ANOTAÇÃO


Entidade visada: Direcção-Geral das Pescas e Aquicultura
Proc.º: R-792/07
Área: A1
Assessor: Isabel Canto


Assunto: Ambiente – Recursos naturais – Espécies marinhas – Domínio público – Uso privativo – Apanha de marisco – Aplicação da lei no tempo



Objecto:
Reclamava-se da Direcção-Geral das Pescas e Aquicultura, por aplicar aos portadores de cartão identificativo de apanhador, emitido antes da entrada em vigor da Portaria n.º 144/2006, de 20 de Fevereiro, as restrições territoriais para o exercício da actividade, que por esta vieram a ser estabelecidas, entendimento que se reputava violador de um alegado princípio geral da irretroactividade das normas e das liberdades de deslocação e de escolha da profissão, direitos constitucionalmente protegidos



Decisão: Concluiu-se que estando o exercício da actividade condicionada à emissão de licença anual, de uso privativo de bens do domínio público, a mesma deverá conformar-se com as normas em vigor à data do licenciamento, para mais encontrando estas a sua justificação em imperativos de ordem pública, de protecção e aproveitamento racional dos recursos naturais. Não se encontrou restrição indevida de direitos constitucionalmente consagrados, até porque a actividade, agora territorialmente limitada, não fica proibida, mas apenas condicionada.



 


Síntese:



I. Reclamou-se da Direcção-Geral das Pescas e Aquicultura – DGPA, por se considerar que este órgão estaria a violar um princípio geral de irretroactividade normativa ao aplicar a situações jurídicas consolidadas o novo regime da apanha de animais marinhos, instituído com a Portaria n.º 144/2006, de 20 de Fevereiro, e a coarctar a liberdade de deslocação e de escolha de profissão, protegidas pela Lei Fundamental.



II. O Decreto-Lei n.º 278/87, de 7 de Julho, disciplina o exercício da pesca e das culturas marinhas, tendo sido alterado sucessivamente pelo Decreto-Lei n.º 218/91, de 17 de Junho, e pelo Decreto-Lei n.º 383/98, de 27 de Novembro. O Decreto Regulamentar n.º 43/87, de 17 de Julho, no seu artigo 3.º, define as medidas nacionais de conservação dos recursos biológicos marinhos, aplicando-se às águas interiores e oceânicas compreendidas na soberania e jurisdição portuguesas. Alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 7/2000, de 30 de Maio, este regulamento viria a ser desenvolvido pela Portaria n.º 1102-B/2000, de 22 de Novembro, definindo o regime da apanha, o qual, por sua vez, sofreu alterações substanciais com a Portaria n.º 144/2006, de 20 de Fevereiro.



III. De acordo com a primeira das portarias citadas, cada apanhador é identificado por um cartão válido por dez anos (artigos 13.º e 14.º) o qual não substitui a licença, a requerer anualmente para o ano civil a que respeita (artigo 15.º).



IV. Como é característico do uso privativo de bens do domínio público e, bem assim, dos animais a capturar no seu espaço, esta licença é de natureza precária. Ao requerente apenas é legítimo esperar vir a obter nova licença e que esta seja deferida ou indeferida segundo as normas jurídicas aplicáveis em cada ano. Se porventura a gestão dos recursos biológicos e a sua recuperação sustentada o impuserem poderá, até, em determinado ano, não ocorrer deferimento de licenças.



V. A Portaria n.º 144/2006, de 20 de Fevereiro, viria introduzir novas regras com o propósito de salvaguardar a sustentabilidade dos recursos ameaçados pela apanha intensiva e de proteger as comunidades piscatórias locais, justificação que encontra as suas credenciais no artigo 1.º-A, no artigo 3.º e no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 278/87, de 7 de Julho.



VI. Assim, estabeleceu que as licenças seriam territorialmente limitadas à área de jurisdição da capitania própria da área de residência do apanhador e das capitanias limítrofes, definidas cartograficamente segundo o anexo ao Regulamento Geral das Capitanias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/72, de 31 de Julho.



VII. Por conseguinte, a DGPA procedeu à substituição dos cartões de identificação, mas manteve intocadas as licenças para 2006, considerando que estas tinham sido deferidas antes da entrada em vigor da Portaria n.º 144/2006, de 20 de Fevereiro.



VIII. Concluiu-se que a medida posta em crise, não diminui a livre deslocação pelo território nacional ao fixar os apanhadores à sua área de residência (art. 44º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa – CRP), nem a liberdade de escolha e livre exercício da profissão (art. 47º, nº 1 e art. 59º, CRP). Estes são livres de escolher como sua residência o ponto do território nacional que mais convenha à sua actividade ou profissão.



IX. Observou-se que a actividade em causa, não apenas se sujeita às restrições legais impostas pelo interesse colectivo (artigo 47.º, n.º 1, CRP), como também se há-de coadunar com a natureza dominial pública dos bens cuja utilização permite a sua prática (artigo 84.º, CRP) e com os objectivos constitucionais de aproveitamento racional dos recursos naturais (artigo 66.º, n.º 2, alínea d), CRP). Daí que a actividade em causa fique restrita a um âmbito territorial mais estrito do que no passado, estabelecendo-se um nexo determinante com o local que o apanhador escolheu livremente como centro da sua vida.



X. Concluindo-se que as novas medidas e a sua aplicação se revelam conformes com as prescrições legais e constitucionais a que devem obedecer, foi determinado o arquivamento do processo organizado, nos termos do disposto no artigo 31.º, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça).