PARECER



Entidade visada: Ministro de Estado e da Administração Interna
Proc.º: P-13/01
Área:
A1




Assunto:
Ambiente – Segurança – Produtos explosivos.




Objecto:
Oficiosamente, o Provedor de Justiça procurou persuadir o Governo a definir medidas legislativas mais rigorosas e eficazes para fiscalizar e controlar os estabelecimentos de fabrico e depósito de produtos pirotécnicos, em face da elevada sinistralidade e da observação – em casos concretos – de um elevado número de oficinas ilegais.








Decisão:
A aplicação do Decreto-Lei n.º 139/2002, de 17 de Maio, completado pelo Decreto-Lei n.º 87/2005, de 23 de Maio, assim como a inventariação dos estabelecimentos de pirotecnia e a rigorosa fiscalização das actividades do sector, secundada pela aplicação de medidas de polícia administrativa, permitem ter por devidamente acauteladas as condições de segurança dos estabelecimentos de fabrico e armazenagem de explosivos.


 


1. No âmbito da instrução do processo P-13/01, organizado por iniciativa do Provedor de Justiça, procurámos alertar os anteriores Governos (XIV, XV e XVI) para algumas lacunas do regime jurídico do licenciamento dos estabelecimentos de fabrico e de armazenamento de explosivos.



2. Preocupam-nos, fundamentalmente, e tomando como base reclamações apresentadas, provenientes dos mais diversos pontos do país, os riscos que advêm da exploração destes estabelecimentos para a segurança de pessoas e bens. Muitos destes estabelecimentos encontram-se segurados em valores irrisórios quando compaginados com os vultuosos montantes dos prejuízos que um acidente produz.



3. A inventariação das actividades fabris de pirotecnia e cartuchos de caça, promovida pelo Ministério da Administração Interna, em 2001, concluiu serem extremamente deficientes as condições de segurança dos estabelecimentos de pirotecnia, mesmo dos que se encontram legalizados.



4. Por ofício de 25.03.2002, esclareceu-nos o Gabinete do então Ministro da Administração Interna que os trabalhos de revisão do regime jurídico das actividades de fabrico e armazenagem de explosivos (Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 474/88, de 22 de Dezembro) tinham sido suspensos, depois da demissão do XIV Governo Constitucional, embora se encontrassem em avançado estado de maturação.



5. Apesar de publicado o Decreto-Lei n.º 139/2002, de 17 de Maio, constatámos nada ter sido determinado acerca dos prejuízos causados a terceiros no exercício da actividade de manuseamento e fabrico de tais substâncias.



6. Por ofício de 21.01.2003 foi-nos anunciada a projectada suspensão, por um ano, da aplicação do Decreto-Lei n.º 139/2002, a fim de propiciar a



adaptação do sector às novas exigências de segurança dos estabelecimentos bem como uma melhor reflexão sobre o regime, podendo, eventualmente, concluir-se pela necessidade de proceder a ajustamentos que os estudos entretanto realizados aconselhem”.



7. Ulteriormente, em 10.02.2003, o Chefe do Gabinete do então Secretário de Estado-Adjunto, deu conhecimento à Provedoria de Justiça de que a Comissão de Explosivos, incumbida de elaborar os projectos legislativos relativos ao fabrico, armazenagem, comércio e utilização de explosivos, dispunha-se a analisar, prioritariamente, a necessidade de instituir mecanismos para protecção de terceiros contra os riscos que tais actividades importam para a segurança de pessoas e bens.



8. Em 13.11.2003 foi-nos adiantado encontrar-se prevista a constituição de um seguro de responsabilidade civil para a realização de espectáculos pirotécnicos, no âmbito do projectado regulamento sobre a utilização de artigos pirotécnicos. Quanto ao ressarcimento dos danos imputados às actividades de fabrico, manuseamento e comércio de explosivos, ponderava-se o tratamento em sede de revisão do Decreto-Lei n.º 376/84.



