CHAMADA DE ATENÇÃO



Entidade visada: Câmara Municipal de Nisa
Proc.º: R-2741/06
Área: A1



Assunto:
Urbanismo – edificação – licença – demolição.




I.


ser licenciada, tal juízo não obsta ao dever de demolição. Com efeito, o artigo 106.º n.º 2 do Regime Jurídico


1. Como é do conhecimento de V. Exa., foi solicitada a minha intervenção junto da Câmara Municipal de Nisa, por alegada inacção perante construção promovida sem prévio licenciamento. Pretendia-se, em concreto, que a construção em causa fosse demolida, dada a persistência da ilegalidade, denunciada em 2004.



2. Promovida a audição desse município, apurou-se que, não obstante as várias diligências realizadas junto do infractor para regularizar a situação, o mesmo não apresentou os elementos necessários ao licenciamento da obra.



3. Tão pouco a obra foi demolida pelo infractor nos prazos estabelecidos para o efeito, nem pela Câmara Municipal de Nisa que, desde 2005, o vem advertindo dessa possibilidade.



4. Ainda que a obra seja susceptível de da Urbanização e Edificação aponta no sentido de a legalização de obras corresponder a um ónus do interessado. Este é constituído no dever de formular o pedido de licenciamento da referida obra, que virá a ser apreciado pela câmara municipal, conforme o disposto no regime legal aplicável. Mas caso não promova a legalização da obra no prazo razoável que lhe foi dado para o efeito, é legítima, rectius devida, a emanação da ordem de demolição (1). O que, aliás, se compreende pois a demolição consiste numa medida de tutela da legalidade urbanística, não se podendo aguardar que a infracção urbanística se prolongue indefinidamente (2).



5. Isto, sem descurar os trâmites legais exigidos para o efeito no que respeita à audição do interessado sobre o conteúdo da ordem de demolição (artigo 106.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro).



6. Por outro lado, a câmara municipal não deu seguimento ao auto de notícia levantado em 2005, situação só verificada após contacto informal com os serviços da Provedoria de Justiça.



7. Ora, não posso deixar de lamentar a demora havida na reacção da Câmara Municipal de Nisa perante o conhecimento desta situação, quer na reintegração da ordem administrativa violada, quer na repressão de eventual infracção administrativa.



8. Deve V. Exa. ter presente que a inércia dos serviços municipais, em face destas questões, gera, nos infractores, um sentimento colectivo de impunidade que potencia a reincidência destes comportamentos, à revelia do legalmente prescrito, de forma tal que se diluem as responsabilidades e se quebra colectivamente o sentido do dever de obediência para com as autoridades municipais.




II.


9. Na comunicação de 25.01.2007, informou-me V. Exa. de ter sido concedido um «prazo último» de 90 dias ao infractor para regularizar a situação, findo o qual o processo transitaria para o Gabinete Jurídico para se pronunciar sobre procedimento a adoptar para que a Câmara executasse a obra de demolição, visto ser necessário para o efeito «aceder ao interior da propriedade» do infractor.



10. Faço notar que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre o princípio da inviolabilidade do domicílio, previsto no artigo 34.º n.º 1 da Constituição, entendendo no Acórdão n.º 452/89, publicado no DR, I Série, de 22 de Julho de 1989 que: «A inviolabilidade do domicílio a que se refere o artigo 34.º da Constituição exprime, numa área muito particular, a garantia do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, genericamente afirmada no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Por isso mesmo tal garantia se não limita a proteger o domicílio, entendido este em sentido restrito, ou seja no sentido civilístico de residência habitual; antes, e de acordo com a interpretação que dela é tradicionalmente feita, tem uma dimensão mais ampla, isto é, e mais especificamente, tem por objecto a habitação humana, aquele espaço fechado e vedado a estranhos, onde recatada e livremente, se desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e familiar».



11. Para que o conceito de domicílio tenha dimensão constitucional deve verificar-se casuisticamente se a protecção da vida privada está em causa. Ora, no decurso da instrução do processo não se obtiveram elementos que permitam avaliar, com rigor, a natureza do espaço em questão.



12. Contudo, será duvidoso que a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio possa obstar à entrada num alpendre, exterior à habitação, a menos que o seu acesso só seja possível através do interior do domicílio em questão.



13. Se assim for, a protecção constitucional do domicílio impõe que, caso não seja autorizada a entrada pelo proprietário, só possa ser esta ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e de acordo com as formalidades legalmente previstas (artigos 34.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição).



14. A execução por via coactiva dos actos administrativos é, assim, uma das restrições legais ao direito à inviolabilidade do domicílio. É um dos casos em que a exigência de consentimento do particular é afastada, tendo em conta o interesse público que subjaz à garantia executiva dos actos administrativos.



15. Mas, de acordo com o preceituado pelo art. 34.º, n.º 2, da Constituição, encontra-se esta possibilidade sob reserva de decisão judicial, constituindo tal exigência um limite absoluto à discricionariedade do legislador na definição dos casos e das formas em que a entrada no domicílio contra a vontade dos cidadãos pode ter lugar.



16. A reserva judicial de decisão destina-se a assegurar a legalidade de uma medida que é restritiva dos direitos, liberdades e garantias – a entrada no domicílio sem consentimento do particular -, pelo que a restrição só será autorizada se o juiz concluir pela exigibilidade, adequação e proporcionalidade da medida (art. 18.º, n.º 2, da CRP).



17. O consentimento do particular para entrada no respectivo domicílio só pode ser suprido por mandato judicial que garanta que a restrição em causa se confina ao estritamente necessário para a prossecução do interesse público na execução dos actos administrativos.



18. Deve entender-se que os tribunais comuns são competentes para conhecer do pedido de emissão de mandado judicial, formulado por uma entidade pública, para entrada numa residência particular com o fim de promover a execução de um acto administrativo (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19.4.1990, CJ, II, 1990, p. 153).



19. Finalmente, não deverá recair sobre o particular o encargo de se dirigir aos tribunais, solicitando a emissão do mandado judicial previsto no artigo 34.º n.º 2 da Constituição, de modo obter a permissão de entrada no domicílio vizinho para execução de um acto administrativo. Deverá, sim, ser a Câmara Municipal de Nisa, em caso de oposição do infractor, a solicitar a emissão do mandado judicial com o fim de promover a vistoria em questão. Doutro modo, muito provavelmente, o tribunal não reconheceria legitimidade ao particular.




III.


20. Recentemente, informou-me V. Exa. da organização de um processo de contra-ordenação e de estar prevista a demolição da obra ilegal pela Câmara Municipal de Nisa, caso o infractor não regularize a situação.



21. Tendo presente que as medidas agora anunciadas por V. Exa. são consentâneas com a resolução da queixa apresentada a este órgão do Estado, determinei o arquivamento do processo.



22. Todavia, caso não tal não suceda em tempo razoável, não estranhará V. Exa. que novo processo venha aberto e retomadas as nossas diligências.







Notas de rodapé:


(1) Vd. Maria José Castanheira Neves, Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes, Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação Comentado, Almedina, 2006, p. 447.


(2) Neste sentido, vd. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25.01.2006, processo n.º 379/05.