ANOTAÇÃO


Processo: R-2506/04
Área: A2
Assessor(a): Ana Guerreiro Pereira


Assunto: Acesso a profissão. Exigência de seguro de responsabilidade civil para o exercício da profissão de guarda-nocturno.


Objecto: Legalidade e exequibilidade da exigência formulada por várias Câmaras Municipais no sentido da constituição de seguro de responsabilidade civil pelos candidatos à profissão de guarda-nocturno.


Decisão: Após reiteradas diligências junto da Secretaria de Estado da Administração Local, foi sancionado o entendimento de que são inválidas as disposições dos regulamentos municipais que tornaram obrigatória a constituição do seguro de responsabilidade civil, tendo a Direcção-Geral das Autarquias Locais sido encarregue de promover a divulgação desta orientação pelos municípios visados.




Síntese
:



1. A queixa apresentada diz respeito aos requisitos necessários para o desempenho da actividade de guarda-nocturno, cujo exercício, até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18.12, se encontrava regulado pelo Decreto-Lei n.º 316/95, de 28.11.



2. Através daquele diploma (Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18.12) procedeu o Governo à transferência de competências dos Governos Civis para as Câmaras Municipais relativamente ao licenciamento de determinadas actividades, entre as quais se inclui a de guarda-nocturno.



3. Nesse diploma, designadamente no seu art.º 8.º, encontra-se definido o conjunto dos deveres gerais a que estão sujeitos os guardas-nocturnos, sem que se faça qualquer exigência relativamente à necessidade de constituição de um seguro de responsabilidade civil a favor de terceiros.



4. No entanto, estabelecendo o art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 310/2002 supra citado que o regime dessa actividade fica a cargo de regulamentação municipal, algumas Câmaras Municipais, passaram a exigir, nos termos dos respectivos regulamentos municipais, como condição prévia à emissão de licença de guarda-nocturno, que o requerente contrate um seguro de responsabilidade civil que garanta o pagamento de uma indemnização por danos causados a terceiros no exercício e por causa da sua actividade.



5. Sucede, porém, que a maior parte das companhias de seguro tem vindo a recusar-se a celebrar esse tipo de seguro, o que, naturalmente, inviabiliza a obtenção das licenças como guarda-nocturno junto das autarquias de cujos regulamentos municipais conste a exigência desse tipo de seguro.



6. Colocado o assunto à consideração do (então) Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, remeteu a Secretaria de Estado da Administração Local cópia de uma Informação elaborada pela Direcção-Geral das Autarquias Locais, na qual se defendeu que um regulamento municipal não podia prever deveres, como seria o da obrigatoriedade do contrato de seguro para o exercício da actividade de guarda-nocturno, que a própria lei não previu.



7. Tendo por base esta conclusão, retomou a Provedoria de Justiça as diligências instrutórias junto daquela Direcção-Geral com o objectivo de equacionar a melhor forma de divulgar este entendimento junto dos vários municípios, para que ponderassem então a revogação das disposições dos respectivos regulamentos que previssem a obrigatoriedade da constituição do seguro de responsabilidade civil.



8. Muito embora S.ª Ex.ª o Secretário de Estado da Administração Local tivesse então emitido um despacho de concordância relativamente àquela Informação da Direcção-Geral das Autarquias Locais, quando confrontada pela Provedoria de Justiça sobre as providências que iriam ser adoptadas junto dos municípios para que fossem retiradas dos respectivos regulamentos municipais as disposições relativas à obrigatoriedade de constituição do referido seguro, essa Direcção-Geral respondeu que “de momento não é oportuno adoptar-se qualquer providência junto das autarquias locais, na medida em que se encontra perspectivada uma futura revisão do Decreto-Lei n.º 310/2000, de 18 de Dezembro”.



9. Reconhecendo que a resolução do problema objecto de queixa não poderia ficar suspensa daquela revisão, prosseguiu a Provedoria de Justiça a instrução do processo junto daquela Secretaria de Estado, para que esclarecesse qual o regime que transitoriamente deveria vigorar, pois já se havia admitido a invalidade das disposições regulamentares municipais.



10. Após várias diligências, registou-se um recuo na posição anteriormente assumida, tendo a Provedoria de Justiça sido informada de que, afinal, considerava-se agora que a exigência formulada enquadrava-se perfeitamente na legislação aplicável e nas competências dos municípios, o que motivou o envio de um novo ofício a S.ª Ex.ª o Secretário de Estado da Administração Local.



11. Remetido o assunto para o Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros, veio a ser elaborado um Parecer que mereceu a concordância de S.ª Ex.ª o Secretário de Estado da Administração Local e que corresponde ao entendimento que reiteradamente defendeu a Provedoria de Justiça, uma vez que :




a) Se concluiu pela invalidade dos regulamentos municipais quanto às disposições relativas aos seguros de responsabilidade civil postos em crise, quer sob o plano da respectiva legalidade, quer sob o plano da respectiva constitucionalidade;


b) Foi dado conhecimento à Direcção-Geral das Autarquias Locais para que divulgasse junto dos municípios essa posição;


c) Caso se mantivesse a invalidade dos regulamentos, foi ainda equacionada a possibilidade de o Governo vir a determinar a realização de uma inspecção que tivesse como objecto a verificação da legalidade dos regulamentos autárquicos e remeter o correspondente relatório ao Ministério Público, que poderia vir a impugnar directamente as referidas normas junto da jurisdição administrativa.


12. Nestes termos, foi determinado o arquivamento do processo, na convicção de que, na medida do que lhe seria exigível, a Secretaria de Estado da Administração Local estaria já a diligenciar pela resolução do assunto.



13. Não obstante, a comunicação do arquivamento do processo àquela Secretaria de Estado foi acompanhada de uma chamada de atenção, alertando para o facto de que, se a revisão do regime do exercício da actividade de guarda-nocturno viesse a implicar a consagração legal da obrigatoriedade de constituição do referido seguro de responsabilidade civil, ter que se ponderar que as Seguradoras se recusam habitualmente a contratar este tipo de seguros, de forma a não se cair numa situação de manifesta inexequibilidade do regime de acesso a esta profissão.



14. Posteriormente, a Secretaria de Estado da Administração Local informou o Provedor de Justiça que já havia divulgado o entendimento assumido sobre o assunto junto de todos os municípios, através de ofício-circular da Direcção-Geral das Autarquias Locais, solicitando ainda que se pronunciasse sobre um projecto de diploma destinado a consagrar a obrigatoriedade legal da constituição de seguro de responsabilidade civil para o acesso à profissão de guarda-nocturno.



15. Respondendo a essa solicitação, reiterou o Provedor de Justiça a posição anteriormente expressa quanto à necessidade de serem instituídos mecanismos capazes de garantir a exequibilidade dessa exigência, isto é, de resolver a habitual recusa da parte das Seguradoras em cobrir este tipo de riscos.



16. Para o efeito, sugeriu o Provedor de Justiça que fosse ponderada uma solução análoga à que foi prevista para o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (cfr. art.º 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro) e para o seguro obrigatório de acidentes de trabalho para os trabalhadores independentes (cfr. art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de Maio), isto é, que, no caso de recusa da contratação desse seguro por três Seguradoras, caiba ao Instituto de Seguros de Portugal designar uma empresa de seguros para o efeito.