9. É certo que o articulado do Decreto-Lei n.º 139/2002, de 17 de Maio, veio estabelecer exigências reforçadas no domínio da segurança, ao impor que o industrial seja detentor de um título real ou contratual que lhe permita fazer observar o regime definido para a zona de protecção.



10. Parece-nos de aplaudir a solução consagrada no artigo 12.º, n.º 7, do Regulamento de Segurança dos Estabelecimentos de Fabrico e de Armazenagem de Produtos Explosivos, aprovado pelo citado decreto-lei, fazendo impender sobre o industrial – que aufere os benefícios da actividade de fabrico de explosivos – os encargos com a satisfação das exigências de segurança, sem sacrifícios patrimoniais para terceiros, em lugar da anterior servidão que onerava os imóveis circundantes. Todavia, suscita-nos algumas reservas a coerência interna do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 139/2002.



11. Assim, se no artigo 3.º se determinou a caducidade dos alvarás e licenças de fabrico ou de armazenagem, sujeitando-os a um processo de renovação condicionada pela verificação de que o requerente cumpre todos os requisitos legais para a actividade, logo se estipulou que esta pode não operar:




se e enquanto os requisitos a que se refere o número anterior não se mostrem cumpridos por causa não imputável ao requerente, este demonstre ter usado e continuar a usar de toda a diligência com vista à rápida correcção da situação e a continuação da laboração não ponha significativamente em causa a segurança das pessoas e bens”


12. Poderia, ainda, não obstar à renovação dos alvarás o facto de o responsável pelo estabelecimento não cumprir a condição para o efeito prevista no artigo 12.º, n.º 7 do Regulamento – ser detentor de direito real ou contratual bastante para o exercício dos direitos sobre o terreno da zona de segurança– encontrando-se a eficácia da licença, nestes casos, condicionada à estrita observância do regime da zona de segurança naqueles terrenos.



13. Ora, não se alcança como possa o responsável pela exploração prover ao cumprimento do disposto no artigo12.º, n.º 1, sem cumprir, do mesmo passo, a exigência do n.º 7.



14. Também as proibições consignadas no artigo 12.º, n.º 2 e n.º 4, foram excepcionadas pelas disposições seguintes (n.º 3 e n.º 5) (1).



15. A referida suspensão, por um ano, do Decreto-Lei n.º 139/2002, para adaptação a novas exigências de segurança, viria ainda a ser prorrogada por mais dois anos, contados desde de 17.05.2003, pelo Decreto-Lei n.º 139/2003, de 2 de Julho.



16. Algumas das incoerências do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 139/2002, seriam ultrapassadas na sequência da publicação do Decreto-Lei n.º 87/2005, de 23 de Maio. Assim, cessaram vigência, de entre as normas supra analisadas, as contidas no art. 3.º, n.º 3 e n.º 4 do citado diploma e no art. 12.º do Regulamento anexo (cfr. art. 11.º do Decreto-Lei n.º 87/2005).



17. Procurou o Governo estabelecer parâmetros de segurança mais rigorosos, instituindo um procedimento de concessão e renovação de alvarás condicionado ao exercício de acção de fiscalização e da verificação, in casu, do cumprimento dos requisitos plasmados no Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139/2002, ora aperfeiçoados, e, bem assim, da apresentação de um plano de segurança (2).



18. Todavia, não compreendo como possa o legislador admitir que o titular do estabelecimento “demonstre a sua posse sobre a zona de segurança, mediante a apresentação de autorização escrita, emitida pelo proprietário ou comproprietários, do terreno, donde conste uma declaração de não oposição à instalação do estabelecimento, nem à constituição da zona de segurança” (art. 6.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 87/2005, de 23 de Maio).



19. Na verdade, entendo que esta permissão pode pôr em causa a estrita observância do regime estabelecido para a zona de segurança. O consentimento ou a tolerância do proprietário é, por natureza, um acto precário, a todo o momento, susceptível de ser revisto. Basta que os direitos reais sobre o imóvel mudem de titular por sucessão ou por transmissão.



