PARECER


Entidade visada: Serviço Nacional de Saúde
Proc.º: R-806/07 (A6)
Área: A6



Assunto: Análises clínicas e outros meios complementares de diagnóstico. 


Foi apresentada ao Provedor de Justiça exposição relativamente à alegada obrigatoriedade da realização de meios complementares de diagnóstico dentro de determinada unidade local de saúde. Argumentava-se estar em causa a liberdade de escolha do utente e a de iniciativa económica dos proprietários de unidades privadas, com reflexos negativos no emprego.


As directrizes da política de saúde nacional, previstas na Base II da Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto) estabelecem que:



· “os serviços de saúde estruturam-se e funcionam de acordo com o interesse dos utentes e articulam-se entre si (…)” [alínea d)];


· “a gestão dos recursos disponíveis deve ser conduzida por forma a obter deles o maior proveito socialmente útil e a evitar o desperdício e a utilização indevida dos serviços” [alínea e)].


Ainda na Lei de Bases da Saúde se estipula que “os cidadãos têm direito a que os serviços públicos de saúde se constituam e funcionem de acordo com os seus legítimos interesses” (Base V, n.º 2), e, no n.º 2 da Base XIII que “deve ser promovida a intensa articulação entre os vários níveis de cuidados de saúde”.


O novo regime jurídico da gestão hospitalar, aprovado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, prevê, por sua vez, no âmbito dos princípios específicos da gestão dos hospitais, a necessidade de estes garantirem aos utentes a prestação de cuidados de saúde de qualidade com um controlo rigoroso dos recursos, bem como de desenvolverem uma gestão criteriosa e promoverem a articulação funcional da rede de prestação de cuidados de saúde.



Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 157/99, de 10 de Maio, que aprova o regime de criação, organização e funcionamento dos centros de saúde, estabelece princípios idênticos para a gestão dos serviços e entidades prestadores desses cuidados (entre os quais se integram os centros de saúde) no seu artigo 6.º.



O hospital e os centros de saúde em causa integram os serviços de saúde de uma mesma instituição.



Forçoso se torna reconhecer, por conseguinte, que as medidas adoptadas por essa instituição, no sentido de possibilitar aos utentes dos centros de saúde a realização das análises clínicas nos mesmos, não só respeitam todos os princípios e normas enumeradas como visam alcançar as suas pretensões, numa procura de aproveitamento adequado dos equipamentos e meios de que dispõe, de gestão optimizada dos seus recursos financeiros, e de melhor tratamento e maior comodidade para os utentes.



Com efeito:



· se o hospital e os centros de saúde integram uma única e mesma organização de serviços de saúde, e existe capacidade técnica para responder às necessidades de diagnóstico verificadas no seu âmbito, o promover da realização das análises clínicas dos utentes que recorrem aos centros no laboratório do hospital mais não é do que o aproveitamento e a utilização dessa capacidade técnica instalada;


· se essa medida possibilita a rentabilização dos recursos internos disponíveis, por permitir o controlo da despesa com entidades convencionadas e conseguir uma melhor relação de custo/benefício, assiste-se, por sua vez, a uma optimização na gestão financeira da instituição;


· e se aos utentes do centro de saúde, após uma consulta de Medicina Geral e Familiar em que foram requeridas análises clínicas, é possibilitada a realização das mesmas no mesmo dia ou no dia imediatamente a seguir nas próprias instalações do centro, não pode deixar de se reconhecer que beneficiam de uma prestação de cuidados de saúde mais eficaz e com maior qualidade e comodidade.


Aliás, os utentes dos centros de saúde integrados nesta instituição já beneficiavam de um sistema idêntico no que respeita a outros exames auxiliares de diagnóstico, através de Serviços como os de Imagiologia, Gastrenterologia, Cardiologia e Pneumologia.



Deste modo, não é possível encontrar nesta iniciativa a coarctação do direito do utente à liberdade de escolha. Na verdade, o que se verifica é que, no acto de se dirigirem ao centro, os utentes já estão, só por si, a exercer esse direito de livremente escolherem a entidade que pretendem que lhes preste os cuidados médicos necessários.



Anteriormente, o centro não dispunha de meios que possibilitassem a realização dos exames complementares de diagnóstico que solicitava. Agora, tendo essa capacidade, não faz sentido que uma entidade do Serviço Nacional de Saúde, podendo fazer certo exame, custeie a actividade, legítima, de terceiros, desaproveitando os recursos próprios e tendo que pagar a realização do exame a terceiro.



Repare V.ª Ex.ª que o utente é livre de optar pela realização do exame numa entidade privada, à sua escolha, correndo todavia por sua conta os custos da mesma. Aqui, como noutras prestações sociais, não cabe ao Estado custear o direito de opção, antes lhe cabendo assegurar a concretização das mesmas. Isto mesmo se passa na educação, em que o Estado, como é natural, só oferece gratuitamente o ensino em estabelecimentos públicos, podendo os cidadãos optar livremente pelos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, pagando as respectivas propinas, caso assim julguem mais adequado.



Assim, ao contrário do que parece ser convicção V.ª Ex.ª, nada impede, hoje, que um utente prefira realizar certo exame, solicitado por médico da unidade de saúde em causa, em instituição privada da sua confiança, correndo, naturalmente, os custos por sua conta.



Certamente que este aumento de capacidade dos estabelecimentos públicos de saúde, se dotados de qualidade e rapidez, pode ter reflexos negativos nas instituições privadas que oferecem serviços similares. Caberá a estas, contudo, adaptar-se a esta nova realidade, designadamente oferecendo as condições que permitam manter o nível de procura apto à rentabilização do seu investimento.



É importante não esquecer, neste passo, que o direito à liberdade de escolha no acesso à rede nacional de prestação de cuidados de saúde é reconhecido e deve ser exercido “com as limitações decorrentes dos recursos existentes e da organização dos serviços” (n.º 5 da Base V da Lei de Bases da Saúde).



Não se justifica, por conseguinte, qualquer intervenção do Provedor de Justiça para “restabelecer o direito à livre escolha dos utentes do SNS”, uma vez que esse direito não é, de forma alguma, posto em causa.