PARECER
Entidades visadas: Câmara Municipal de Vila Real e PolisVila Real, S.A.
Proc.º: R-3971/05
Área: A1
Assunto: Ordenamento do território – propriedade privada – restrições ao aproveitamento – sistema de imposição administrativa – incumprimento – lucros cessantes – despesas desaproveitadas – dever de indemnizar.
I – DA QUEIXA
Exposição de motivos
1. Os proprietários de uma parcela de terreno sita em Tourinhas, com a área de cerca de 10 hectares afirmam que, pelo menos desde 1993, a possibilidade de aproveitamento edificatório daquela parcela de terreno se encontra condicionada à elaboração de um plano de pormenor pela Câmara Municipal de Vila Real.
2. Segundo informação prestada pela Câmara Municipal, o Plano Director Municipal de Vila Real, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/93, de 8 de Novembro, classifica a parcela de terreno como pertencente à classe de “espaço urbano”, categoria “aglomerados urbanos”, nível U1 (cfr. art. 20.º), estando uma parte inserida em “áreas não incluídas em espaços específicos”/Reserva Ecológica Nacional (cfr. art. 34.º).
3. Basicamente, são permitidas, na parcela de terreno não abrangida pela REN, os usos residenciais e actividades complementares e ainda os usos comerciais, serviços, industriais e de armazenagem compatíveis, que não prejudiquem a função residencial.
4. Por solicitação dos proprietários, e na sequência de várias obras que foram executadas nos seus terrenos, em benefício do município, (execução de colector de saneamento, abertura de linhas de água pluviais, passagem de linha de esgotos), a Câmara Municipal deliberou, na acta n.º 50, de 20.12.1993, a abertura de concurso público para a elaboração de Plano de Pormenor para a zona.
5. Em 28.12.1994, a coberto do ofício n.º 7435, e no âmbito de negociações entre a Câmara Municipal e os reclamantes, para aquisição de uma parcela de terreno necessária à execução da via interior, aquela informava que a elaboração do Plano de Pormenor para a zona estaria atrasada por demora na finalização do Plano de Urbanização da cidade, que se pretendia que tivesse ocorrido no início de 1994. Informavam que, previsivelmente, seria possível iniciar a elaboração do Plano de Pormenor em 1995, por forma a que a aprovação tivesse lugar em finais de 1995 ou no princípio de 1996.
6. Transmitia, ainda que, em princípio, ficaria aceite a isenção de taxas de ligação de infra-estruturas em futuro pedido de licenciamento de operação urbanística. Haveria reconhecimento de capacidade construtiva para o local, embora com condicionantes, nomeadamente, baixa densidade de construção (r/ch+2 ou r/ch+3).
7. A Câmara Municipal de Vila Real reconhecia os inúmeros contactos havidos entre ambas as partes, tendo em vista a resolução de problemas de interesse público, e a colaboração pronta e sem reservas, prestada pelos reclamantes.
8. Em 12.01.1995, os reclamantes concordam com a proposta quanto aos índices de construção e aceitam a avaliação da parcela necessária para a construção da via interna.
9. Entretanto, são encetadas, pelos reclamantes, negociações com terceiros, tendo em vista a alienação da parcela de terreno, pelo valor de, segundo os reclamantes, €4.250.000.
10. Após questionarem a Câmara Municipal quanto à aprovação do Plano de Pormenor, é-lhes informado que o plano seria agora terminado e executado pela PolisVila Real, S.A., de acordo com o sistema de imposição administrativa.
11. Em 13.09.2000, o potencial comprador informa os reclamantes que, sem a aprovação do Plano de Pormenor, não seria possível prosseguir as negociações.
12. Em 20.09.2000, é elaborado, pelos Serviços de Coordenação e Controle da Câmara Municipal, o Parecer 1/09/PP.
13. Foi informado que, até à data da aprovação do Plano de Pormenor de Tourinhas (PPT) – prevista para o final do mês de Março de 2004 – não haveria, para a área abrangida, qualquer autorização ou viabilidade de construção, passando a implementação do plano pela adopção de um dos três mecanismos previstos na legislação em vigor (art.s 119.º e ss. do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro).
14. Acrescentou-se ainda que a negociação formal com os proprietários dos terrenos abrangidos pelo PPT seria conduzida pela PolisVila Real, S.A., que teria a missão de desenvolver e implementar o conjunto das acções previstas no Programa Polis. Para o efeito, estaria previsto o início dos contactos para Dezembro de 2000.
15. Contudo, só pelo Decreto-Lei n.º 265/2000, de 18 de Outubro, seria criada a PolisVila Real – Sociedade para o Desenvolvimento do Programa Polis em Vila Real, S.A – que se rege, para além dos seus estatutos, pelo regime jurídico do sector empresarial do estado.
16. O capital social foi subscrito na proporção de 60% pelo Estado e de 40% pelo município de Vila Real.
17. Só em 11.01.2002, foi enviado, aos reclamantes, pela Polis, um ofício informando-os de que a sua parcela de terreno estava sujeita a expropriação por utilidade pública, e com carácter de urgência, e de que seria iniciado o procedimento de expropriação com vista a obter-se um acordo de aquisição.
18. Em 13.11.2002, depois daquela sociedade haver informado os interessados de que, de acordo com o cronograma da intervenção, a data limite para a conclusão das negociações seria Outubro de 2002 (cfr. ofício n.º 763, de 25.07.2002), é comunicado que o PPT ainda não fora aprovado, razão pela qual ainda não haveria qualquer data prevista para o termo das negociações de aquisição da propriedade.
19. Em 20.02.2003, pelo despacho n.º 4947/2003, do Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território, é reconhecido o interesse público da construção do Parque da Cidade, cuja área incidia, parcialmente, sobre a parcela de terreno dos reclamantes.
20. Em 01.03.2003 é aprovado o PPT, pela Assembleia Municipal.
21. Em 12.05.2003, a Polis informa que quando da elaboração do Plano Estratégico, e respectiva programação financeira que deu corpo à intervenção Polis, não foram contempladas as verbas destinadas à aquisição dos terrenos para o Parque da Cidade. Este procedimento teria sido fundamentado em pretenso acordo existente entre a Câmara Municipal de Vila Real e os reclamantes, embora informal, quanto à cedência de uma parcela de terreno pelos reclamantes, a integrar no parque a construir. Em face da necessidade de adquirir esta parcela de terreno, seria necessário obter financiamento através de fontes externas à intervenção Polis, o que não se vinha mostrando fácil.
22. Os proprietários, por seu turno, negaram a existência de qualquer acordo de cedência.
23. Mais informava a PolisVila Real que a redução das verbas afectas à intervenção determinaria a redução do investimento e seria previsível que se actuasse nas acções que mais contribuíam para o seu desequilíbrio financeiro, nas quais se incluía o Parque da Cidade.
24. Solicitam aos reclamantes esclarecimento quanto à transmissão dos terrenos do parque da cidade, nomeadamente, se admitiam a permuta com lotes de terreno infra-estruturados para construção ou se a única alternativa seria a venda, hipótese em que seria necessário conhecer os montantes envolvidos.
25. Em 02.06.2003, os reclamantes informam aceitar uma proposta de permuta desde que não abranja a totalidade dos terrenos ou, alternativamente, dispõem-se a vender pelo valor global de €1,4 milhões.
26. Em 11.06.2003, é finalmente publicado, em Diário da República, o PPT.
27. A parcela de terreno dos reclamantes insere-se, nos termos do art. 3.º deste Plano, na UOPG, a abranger pelo PU da cidade, e definida no Plano Director Municipal. A área de intervenção é classificada na classe de espaço urbano, categoria aglomerado urbano U1 e, parcialmente, em REN.
28. Em suma, o PPT conformou-se com o disposto no Plano Director Municipal, quanto à classificação do espaço, razão pela qual não terá sido necessária a sua ratificação.
29. Nos termos do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, conforme definido no Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, o Plano de Pormenor seria executado pelo sistema de imposição administrativa.
30. Segundo o art. 124.º, do referido diploma, no sistema de imposição administrativa, a iniciativa de execução do plano pertence ao município que actua directamente ou mediante concessão de urbanização, de acordo com os meios previstos na lei, como sejam, o direito de preferência, a demolição de edifícios, a expropriação, a reestruturação da propriedade e o reparcelamento do solo urbano.
31. De acordo com o disposto no Plano de Pormenor, toda a área seria objecto de reparcelamento, o que, de acordo com o disposto no art. 131.º, do Decreto-Lei n.º 380/99, consiste no agrupamento de terrenos localizados dentro de perímetros urbanos, delimitados em plano municipal de ordenamento do território, e na sua posterior divisão ajustada àquele, com a adjudicação, dos lotes ou parcelas resultantes, aos primitivos proprietários
32. Em 02.07.2003, a sociedade PolisVila Real informa que a proposta dos reclamantes apresentada em 02.06.2003, é de valor consideravelmente superior ao dos proveitos da acção, afigurando-se esta de difícil concretização, caso se mantivesse o quadro de financiamento. Tratava-se de uma das acções que mais contribuiria para o desequilíbrio financeiro da intervenção.
33. Em 27.11.2003, na sequência da apresentação de nova proposta pelos reclamantes – €1.000.000.00 e a recepção de 7 lotes infra-estruturados – estes são informados que, não estando em funções o Presidente do Conselho de Administração, a PolisVila Real não poderia assumir qualquer responsabilidade perante aquela proposta de negociação, que consideravam, no entanto, interessante e como boa base. O assunto seria analisado quando estivessem em funções todos os membros do Conselho de Administração.
34. Entretanto, os problemas de financiamento do Programa Polis, deram origem a cortes significativos no investimento, motivando a anulação de algumas das acções previstas. Simultaneamente, foi vedada, pelo Estado, a possibilidade de endividamento junto da banca, situação que estava prevista como forma de financiar a execução dos planos de pormenor, com componentes imobiliárias, como no caso do Plano de Tourinhas.
35. Numa última hipótese, lançou-se um concurso público, em 02.06.2005, com o acordo dos proprietários, destinado à concessão da execução do PPT, cujo valor a pagar pelo concessionário seria o correspondente ao dos terrenos.
36. Desse concurso resultou um valor bastante reduzido – € 500.000 – o que inviabilizou a adjudicação da concessão e a comunicação aos reclamantes, em 01.09.2005, de que estaria encerrado o processo negocial dos terrenos, por não haver condições para o concretizar, sem prejuízo de outras diligências futuras.
37. Em 30.09.2005, a PolisVila Real, S.A., entrou em processo de liquidação passando para o município de Vila Real a tarefa de executar o PPT.
38. Ou seja, durante mais de três anos e meio decorreram negociações entre os reclamantes e a PolisVila Real, para aquisição dos terrenos com vista à futura implementação do PPT, que, note-se, só entrou em vigor cerca de ano e meio após o início das negociações.
39. Segundo a Câmara Municipal de Vila Real, competir-lhe-ia, agora, promover a execução coordenada e programada do plano com a colaboração, das entidades públicas e privadas, procedendo à realização das infra-estruturas e dos equipamentos de acordo com o interesse público, os objectivos e as prioridades estabelecidas no plano em questão, recorrendo aos meios previstos na lei (cfr. art. 118.º).
40. Em 29.03.2006, o Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, informa os reclamantes que a PolisVila Real apenas se limitara, num período de tempo limitado, a executar a política de ordenamento do território da Câmara Municipal de Vila Real, dando continuidade à elaboração dos Planos de Pormenor em curso, incluindo o PPT.
41. Afirma que, tal como resulta do despacho do Senhor Coordenador do Programa Polis, os terrenos em causa não tinham, antes da elaboração do PPT, qualquer capacidade edificatória, uma vez que se encontravam fora do perímetro urbano de Vila Real, não podendo ser imputada ao plano qualquer ablação dessa faculdade, o que, em face de informação prestada pela Câmara Municipal, não parece confirmado (supra n.º 2 e ss.)
42. Em 30.05.2006, a Câmara Municipal informa que pondera alterar o sistema de execução do PPT, que deixará, muito provavelmente, de ter carácter impositivo. Esta situação resulta das evidentes dificuldades na implementação e execução do Plano, já que a autarquia não tem a capacidade e a maleabilidade financeiras que serviram de pressuposto à decisão inicialmente tomada.
43. Em 19.02.2007, informa que nem a PolisVila Real, nem a autarquia têm possibilidade de prosseguir com o Plano. A solução passará pela alteração do sistema do PPT, libertando os particulares para, querendo, o executarem na parte respeitante aos terrenos respectivos.
44. Na sequência desta intenção, têm de ser observadas as formalidades legalmente previstas. Já foi inscrita no plano de actividades a acção correspondente, assim como orçamentada a verba necessária.
45. Os reclamantes pretendem que a Câmara Municipal promova a expropriação da sua parcela de terreno ou que, alternativamente, lhes conceda o direito de exploração da capacidade construtiva que lhes é reconhecida na frente urbana, mediante acordo formal.
46. Pretendem ainda ser ressarcidos dos prejuízos decorrentes da impossibilidade de urbanizarem os seus terrenos, a título de lucros cessantes.
47. Para além dos prejuízos resultantes desta situação, os reclamantes pretendem ainda obter indemnização pelos prejuízos decorrentes da execução de obras pela PolisVila Real na sua parcela de terreno. Isto, a título de danos emergentes.
48. Com efeito, a PolisVila Real abrira vários furos artesianos e realizara ensaios de prospecção nos terrenos dos reclamantes, sem que, para tanto, tivesse sequer obtido autorização.
49. A situação terá sido conhecida dos reclamantes em 11.03.2003, denunciada à Polícia de Segurança Pública e reconhecida por aquela sociedade. No entanto, autorizaram a continuação dos trabalhos sob condição de rever a sua posição em função do resultado das negociações que estariam em curso. Como as negociações não foram concretizadas, pretendem indemnização.
50. Esta situação (supra n.º 47) não será objecto de análise dada a óbvia prescrição do direito de indemnização, por decurso do tempo. Tratando-se de responsabilidade extra-contratual, o disposto no art. 498.º do Código Civil determina a prescrição do direito de indemnização no prazo de três anos.
II – DO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
§1.º
Da actuação da Câmara municipal até 2000
1. Analisada a situação, verifica-se que os reclamantes têm sido impossibilitados de fruir plenamente da sua propriedade devido à actuação, quer do município de Vila Real, quer posteriormente, da PolisVila Real, S.A..
2. Desde 1993 que a Câmara Municipal deliberou, com acordo dos proprietários, e como forma de os compensar pela colaboração que tinham vindo a prestar quanto ao uso de terrenos de sua propriedade para benefício público, proceder à elaboração de um plano de pormenor para a zona onde se encontra localizada a propriedade.
3. A necessidade de os reclamantes aguardarem a elaboração de tal plano resulta, claramente, da intenção municipal, devidamente formalizada em acta.
4. E daquela acta consta que a parcela de terreno, propriedade dos reclamantes, não incluída na RAN, estaria classificada como “Estrutura Verde Urbana” na sua quase globalidade, quando no PDM (que já tinha entretanto entrado em vigor) se reconhecia capacidade construtiva a esta parcela de terreno.
5. E o interesse, quer do município, quer dos reclamantes, na elaboração do plano de pormenor, resultava, desde logo, das características da zona e da extensa área da propriedade dos reclamantes – cerca de 10ha – para onde se previa, segundo sugestão dos próprios reclamantes, a possibilidade de construção de um parque urbano municipal.
6. Esta situação de expectativa legítima dos reclamantes perante a elaboração do plano de pormenor melhor se compreende perante o parecer n.º 1/09/PPT, de 20.09.2000, já acima referenciado.
7. Com efeito, e apesar da capacidade construtiva de uma parte do imóvel resultar do Plano Director Municipal, publicado em 08.11.1993, os Serviços de Coordenação e Controle da Câmara Municipal informaram que, até à aprovação do PPT, cuja tarefa iria ficar a cargo da PolisVila Real, “não existe para a área abrangida qualquer autorização ou viabilidade de construção”, situação que é notificada aos reclamantes, pelo Presidente da Câmara Municipal, por intermédio do seu Chefe de Gabinete, por telecópia de 22.09.2000.
8. Não podia ser mais claro o reconhecimento da situação a que os reclamantes se encontravam sujeitos a partir desta data e, podemos até extrapolar, desde a data em que a Câmara Municipal deliberou a elaboração do plano de pormenor.
9. Por isso, não se pode aceitar o entendimento da Câmara Municipal de que não teria de ressarcir os reclamantes, porque não teria havido qualquer condicionamento especial quanto ao uso dos terrenos, senão o que resultaria do Plano Director Municipal.
10. A partir de 22.09.2000, a Câmara Municipal agiu indevidamente ao condicionar o reconhecimento da capacidade construtiva da parcela de terreno a um plano de pormenor que ainda se encontraria em elaboração.
11. Trata-se da limitação, ilegal, do direito dos reclamantes a fruírem a sua propriedade, conforme lhes era reconhecido pelo instrumento urbanístico em vigor para o local – o Plano Director Municipal – procedendo-se à desaplicação das suas disposições, mediante um simples despacho do Presidente da Câmara Municipal.
12. E os particulares agiram em consonância com a informação que lhes foi prestada pela Câmara Municipal, abstendo-se de requerer o licenciamento de uma operação de loteamento. Trata-se de um comportamento justificado pela informação prestada, verificando-se um nexo de causalidade entre um e outro.
13. Bem se compreendem assim, as razões por que o potencial comprador da parcela terá desistido do negócio. Não podendo, pretensamente, construir naquela parcela de terreno até que o plano de pormenor fosse aprovado, e sem quaisquer garantias de que o conteúdo mantivesse inalterado o disposto no Plano Director Municipal, a aquisição de tal parcela de terreno tornar-se-ia desinteressante, já não falando da dificuldade na determinação do seu preço, perante tais incertezas.
14. Encontram-se assim preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito: o facto lesivo, a ilicitude, a imputação ao município, o prejuízo ou dano, e o nexo de causalidade entre este e o facto (cfr. Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.1967).
15. É certo, como afirma a Câmara Municipal, que não impendia sobre a propriedade nenhum ónus de inalienabilidade, mas também é certo que as circunstâncias acima enunciadas retiraram ao imóvel todo o interesse negocial no mercado.
16. E a prova do preenchimento destes pressupostos não depende apenas da informação escrita prestada pela Câmara Municipal, a coberto do parecer supra-referenciado. Caso esta situação resulte, igualmente, de outros documentos ou mesmo de informações verbais prestadas aos reclamantes, o reconhecimento do direito a indemnização, pelas razões enunciadas, é extensível ao período anterior à comunicação do parecer.
17. Com efeito, o art. 7.º do Código de Procedimento Administrativo, atribui à Administração Pública a responsabilidade por danos imputados às informações prestadas por escrito aos particulares, ainda que não obrigatórias, tendo vindo o Supremo Tribunal Administrativo a reconhecer, em Acórdão de 07.05.2003 que,
“a Administração possa ser responsabilizada por informações dadas (…) no exercício de funções por forma oral, como decorre do preceituado no art. 22.º da C.R.P.”
18. Mas a situação de ilicitude resulta ainda do dano da confiança que resultou para os particulares quanto à expectativa de elaboração, por parte da Câmara Municipal, do plano de pormenor.
19. De acordo com o disposto no art. 6.º-A do Código de Procedimento Administrativo, a Administração Pública deve agir e relacionar-se de acordo com as regras da boa fé devendo ponderar-se, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela sua actuação (1).
20. O legislador pretendeu, desta forma, que a actuação da Administração Pública se concretize em comportamentos consequentes ou, no mínimo, concordantes com o que anteriormente definira, por forma a assegurar a previsibilidade da sua actuação.
21. E embora se reconheça à Administração Pública alguma margem de discricionariedade quanto ao momento e à oportunidade para elaborar instrumentos de gestão territorial, a própria Administração pode comprometer-se perante um particular, como sucedeu no caso concreto, a fazê-lo, resultando daí um dever de planificação ou seja, uma obrigação de acção.
22. É plausível admitir que os queixosos, quando do conhecimento do teor da deliberação consubstanciada na acta n.º 50, de 20.12.1993, contavam com a elaboração e aprovação, a curto prazo, do plano de pormenor para a zona.
23. Nada os levaria a supor que o mesmo só viesse a ser aprovado cerca de 10 anos depois, e de tal forma que, não sendo executado, nem pela PolisVila Real, S.A., nem pela Câmara Municipal, os reclamantes, mais uma vez, se veriam impossibilitados de executar as suas disposições.
24. É de admitir, no entanto, que a obrigação de indemnizar, a título de responsabilidade civil extra-contratual do município, já se encontra prescrita pelo decurso do prazo (art. 498.º do Código Civil).
25. Resta-nos analisar os danos dos particulares a partir do momento em que intervém a PolisVila Real, S.A..
§2.º
Do Programa Polis
26. De acordo com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000, de 15 de Maio, o principal objectivo do Programa Polis – Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental de Cidades – consistia em melhorar a qualidade de vida nas cidades, através de intervenções, consideradas exemplares, na vertente urbanística e ambiental, com base em parcerias, especialmente entre o Governo e as câmaras municipais.
27. Ainda de acordo com esta resolução, o financiamento das acções a incluir no Programa teria origem em fundos comunitários de diversas intervenções operacionais, bem como nos orçamentos próprios da administração central e das autarquias.
28. E considerou-se necessária a adopção de medidas de excepção que assegurassem a realização, em tempo oportuno, das operações integrantes do Programa, devido à sua escala significativa e à necessidade de execução de um conjunto de acções em simultâneo, por forma a evitar-se um arrastamento no tempo que prejudicaria os propósitos do Programa.
29. Por esta razão, previu-se um procedimento agilizado na aprovação dos planos, a isenção de licenciamento das operações de loteamento e dos projectos de obras da iniciativa da entidade promotora do projecto, valendo a divisão dos terrenos constantes do plano de pormenor, para todos os efeitos, como operação de reparcelamento e de loteamento, e competindo às entidades promotoras a aprovação das respectivas obras de urbanização. Este plano constituiria título bastante para efeitos de registo predial e de inscrição matricial dos novos prédios assim constituídos.
30. Em face de desígnio de tamanha dimensão e complexidade, aquela sociedade deveria ser dotada de poderes de excepção, nomeadamente a possibilidade de agir como entidade expropriante dos imóveis necessários.
31. Estas orientações vieram a ser concretizadas no Decreto-Lei n.º 314/2000, de 2 de Dezembro. Determinou-se neste diploma que os poderes excepcionais cessariam com a conclusão das respectivas intervenções.
32. Previu-se ainda a criação de uma entidade com autonomia jurídica, constituída com a participação maioritária do Estado e das autarquias envolvidas, em concreto, a constituição de uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, por forma a garantir um modelo de operacionalização que assegura-se a eficácia no terreno, assim como a criação de um modelo de execução eficaz e dinâmico baseado num calendário de execução e em orçamento próprio. Foi assim constituída, como já acima verificámos, entre outras, a sociedade PolisVila Real, S.A.
33. As sociedades Polis foram constituídas para um fim único e específico: o de gerir os programas de requalificação urbana em diversas cidades. Por essa razão, têm um limite temporal. Esgotado o seu objecto, são naturalmente extintas.
34. A duração da PolisVila Real ficou condicionada à realização completa do seu objecto contratual, não podendo, no entanto, prolongar-se para além de 30 de Junho de 2004, de acordo com o disposto no art. 3.º dos Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 265/2000, de 18 de Outubro.
35. Foi, inclusivamente, criado um Gabinete Coordenador de Programa Polis, tendo em vista, entre outras tarefas, a análise financeira e o acompanhamento da execução das acções. Neste momento, a liquidação encontra-se confiada à Comissão Liquidatária.
A) Do Plano de Pormenor de Tourinhas
36. Como já acima registámos, o PPT conformou-se com o Plano Director Municipal de Vila Real, prevendo capacidade construtiva em parte do terreno dos reclamantes, em concreto, na designada área 1, ou seja, na frente urbana do parque.
37. Na área 2, designada como parque urbano, e em grande parte também sob propriedade dos reclamantes, previu-se a construção de um parque urbano, onde se incluía a construção, entre outros equipamentos, de um lago, de uma cafetaria, de um anfiteatro e de um clube de ténis.
38. De acordo com o programa de execução que acompanhou o PPT, o desenvolvimento e implementação do plano desenvolver-se-ia em duas fases: numa primeira fase, a decorrer até Março de 2004, seriam construídas todas as infra-estruturas, o parque urbano e seus equipamentos, incluindo o clube de ténis.
39. Na zona 1 seriam apenas executados parte dos projectos, excluindo-se nomeadamente, a edificação de iniciativa privada e as piscinas municipais cuja execução ficaria legada para uma segunda fase, que decorreria entre Março de 2004 e 2010.
40. De acordo com o plano de financiamento que acompanhou a aprovação do PPT, a angariação de receitas para a 1.ª fase seria assegurada por meios nacionais e por fundos comunitários.
41. A 2.ª fase de execução do plano, designadamente os espaços verdes adjacentes às edificações, seria executada pelos promotores privados, constituindo a piscina municipal um investimento municipal.
42. E, note-se, apesar de ter sido escolhido o sistema de imposição administrativa, o mais gravoso para os particulares porque lhes retira toda a possibilidade de iniciativa de execução do plano, foi previsto que a segunda fase fosse executada pelos promotores privados.
