ANOTAÇÃO


Entidade visada: Município do Redondo.
Proc.º: R-436/2008
Área: A4


Assunto: Contrato de prestação de serviços. Concurso. Princípios.



Objecto:
Legalidade do concurso de admissão de engenheiro florestal para o Gabinete Técnico Florestal Municipal e Intermunicipal através de contrato de prestação de serviços na modalidade de contrato de avença.


Decisão: O Presidente da Câmara Municipal de Redondo anulou o concurso.



Síntese
:


 I – 1. Foi apresentada queixa ao Provedor de Justiça contra o Município de Redondo, relativamente à legalidade do concurso de admissão de um engenheiro florestal, para prestação de serviços, ao abrigo de contrato de avença, no Gabinete Técnico Florestal Municipal e Intermunicipal.


2. A queixa foi instruída nos termos dos artigos 28.º e 34.º do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 30/96, de 14 de Agosto), tendo sido analisados os documentos do processo de concurso e apurados os factos relevantes do ponto de vista da mesma.


II – 1. No confronto com o Direito aplicável, considerou-se procedente a queixa. Foi solicitado ao Presidente da Câmara Municipal de Redondo que corrigisse a actuação administrativa em causa, anulando o concurso.


Entre os fundamentos para a anulação, foi aduzido, em resumo, o seguinte.


2. A celebração de contrato de avença está sujeita “ao regime previsto na lei geral quanto a despesas em matéria de prestação de aquisição de serviços” (n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro, e artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 25/98, de 26 de Maio). Este regime constava, à data, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho (“estabelece o regime da realização de despesas públicas com locação e aquisição de bens e serviços, bem como da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços”). Independentemente de se saber qual o procedimento que deveria ter sido seguido – de entre os procedimentos adjudicatórios cuja tramitação estabelece e de acordo com a despesa pública que lhe é inerente, atento o pagamento mensal fixado e a duração total do contrato -, e independentemente da consequente correcção da publicidade assegurada, foi destacado que o procedimento tem de respeitar os princípios gerais e fundamentais da contratação pública, enunciados desde logo naquele diploma (artigos 7.º a 15.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho), mas também decorrentes do artigo 266.º da CRP e dos artigos 3.º e segs. do CPA, a saber: os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público, os princípios da transparência e da publicidade, o princípio da igualdade, o princípio da concorrência, o princípio da imparcialidade, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, o princípio da estabilidade e o princípio da responsabilidade.


3. No caso concreto, não foram respeitados alguns destes princípios. Em síntese, foram violados:



a) O princípio da transparência e o princípio da imparcialidade (artigo 8.º, n.º 1, e artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, artigo 6.º do CPA artigo 266.º, n.º 2, da CRP e jurisprudência vasta indicada), na medida em que os critérios de avaliação surgem, no processo, depois de analisados, para efeitos de admissão, os processos de candidatura dos candidatos (em 26 de Novembro de 2007, tendo o concurso sido aberto em 27 de Setembro de 2007, pelo período de cinco dias úteis). A definição anterior ao conhecimento dos candidatos, ou anterior a qualquer possibilidade de afeiçoamento, do sistema de avaliação constitui um dos momentos essenciais de um qualquer procedimento de concurso. De acordo com n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, os factores, o seu peso relativo e os critérios de avaliação “devem estar definidos previamente à abertura do procedimento e ser dados a conhecer a todos os interessados a partir da data daquela abertura”. Corresponde ao cumprimento da exigência de transparência do procedimento e é uma garantia da respectiva fiabilidade, de correcta equidistância face aos interesses particulares em concorrência e de igualdade de tratamento e de oportunidades dos candidatos (n.º 1 do artigo 9.º e n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho).


b) O princípio da estabilidade (artigo 14.º, n.º 1, Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho), por ter sido alterado o fixado, no aviso de abertura do concurso e no Anexo I para que remete, no que se refere, designadamente, às habilitações académicas e à avaliação da experiência profissional e, concomitantemente, terem sido desatendidos o princípio da imparcialidade (artigo 11.º idem) e da igualdade (artigo 9.º idem). De acordo com aquele princípio, o quadro de referência do procedimento, dado designadamente pelo aviso de abertura e documentos para que remete, deve manter-se inalterado durante a sua pendência, como garantia do princípio da imparcialidade, pelo motivo acima destacado, e do princípio da igualdade, de modo a ser aplicado um mesmo quadro conhecido, estável e objectivo de critérios a um conjunto de candidatos.


c) O princípio da proporcionalidade, por ser manifesto que o currículo dos candidatos, em si, sem qualquer outra precisão, não é idóneo para avaliar a “boa capacidade de comunicação” dos candidatos, no factor “relacionamento interpessoal”. O princípio da proporcionalidade postula a idoneidade dos meios escolhidos pela Administração em face de um fim dado (artigo 266.º, n.º 2, da CRP, artigo 5.º, n.º 2, do CPA e artigo 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho). No caso, o fim imediato, definido, era o da selecção do candidato com melhor capacidade de relacionamento interpessoal, dada pela “boa capacidade de comunicação”; o meio escolhido, foi a análise do currículo dos candidatos. Na falta de qualquer outra indicação, surge como patente a não adequação desta análise para aferir daquela.


4. Mais se verificou que o resultado da avaliação da candidata posicionada em primeiro lugar não tinha suporte no currículo apresentado ao concurso, não existindo no mesmo elementos que pudessem ter sido valorados nos termos em que o foram à face dos factores e critérios de avaliação estabelecidos. Desta feita, a decisão do procedimento enfermava de vício de violação de lei, na forma de erro nos pressupostos de facto.


5. Observou-se, quanto à actuação do júri em sede de audiência prévia, que o mesmo deixou de considerar, com motivos incorrectos, a respectiva pronúncia dos candidatos. Os concorrentes imputaram ao procedimento problemas, fundamentalmente, de legalidade, concretamente a título de exemplo, erro de facto e erro de avaliação dos currículos por referência aos critérios fixados, inobservância dos critérios fixados, falta de fundamentação. De acordo com os n.ºs 1 a 3 do artigo 101.º do CPA, os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões objecto do procedimento, quer sobre o mérito quer sobre a legalidade da decisão. A decisão a proferir, subsequente à audiência, não pode deixar de considerar tal pronúncia, apreciando-a. O facto de, nos procedimentos de selecção, a lei conferir à Administração um significativo poder de apreciação não envolve uma menor exigência do ponto de vista do respeito das garantias dos interessados no procedimento. Com efeito, foi notado, que quando a Administração dispõe de “um amplo poder de apreciação, o cumprimento das garantias conferidas pela ordem jurídica … nos processos administrativos reveste particular importância. Entre tais garantias figuram, nomeadamente, a obrigação de … examinar com cuidado e imparcialidade todos os elementos pertinentes do caso em questão e o direito de o administrado dar a conhecer o seu ponto de vista, bem como de obter suficiente fundamentação da decisão” que atenda ao por si aduzido (artigos 3.º, n.º 1, 6.º-A e 7.º do CPA e Acórdão do Tribunal de Justiça das CE de 21 de Novembro de 1991, processo n.º C-269/90, e Acórdão do Tribunal de Primeira Instância, Primeira Secção Alargada, de 18 de Setembro de 1995, processo T-167/94).


III – Anulado, pelo Presidente da Câmara de Redondo o concurso, foi o particular queixoso informado e arquivado o correspondente processo na Provedoria de Justiça.