20. Ora, opondo-se o proprietário à exploração, em momento subsequente ao do licenciamento, fica, irremediavelmente, comprometido o respeito pelas prescrições técnicas de segurança, ameaçada a defesa da vida e da integridade física das pessoas e a prevenção de danos em bens materiais. Parece-me, por conseguinte, excessiva a flexibilização que esta norma introduz no regime de licenciamento dos estabelecimentos de fabrico e armazenagem de produtos explosivos.



21. Note-se que o actual regime não consagra nenhuma norma equivalente ao anterior n.º 4 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 139/2002 (ora revogado), que previa que, não sendo o titular do estabelecimento detentor de título real ou contratual bastante para o exercício dos direitos sobre o terreno da zona de segurança, se condicionasse a manutenção da licença à observância do regime da zona de segurança.



22. A infracção às normas de segurança consagradas no art.12º e seguintes do Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139/2002, justifica a instauração de um procedimento contra-ordenacional (art. 45.º, n.º 3 e n.º 4), podendo culminar na aplicação de sanção acessória de encerramento ou suspensão do alvará.



23. O art. 31.º do Regulamento sobre o Licenciamento dos Estabelecimentos de Fabrico e Armazenagem de Produtos Explosivos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro, prevê a caducidade do alvará quando se verifique perigo para a segurança ou saúde públicas. A caducidade é decidida por despacho ministerial, sobre proposta do presidente da Comissão dos Explosivos, após a audiência dos interessados e baseada em parecer favorável daquela Comissão, dependendo a eficácia do despacho da sua publicação em Diário da República.



24. Em face do elevado perigo que a violação do regime da zona de segurança consubstancia para a comunidade, mais ajustada nos pareceria a previsão legal de uma medida de polícia que, de imediato, habilitasse a autoridade policial ou o governador civil a suspender a actividade perigosa.



25. De resto, permito-me questionar, ainda, porque se permite a detenção de um mero título contratual sobre os terrenos da zona de segurança, solução que merecia ser reponderada, ao menos, quando se trate da concessão de novos alvarás e licenças para o fabrico ou armazenagem de produtos explosivos e artifícios pirotécnicos.



26. Apenas um título real garante a estabilidade da exploração e o rigoroso cumprimento das exigências de segurança.



27. Permanece elevado o número de estabelecimentos rodeado ou ladeado por edificações habitadas, por outros edifícios destinados a utilização humana e até por vias de comunicação, não dispondo sequer da zona de segurança regulamentar já prevista no anterior regime jurídico (Decreto-Lei n.º 142/79, de 23 de Maio) (cfr. ponto 3).



28. Sou levado a crer que se mantêm as precárias condições de segurança no armazenamento e fabrico de explosivos, não dispondo a maioria dos estabelecimentos de redes de combate a incêndio, nem de equipamentos estanques e deflagrantes, nem tão-pouco da vedação da zona de implantação fabril.



29. Nada mais conheço, desde Março de 2004, do estado dos trabalhos de revisão do Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 474/88, de 22 de Dezembro, sendo certo que o Governo se propôs regular, neste âmbito, o ressarcimento dos danos imputados às actividades de fabrico, manuseamento e comércio de explosivos. Importaria, ainda, saber da projectada constituição de um seguro de responsabilidade civil, por parte dos promotores de espectáculos pirotécnicos (v. ponto 8).



30. Em face do exposto, compreenderá Vossa Excelência a minha preocupação, em especial, de cada vez que a imprensa relata mais um acidente, não raro com vítimas, por explosão de artigos de pirotecnia.



31. Em particular, dignar-se-á esclarecer se pretende retomar os trabalhos de revisão do regime jurídico do exercício das actividades de fabrico e armazenagem de explosivos (fixado pelo Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro), ponderando, do mesmo passo, o aperfeiçoamento das soluções actualmente consagradas de modo a assegurar a efectiva protecção de terceiros contra os riscos para a segurança de pessoas e bens.




Síntese:



Em 20.03.2006, o Provedor de Justiça dirigiu-se ao Ministro de Estado e da Administração Interna, a fim de advertir para algumas lacunas do regime jurídico do licenciamento dos estabelecimentos de fabrico e de armazenamento de explosivos, susceptíveis de comprometer a segurança na laboração daqueles estabelecimentos, nos termos e com os fundamentos explanados no texto reproduzido supra.



Em resposta a esta ordem de preocupações, transmitiu-nos Sua Excelência o Ministro, em suma, que a admissão de diferentes títulos de posse ou de afectação da zona de segurança pretende traduzir a situação dos estabelecimentos, enquadrados em área de propriedade dispersa, dificultando a adopção do factor propriedade, como critério único, o que acarretaria prejuízos desproporcionados para o exercício da pirotecnia. Considera o Governo que a existência de um título de posse salvaguarda plenamente a consagração de uma zona de segurança.



Em anexo, foi-nos enviado um documento balanço da aplicação do regime de caducidade dos alvarás e licenças, ao abrigo do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 87/2005, de 23 de Maio. A Polícia de Segurança Pública iniciou o procedimento administrativo para revalidação ou revogação das autorizações provisórias do exercício da actividade dos estabelecimentos de fabrico e armazenagem de explosivos, desencadeando uma campanha de fiscalização ao conjunto dos estabelecimentos de fabrico e armazenagem de explosivos. Constatou-se ser expressivo o número de estabelecimentos cuja actividade foi interdita, mediante a revogação do respectivo alvará de autorização – provisória ou definitiva – ou suspensa, decorrendo os procedimentos tendentes à cessação da actividade de um conjunto igualmente numeroso de estabelecimentos. Do mesmo passo, foi informado que o Ministério da Administração Interna acompanhará as alterações impostas pelas políticas comuns europeias em matéria de reforço da segurança no domínio do armazenamento, utilização e transporte de produtos explosivos, facto que contribui para sistematicamente manter o Estado em sintonia com as novas exigências de segurança e defesa do ambiente.



Em face do exposto, ponderando que as providências legislativas anunciadas e as medidas de polícia aplicadas contribuirão decerto para reduzir os riscos que esta actividade comporta e diminuir os níveis de sinistralidade que apresenta, foi o processo arquivado.


 


 





Notas de rodapé
:


(1) Art. 12º, n.º2-“A linha de delimitação referida no número anterior não pode distar menos de 60 m de qualquer construção que possa conter produtos explosivos ou substâncias perigosas”.


Art.12º, nº3 –” O disposto no número anterior pode não ser exigível quando, por parecer da Comissão de Explosivos, se entenda que a morfologia do terreno ou o baixo risco em concreto, designadamente a ausência de risco de projecções, permite garantir condições aceitáveis de segurança a quem se situe fora da zona de segurança definida nos termos do nº1″.


Art.12º, nº4-“Na zona de segurança não podem existir ou construir-se quaisquer edificações, vias de comunicação ou instalações de transporte de energia ou comunicações , além das indispensáveis ao serviço do estabelecimento”.


Art.12º, nº5- “Em casos justificados pode ser autorizada a existência de instalações de transporte de energia ou de comunicações dentro da zona de segurança, desde que, em todas as circunstâncias, sejam observadas as distâncias de segurança previstas para tais instalações”.



(2) Dispõe-se no preâmbulo do diploma “procurou ajustar-se o regime aprovado pelo Decreto-Lei nº139/2002, sem nunca afastar os seus requisitos de segurança, e nalguns casos mesmo reforçar as suas preocupações, nomeadamente quanto ao controlo efectivo da guarda e armazenamento de produtos explosivos, detonadores e substâncias perigosas, por forma que os pontos de maior resistência possam encontrar, com a brevidade desejável, a exequibilidade necessária para a sua observância e cumprimento. (……) Em consonância, a fiscalização das condições concretas de laboração será intensificada.”


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