43. Mas os promotores privados nada poderiam fazer até que lhes fosse determinado, ou melhor, permitido, pela entidade responsável pela execução do plano.
44. Durante aquele período de tempo – ou seja quase seis anos – nada mais restaria aos proprietários do que aguardar.
45. Esta situação é tanto mais grave quanto, desde 1993, era reconhecida aos reclamantes a possibilidade de edificar nas parcelas de terreno abrangidas pela segunda fase de execução do plano.
46. E se até 2003 o reconhecimento desta possibilidade lhes foi ilegalmente negado pela Câmara Municipal de Vila Real, a partir da entrada em vigor do PPT, ou seja, desde Junho de 2003, esta possibilidade é-lhes negada por um instrumento de gestão territorial que, nesta medida, alterou o disposto no Plano Director Municipal.
47. E implicou, assim, uma restrição singular às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas, que comportam uma restrição significativa na sua utilização, de efeitos equivalentes a uma expropriação.
48. Com efeito, se antes era reconhecido aos reclamantes determinada capacidade construtiva na sua parcela de terreno que poderiam utilizar, não fora a actuação ilegal da Câmara Municipal de Vila Real, agora é-lhes, legalmente, vedada tal utilização.
49. Assim, existia anteriormente uma possibilidade objectiva de aproveitamento do solo – porque lhes era reconhecida aquela capacidade construtiva – preexistente e juridicamente consolidada, a coberto do disposto no Plano Director Municipal, que é agora restringida significativamente de tal modo que tem efeitos equivalentes à expropriação. Ou seja, os reclamantes, apesar de continuarem, juridicamente proprietários da parcela de terreno, não podem, de todo, frui-la.
50. Por outras palavras, aos particulares é-lhes, de todo, vedada a concretização dos direitos de construção previstos no PPT, por efeito da supressão da possibilidade de utilização autónoma do seu prédio.
51. No sistema de imposição administrativa, o dever de concretizar o previsto nos planos, assim como as expropriações acessórias ao plano (2) impende, exclusivamente, sobre o município ou sobre a Polis, sem que ao particular seja exigida ou sequer permitida, qualquer acção. Pelo contrário, o particular fica sujeito a uma obrigação de non facere e de total dependência da actuação da Administração Pública.
52. Encontram-se preenchidos, assim, os pressupostos de aplicação do art. 143.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 380/99, que reconhece o direito à indemnização aos particulares lesados. Porém, nos termos do n.º 7 da mesma disposição o direito de indemnização encontra-se prescrito.
53. Vejamos então os restantes danos provocados aos particulares cujo direito de indemnização ainda não prescreveu.
§3.º
da actuação da polis vila real e da câmara municipal após 2000
54. Como acima constatámos, mais uma vez, os reclamantes viram-se enredados em promessas de urbanização dos terrenos, não por sua iniciativa, mas sim por iniciativa pública e com a necessária e prometida aquisição dos terrenos.
55. E a omissão da Polis na aquisição persiste até hoje, tendo aquela sociedade, entretanto, entrado em liquidação em 30.09.2005, sendo que, desde 12.05.2003, vinha afirmando a dificuldade na aquisição do prédio dos reclamantes, o que veio a reiterar por diversas vezes, nomeadamente em 02.07.2003 e em 27.11.2003, não obstante terem prosseguido as negociações. Se a proposta dos reclamantes parecia exorbitante, era simples usar dos meios de expropriação.
56. E se até à aprovação do plano de pormenor, a Câmara Municipal inviabilizou, a priori, a aprovação de qualquer autorização ou o reconhecimento da viabilidade de construção, após a aprovação deste plano, o sistema de execução adoptado impedia toda e qualquer iniciativa dos particulares.
57. E a situação agrava-se quando, quer a Polis, quer o município, entidades que chamaram a si a responsabilidade exclusiva pela execução do plano de pormenor, se revelaram sem condições para o fazer.
58. Ao fim e ao cabo, quase quatro anos depois de ser adoptado o sistema de imposição administrativa, com as consequências acima explanadas, encontra-se em revisão o plano de pormenor por forma a, finalmente, permitir aos particulares aquilo que lhes é reconhecido desde 1993 no plano director municipal, ou seja, urbanizar parte do seu terreno e, note-se, pelo facto de a Administração se ter mostrado incapaz de executar o PPT, não obstante o regime legal de excepção aprovado para tanto.
A) Do direito a indemnização
59. Para o prédio dos reclamantes estaria previsto, como já constatámos, um parque urbano e vários equipamentos públicos, para além de edifícios destinados a habitação, ao comércio e a serviços.
60. A execução do parque urbano e dos equipamentos implicaria, necessariamente, a aquisição de uma parcela do imóvel abrangida, por se tratar de projectos que, por natureza, devem integrar o domínio público.
61. Dos instrumentos de execução dos planos, legalmente previstos (cfr. arts. 126.º e ss., do Decreto-Lei n.º 380/99), não se antevê que outra alternativa restaria para viabilizar a execução do plano, que não a aquisição da parcela de terreno. Senão, vejamos:
a) em face do prazo estipulado para a execução daqueles projectos não seria plausível aguardar por que os proprietários alienassem o seu prédio a terceiros para que se pudesse exercer o direito de preferência;
b) a demolição também não seria, de todo, o meio adequado à execução do plano;
c) o reparcelamento ou a reestruturação da propriedade apenas levaria a uma redefinição dos limites dos prédios abrangidos, mas não a uma transmissão da propriedade.
62. Assim, nada mais restaria do que a aquisição do imóvel (ainda que no âmbito de um contrato de urbanização) ou a expropriação, opções estas adoptadas pela PolisVila Real, conforme acima descrevemos.
63. E veja-se que do programa de execução do PPT consta que as aquisições de terrenos e expropriações deveriam ser efectuadas entre Julho a Dezembro de 2002.
64. Note-se que era um prazo, assim como muitos dos previstos no programa de execução, que expiraram em larga medida ainda antes da entrada em vigor do PPT. Esta situação não poderá servir, no entanto, como justificação para o seu incumprimento como já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo (3).
65. Aqueles projectos revestem interesse geral que não cabe aos particulares prosseguir. O aproveitamento pelo particular – porque não lucrativo – só poderia ser visto como uma liberalidade ou mesmo uma prodigalidade da sua parte. No caso em apreço nem isso estava ao alcance do particular por se tratar de uma área sujeita ao sistema de imposição administrativa. E, embora não estivesse impedido de o fazer juridicamente, não dispõe de procura no mercado para alienar ou onerar o seu prédio, em favor de terceiro, dada a sua reserva, no plano, para expropriação.
