ANOTAÇÃO


Entidade visada: Câmara Municipal de Sintra
Proc.º:
R-2625/07
Área:
A1


Assunto: Ambiente. Ruído. Actividades domésticas.




Objecto:
Reclamava-se da Câmara Municipal de Sintra por não impedir o morador em edifício multifamiliar de incomodar os vizinhos com um relógio de sala ruidoso, cujo toque era particularmente sentido à noite, na falta de ruído de fundo.



Decisão: Embora fosse desejável que a lei delimitasse com maior rigor o âmbito de aplicação do Regulamento Geral do Ruído, considerou-se não ser justificada a intervenção, por não se verificarem os pressupostos de que a lei faz depender a intervenção das autoridades policiais em matéria de ruído de vizinhança.



 


Síntese:



1. Analisámos os factos descritos na reclamação e concluímos não se justificar a intervenção deste órgão do Estado pelos motivos que se enunciam.


2. O reclamante queixou-se da não admissão do recurso hierárquico que interpôs para o Presidente da Câmara Municipal de Sintra de um despacho da Divisão de Fiscalização Municipal proferido em 14.05.2007.


3. Verificámos que este despacho é meramente confirmativo de um outro, de 13.03.2007, em que se indeferia a pretensão no sentido de serem tomadas providências contra o ruído causado por um relógio instalado em casa de um vizinho, num edifício multifamiliar.


4. Sendo este último despacho simples confirmação do primeiro – em que se concluía estar a questão fora das atribuições municipais por se tratar de um conflito de natureza particular – a Câmara Municipal de Sintra não se encontrava obrigada sequer a pronunciar-se, nos termos do disposto no art.º 9.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo.


5. Pretende o queixoso, em alternativa, «saber a forma administrativa de a pretensão ser analisada».


6. O essencial está nesse ponto. Não há forma administrativa de atender à pretensão, justamente, porque não se trata de uma situação que diga respeito à actuação da Administração Pública.


7. O modo próprio, específico e insubstituível para dirimir conflitos desta natureza é o dos tribunais. No tribunal, ambas as partes – o reclamante e o seu vizinho – em inteira igualdade de oportunidades podem opor um ao outro os direitos de cada um. O reclamante invocará o direito ao seu repouso e o seu vizinho o direito a usar e fruir o relógio que lhe pertence. O tribunal decerto verificará em que medida cada um destes direitos precisa de protecção e em que medida cada um deles, eventualmente, está a ser abusivamente exercido.


8. Nem a câmara municipal nem a Polícia de Segurança Pública podem substituir-se ao tribunal pesando imparcialmente os direitos de cada um porque estão exclusivamente ao serviço da ordem pública. Esta, no caso concreto, não se indicia violada: a incomodidade circunscreve-se ao interior do domicílio do queixoso, causada por relógio instalado no domicílio do seu vizinho.


9. A lei pode, à primeira vista, dar a entender que não é bem assim, pois, refere-se (Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro) ao designado ruído de vizinhança (art.º 24.º), facultando às autoridades policiais (PSP ou GNR) o poder de ordenarem ao produtor desse tipo de ruído – produzido entre as 23 horas e as 7 horas – que cesse, de imediato, a incomodidade. Na avaliação deste tipo de ruído, a lei confia uma grande margem de livre apreciação ao agente das forças de segurança. E bem, pois, de outro modo, restaria ser definido o ruído excessivo por quem se diz incomodado ou por quem o produz. Nem um nem outro se encontram em condições de isenção. Assim, no art.º 3.º, alínea r), define-se ruído de vizinhança como «o ruído associado ao uso habitacional e às actividades que lhe são inerentes, produzido directamente por alguém ou por intermédio de outrem, por coisa à sua guarda ou animal colocado sob a sua responsabilidade, que, pela sua duração, repetição ou intensidade, seja susceptível de afectar a saúde pública ou a tranquilidade da vizinhança». Este último pressuposto, como bem se vê, obriga as autoridades policiais a conterem a sua apreciação, pois têm de explicar como possa um relógio de sala afectar a saúde pública (da colectividade) ou a tranquilidade da vizinhança (ordem pública). Nos demais casos, devem encaminhar os queixosos para os tribunais.


10. Pode opor-se que a questão não atinge relevo bastante para uma acção judicial. Considere-se porém que têm vindo a ser criados um pouco por todo o país julgados de paz que providenciam pela mediação de conflitos e, se este método não resultar, pela resolução simplificada dos mesmos.


11. Em face do exposto, foi o processo arquivado, nos termos do art.º 31.º, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça).