artigos 6.º; 6.º-A, do CPA e, mutatis mutandis, artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho); e ao permitir que alguns dos candidatos, em detrimento de outros, redefinissem os termos exactos da sua candidatura, para os incluir nas listas de contratação cíclica, das quais já não poderiam fazer parte (como, aliás, o próprio despacho refere), contraria o princípio da igualdade (artigo 47.º, n.º 2, da CRP, e artigo 5.º do CPA).


7. Acresce que, ao “readmitir a concurso” “candidatos retirados das listas para contratação”, o despacho de 10 de Janeiro de 2006, tem, prima facie, a natureza de um acto revogatório da admissão anterior a tais listas de contratação. Como tal, impunha-se que indicasse o fundamento legal revogatório. No entanto, o mesmo é inteiramente falho quanto ao mesmo, pelo que também à luz do artigo 124.º, n.º 1, alínea e) e do artigo 125.º do CPA é discutível a sua validade.


8. Nestes termos, merece censura jurídica o despacho de 10 de Janeiro de 2006, do Senhor Director-Geral dos Recursos Humanos da Educação e, na medida em que o manteve, o despacho de indeferimento do recurso hierárquico dele interposto.


   


 





Notas de rodapé:


(1) Com a definição do “quadro global de referências em que o processo de recrutamento e selecção vai decorrer”, a Administração autovincula-se ao mesmo e “não pode, por isso, vir subsequentemente a alterar” tal procedimento, por “óbvias razões de justiça e de objectividade” (REBELO DE SOUSA, Marcelo, O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo, Lisboa, 1994, p. 69).
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(2) Informação n.º 66/DSAJC/2006, de 25 de Janeiro de 2006.
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(3) Concretamente: os “candidatos não procederam à diligente integração do conteúdo do formulário de candidatura e suas instruções, em relação à regra legal que regula a manifestação daquelas preferências”.
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