66. A previsão destas situações nos instrumentos de gestão territorial impossibilita o particular de fruir os imóveis com vocação urbana. Trata-se de uma situação análoga ou de efeito equivalente à expropriação onde não há uma formal privação ou ablação da titularidade do direito de propriedade mas que, no plano substancial, tem este efeito (4).
67. Desde 12.06.2003, data de entrada em vigor do PPT, que a propriedade dos reclamantes se encontra afecta a este uso, tendo sido reconhecido o interesse público para desafectação da parte incluída na REN, em data anterior à entrada em vigor daquele plano, ou seja, em 20.02.2003.
68. Por regra, os instrumentos de gestão territorial não fixam peremptoriamente o momento da concretização dos equipamentos colectivos previstos, dependendo de uma certa margem de discricionariedade da Administração, de acordo com a capacidade financeira e as prioridades fixadas em relação a outras acções que tenham de ser executadas, quer intra-plano, quer extra-plano.
69. Contudo, conforme já constatámos, o PPT definiu expressamente a cronologia a ser observada, estando a execução destes projectos prevista até Março de 2004.
70. E, se não se definiram os meios financeiros adequados à sua execução, nomeadamente os encargos com a aquisição dos prédios, o que terá obstado à execução do plano, não se pode pretender que seja o particular a arcar com todas as consequências negativas daí resultantes.
71. De todo o modo, a imposição destes vínculos preordenada à expropriação dos terrenos não poderá prolongar-se além de um prazo razoável, sob pena de o particular ser ressarcido pelos prejuízos directa e necessariamente resultantes de os terrenos terem sido e continuarem reservados para expropriação, nomeadamente os relacionados com as limitações às possibilidades da sua utilização económica (5) e pela consequência de tais terrenos deixarem de ter interesse económico para efeitos de alienação a terceiros, o que significa, na prática, a criação de um ónus de inalienabilidade.
72. Reconhecer-se-á que, ao fim e ao cabo, o proprietário sofre antecipadamente todos os efeitos de uma expropriação por utilidade pública sem que esta tenha sido declarada. Todos menos um – precisamente, a justa indemnização a que teria direito. Não custa admitir que se trata de um prejuízo especialmente gravoso e que contrasta com todas as garantias concedidas pela Constituição e pelo Código das Expropriações contra actos ablativos do direito de propriedade.
73. E o aproveitamento do prédio não estava ao alcance dos proprietários pois só a PolisVila Real, S.A., ou o município de Vila Real (que lhe sucedeu na responsabilidade pela execução do plano), podiam fazer cumprir a função a que estava destinado no PPT.
74. Numa visão estrita e puramente formal da ordem jurídica, que não se compagina com um Estado de direito democrático, admitir-se-ia que esta situação se perpetuasse até que se abrisse mão da classificação do espaço ou se viessem a executar os projectos, adquirindo o imóvel.
75. Contudo, nem os princípios gerais de direito, nem os imperativos éticos de boa administração podem deixar o aplicador do direito indiferente.
76. E o proprietário, sem a menor retribuição ou compensação, no todo ou em parte, vê-se obrigado a cumprir pontualmente as obrigações tributárias que decorrem da titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel.
77. De tal modo a ordem jurídica não é indiferente a esta situação que a tomou em linha de conta para o caso das estradas nacionais, no artigo 165º do seu Estatuto (Lei n.º 2.037, de 19.08.1949) e para o caso das estradas e caminhos municipais, no artigo 106º do pertinente Regulamento (Lei n.º 2.110, de 19.08.1961).
78. Em ambos os preceitos, admite-se que, decorrido o prazo de três anos desde que foi imposto o impedimento, assiste ao proprietário o direito a ser ressarcido pelos prejuízos directa e necessariamente resultantes do prédio ter sido e continuar reservado para expropriação e, decorrido o prazo de cinco anos, assiste-lhe o direito de ver o imóvel expropriado por utilidade pública que, para o seu património, perdeu utilidade.
79. E será de advogar a aplicação analógica destas disposições ao caso concreto vendo reconhecido o direito dos particulares a serem ressarcidos e o direito a serem expropriados do seu bem.
80. Só esgotados aqueles prazos pode iniciar-se a contagem do prazo de prescrição a que se encontra sujeito o dever de indemnizar.
81. Com efeito, a natureza dos impedimentos em questão não se compadece com o prazo geral de prescrição a que se encontra sujeito o direito substantivo de indemnização, ou seja, de três anos (art. 498.º do Código Civil), precisamente porque a pretensão indemnizatória em casos desta natureza só se justifica diante da persistente inércia da Administração, seja em definir a situação jurídica do imóvel afectado num prazo razoável, seja a executar o plano.
82. Nesta perspectiva, o que provoca danos na esfera jurídica do particular não é o teor das disposições do instrumento de gestão territorial, mas a sua (in)execução, razão pela qual, o prazo de prescrição não pode começar a correr com a entrada em vigor daquele plano.
83. O direito à indemnização e o direito de propriedade são em tudo análogos aos direitos fundamentais que gravitam em torno da propriedade privada e, como tal, constitucionalmente relevantes em face do artigo 16.º, n.º 1, do texto constitucional, em que pode ler-se:
Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional.
84. E o reconhecimento do direito à indemnização ou a ser expropriado faz tanto mais sentido no Programa Polis quanto o prazo de execução dos projectos se encontrava claramente definido no PPT e a responsabilidade da sua execução impende exclusivamente sobre a Administração Pública.
85. É certo que no art. 118.º, do Decreto-Lei, n.º 380/99, determina-se que a execução dos sistemas gerais de infra-estruturas e dos equipamentos públicos municipais e intermunicipais determina para os particulares o dever de participar no seu financiamento.
86. E mais se prescreve que a coordenação e a execução programada dos planos municipais de ordenamento do território determinam para os particulares o dever de concretizarem e adequarem as suas pretensões às metas e prioridades neles estabelecidas.
87. Mas, esta determinação legal encontra-se, naturalmente, dependente, do início da execução dos sistemas gerais de infra-estruturas e equipamentos públicos municipais e intermunicipais e da definição de metas e prioridades cuja responsabilidade, no sistema de imposição administrativa, é da Administração Pública.
88. Com efeito, no sistema de imposição administrativa, e de acordo com o disposto no art. 124.º, do Decreto-Lei n.º 380/99, a iniciativa de execução do plano pertence ao município, ou no caso concreto, à PolisVila Real até data recente, que actua directamente ou mediante concessão de urbanização.
89. E existia a obrigação de tomar essa iniciativa, tanto mais que os planos de pormenor deviam ser acompanhados pelo programa de execução das acções previstas e pelo respectivo plano de financiamento, conforme se prescrevia no art. 92.º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 380/99.
90. E note-se que, ao contrário do disposto nos arts. 86.º, n.º 2, alínea c) e 89.º, n.º 2, alínea b), daquele diploma, respectivamente para os planos directores municipais e para os planos de urbanização, não se trata de um programa que contenha disposições meramente indicativas sobre a execução das intervenções municipais previstas ou sobre os meios de financiamento das mesmas.
91. Aos planos de pormenor, pela natureza mais detalhada que determina um elevado grau de exequibilidade das suas disposições, exige-se uma precisão rigorosa do programa de execução das acções previstas e do respectivo plano de financiamento. Não uma mera indicação.
92. Maior rigor deveria ter sido colocado na definição do programa de execução das acções previstas no Programa Polis e respectivo plano de financiamento, porque já na Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000, de 15 de Maio, se previa, nos critérios de acesso e de selecção dos projectos candidatos, a demonstração da viabilidade técnica, económica e financeira, adequadas à sua dimensão e complexidade.
93. E mais se justificaria aquela obrigação pela limitação temporal a que estava sujeita a duração da sociedade PolisVila Real.
94. De acordo com o disposto no art. 3.º, dos Estatutos daquela sociedade, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 265/2000, de 18 de Outubro, a duração da sociedade ficaria condicionada à realização completa do objecto contratual, não podendo, contudo, prolongar-se para além de 30 de Junho de 2004.
95. Esta maior definição implica, naturalmente, um maior grau de previsibilidade nas decisões de execução do plano, constituindo, por conseguinte, um factor de segurança para os titulares de direitos reais sobre imóveis compreendidos na área abrangida pelo plano.
96. De facto, para um destinatário normal, a constituição de uma sociedade com uma finalidade específica e com um período de duração limitada, que deveria agir de acordo com um cronograma de execução e um programa financeiro, previamente definidos, cria confiança na concretização daquele fim, neste período de duração e a conformar a sua acção ou omissão de acordo com aquela previsibilidade.
97. E maior previsibilidade e expectativa de cumprimento dos prazos haveria quando o Decreto-Lei n.º 314/2000, de 2 de Dezembro, previu um regime de excepção, quer para a aprovação dos planos, quer para as expropriações, quer para o licenciamento de obras nas acções abrangidas pelo projecto Polis, por forma a serem agilizados procedimentos.
98. Haveria aqui uma especial obrigação por parte das entidades envolvidas de cumprirem a tarefa que lhes foi atribuída em face dos meios que lhes foram, legalmente, disponibilizados.
99. Embora no relatório justificativo das soluções adoptadas, e integrante do conteúdo documental do Plano de Pormenor, nos termos do art. 92.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 380/99, se afirme que o parque urbano a construir constituiria o tema central da intervenção, e que os terrenos onde seria implantado haveriam de ser adquiridos pelo município no âmbito de um procedimento de negociação – que seria facilitado pelo delineamento de uma frente urbana na faixa norte da área abrangida pelo plano – não houve, correspondentemente, uma previsão dos custos que esta negociação envolveria.
100. O PPT previa que toda a área do plano fosse objecto de reparcelamento, de acordo com o disposto no art. 131.º, do Decreto-Lei n.º 380/99. Porém, como vimos, o reparcelamento não se identifica necessariamente com a aquisição dos terrenos.
101. Contudo, verifica-se que a parcela de terreno propriedade dos reclamantes coincide com a quase totalidade do projectado parque urbano da cidade, e que haveria de ser afecta a equipamento de utilização pública, conforme o disposto no art. 16.º, n.º 1 do PPT.
102. Como já acima afirmámos, não se vê que outra forma haveria de assegurar a sua execução que não passasse pela aquisição negocial ou, em caso de desacordo, por expropriação. Com efeito, mesmo que os proprietários tivessem de efectuar cedências dos terrenos a integrar o domínio público, nos termos do art. 133.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 380/99, estas não haveriam de ser de tal monta que abrangessem toda a área do parque urbano previsto para o seu prédio.
103. E a PolisVila Real encetou um procedimento de negociação durante o qual se revelou impotente em termos financeiros para o concretizar, vindo, posteriormente a romper com os procedimentos negociais e a entrar em processo de liquidação.
104. Mais uma vez geraram-se expectativas nos particulares e por duas vias:
a) a expectativa de o seu prédio, por qualquer forma, ser adquirido pela PolisVila Real, de modo a ser executado o previsto no plano;
b) a expectativa de ver o plano executado dentro dos prazos previstos no plano de execução.
105. Se do preceituado no Decreto-Lei n.º 380/99, resulta claro um dever de a Administração Pública prever os meios adequados à execução dos planos de pormenor e um dever de os executar no prazo fixado, do PPT resultava um cronograma de execução claramente definido que não foi cumprido.
106. E esta situação tem duas agravantes:
a) A Administração Pública escolheu a forma mais onerosa para os particulares, ao nível da execução dos planos, coarctando-lhes, por completo, qualquer possibilidade de iniciativa;
b) Em contrapartida, não previu os meios financeiros adequados à execução de uma tarefa que chamou a si em regime de exclusividade.
107. Ou seja, à partida, a execução do plano estava, financeiramente, condenada. Sem meios não se concretizam fins.
108. E não se diga que o direito à indemnização pelos danos sofridos se encontrará precludido pelo facto da Câmara Municipal se encontrar a rever o PPT tendo, inclusivamente, orçamentado a verba para tanto.
109. Esta alteração, embora fulcral para que os particulares possam, finalmente, fruir da sua propriedade, não é susceptível de reparar os prejuízos provocados durante todos os anos em que se viram impedidos de o fazer. Apenas impede o agravamento futuro do dano.
B) Da violação do princípio da igualdade perante os encargos públicos
110. A Administração Pública dispõe de autonomia na escolha do sistema de execução dos planos. Mas a escolha tem de observar os princípios jurídicos que enformam a actividade administrativa, nomeadamente o princípio da proporcionalidade, ponderando-se, por um lado, o interesse público na execução do plano, com os custos que a escolha implica, nomeadamente ao nível do erário público, e por outro lado, a lesão infligida aos direitos dos administrados. O meio há-de ser o adequado à prossecução do fim previamente definido e de forma a que os custos ou inconvenientes não sejam notoriamente excessivos em relação ao fim público que se pretende realizar.
111. E caso o equilíbrio entre os custos e as vantagens da escolha não seja atingido, para além de se gerar a ilegalidade do acto, por violação do princípio da proporcionalidade, constitui-se o direito de indemnização na esfera jurídica dos particulares afectados.
112. Como já se constatou, foi escolhido o sistema de imposição administrativa para execução do plano, ou seja, o mais oneroso para a Administração Pública, na medida em que a iniciativa de execução do plano também pertence ao município que actua directamente ou mediante concessão de urbanização, de acordo com os meios previstos na lei, como sejam, o direito de preferência, a demolição de edifícios, a expropriação, a reestruturação da propriedade e o reparcelamento do solo urbano.
113. Por contraposição, o sistema de compensação caracteriza-se por a iniciativa, a programação e a execução do plano caber aos particulares (cfr. art. 122.º do Decreto-Lei n.º 380/99), desonerando-se o município destas tarefas, com todos os encargos administrativos e financeiros que isso implica. Por seu turno, o sistema de cooperação caracteriza-se por a iniciativa de execução, a respectiva programação e a execução dos planos caber à câmara municipal, com a cooperação dos particulares interessados, nos termos de contrato de urbanização a celebrar.
114. E não se diga que apenas o sistema de imposição administrativa permitira à Administração Pública o controle das acções a realizar porque em qualquer dos sistemas escolhidos detém amplos poderes de controle.
115. Em qualquer dos sistemas, a definição do conteúdo do plano será efectuada pelos poderes públicos, razão pela qual os particulares terão sempre de conformar a sua actuação ao pré-determinado no plano. Por outro lado, em qualquer dos sistemas, a Administração Pública detém poderes de controle da programação e da execução dos planos.
116. E, escolhido o meio de execução dos planos mais gravoso para os particulares, (coarctando-lhes, por completo, qualquer possibilidade de iniciativa) e o mais oneroso para a Administração Pública, em termos financeiros assim como em termos de responsabilidade pelas operações a desenvolver, não se dotou o programa Polis dos instrumentos financeiros adequados, nem se lançou mão de todos os meios disponíveis para a prossecução dos fins propostos.
117. Mas mesmo que não se considere violado o princípio da proporcionalidade, e consequentemente verificado um acto ilícito, a impossibilidade de utilização do seu prédio, de acordo com o previsto no PPT, e anteriormente no Plano Director Municipal, mediante a execução da edificação de iniciativa privada ali prevista, implica a imposição de um sacrifício especial e anormal aos proprietários, quando comparado com a generalidade dos proprietários.
118. E os proprietários dos prédios abrangidos pelo PPT teriam de aguardar, no limite, até 2010, ou seja, mais de sete anos, para que pudessem tirar proveitos da seu direito de propriedade através da execução e rentabilização das obras de construção previstas no Plano.
119. Esta situação não pode deixar de ser classificada como uma expropriação do plano. E não é possível deixar de reconhecer o direito de indemnização aos particulares afectados com base no regime jurídico da responsabilidade civil extra-contratual por actos lícitos, de acordo com a doutrina mais avisada sobre o assunto, em concreto, por Alves Correia (6).
120. E se o disposto no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1967, se ajustava ao caso concreto, melhor se ajusta a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que revogou aquele diploma ao prever expressamente, no artigo 16.º, o direito a indemnização pelo sacrifício.
121. É o princípio constitucional da igualdade a reclamar o tratamento não discriminatório dos cidadãos na repartição de encargos com a satisfação do interesse público. É este o sentido da responsabilidade civil extracontratual por actos lícitos de gestão pública, respaldado no artigo 22º da Constituição.
122. Não para todo e qualquer sacrifício ou lesão, pois, de outro modo, tornava-se incomportável a actividade administrativa do Estado e dos municípios, mas para os prejuízos que ninguém deixará de reconhecer como manifestamente injustos, que revistam uma especialidade, anormalidade e gravidade como são os verificados no caso concreto.
123. De facto, a limitação imposta aos proprietários e o espaço de tempo durante o qual esta limitação decorrerá não pode deixar de ser vista como uma lesão do conteúdo essencial das faculdades que integram o direito de propriedade privada, que ficam, na prática, reduzidas a nada, e uma violação do princípio da igualdade na distribuição dos sacrifícios individuais em benefício da colectividade, ou seja, do princípio da igualdade perante os encargos públicos, que implicam o dever de indemnizar.
124. Analisada retrospectivamente toda a factualidade deste caso concreto e tendo presente a perspectiva do plano vir a ser alterado por forma a permitir-se aos proprietários, finalmente, a possibilidade de fruirem os seus prédios, em conformidade com o disposto no Plano Director Municipal e, em concreto, de acordo com o PPT, não se pode deixar de adoptar a expressão utilizada por alguma doutrina para classificar estes casos: “expropriações por arrastamento” ou “expropriações construtivas”.
125. E é o arrastamento da situação de privação de uso da parcela de terreno propriedade dos reclamantes que torna esta situação mais grave e anormal.
126. Mais grave é quando a Administração Pública confessa que vai alterar o PPT porque não tem capacidade para o executar.
127. Justifica-se inteiramente convocar a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem onde, inclusivamente, o Estado português já foi condenado, em situações análogas (7).
128. Considera o Tribunal que expropriação relevante, para efeitos de indemnização, tanto poderá ser formal como meramente de facto.
129. Situações haverá em que não se verifica uma privação do direito de propriedade, mas nem por isso deixarão de ser consideradas, para efeitos indemnizatórios, nomeadamente quando se verifique a séria improbabilidade de venda do terreno, bem como a impossibilidade de pleno gozo do direito de propriedade.
130. Nestes casos, de restrições ao exercício do direito de propriedade, em que não há lugar à evicção da titularidade do direito, mas apenas uma perda da sua substância, o Tribunal entende que se deve verificar se se terá mantido um justo equilíbrio entre as exigências do interesse geral da comunidade e os imperativos de salvaguarda dos direitos fundamentais.
131. Justificar-se-á a indemnização quando esse justo equilíbrio for quebrado, nomeadamente quando se imponha um encargo especial e exorbitante ao proprietário do imóvel.
132. Assim, sendo, mesmo que o Estado ou o município de Vila Real se pretendam ver eximidos do dever de indemnização, o que é certo é que este dever lhes poderá ser imposto por aquele Tribunal Internacional, desde que a ele recorram os particulares, após esgotados todos os meios judiciais e outros previstos na legislação nacional.