Processo: R-2716/07


 


Entidade visada:  Câmara Municipal de Tomar.


Assunto:  Ordenamento do território – geral instrumentos de gestão territorial – concepção – contratação pública – concurso de concepção – procedimento – imparcialidade


 


 


I.


1.  A Ordem dos Arquitectos Portugueses solicitou a intervenção do Provedor de Justiça por se opor à modalidade do procedimento de escolha do co-contratante adoptada pela Câmara Municipal de Tomar no concurso para aquisição dos serviços de “elaboração do Plano de Pormenor da Área Turística de Vila Nova, na freguesia da Serra, concelho de Tomar”.


2. Considera a Ordem dos Arquitectos que o objecto do concurso – a prestação de trabalhos de concepção, no domínio do planeamento urbanístico – integra a previsão legal do procedimento de adjudicação de trabalhos de concepção, nos termos do art. 164º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, que, por essa razão, seria a modalidade devida.


3. Entende, por isso, que a Câmara Municipal de Tomar, ao adoptar um concurso público nos termos gerais, violou as disposições especiais do procedimento de adjudicação de trabalhos de concepção, constantes do Capítulo XI do referido diploma legal, de entre as quais relevam as garantias de anonimato dos concorrentes (art. 167º).


4. Ouvida a respeito do assunto, a Câmara Municipal de Tomar contesta a interpretação sustentada na queixa, defendendo que a encomenda em questão não visa a aquisição de uma proposta final de plano, mas todo o conjunto de trabalhos de elaboração.


5. Assim, a Câmara Municipal considera impossível a aplicação de uma modalidade de procedimento reduzida à comparação objectiva entre propostas de solução final, antes de se ter procedido à elaboração do plano. Entende, pelo contrário,  que a complexidade dos trabalhos de elaboração exige uma avaliação da capacidade técnica dos candidatos, incompatível com o seu anonimato.


6. Acrescenta a Câmara Municipal ter o Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria concordado com esta posição, arquivando um inquérito administrativo relativo a este assunto e recusando-se, por isso, a exercer o poder de acção pública que a lei lhe confere.


7. Não se trata, contudo, de uma decisão jurisdicional, pelo que não gera caso julgado. Apenas significa que o Ministério Público não adere à posição do reclamante, recusando-se exercer o poder de acção pública de impugnação, perante o tribunal administrativo.


8.  Não tolhe, por isso, a autonomia do Provedor de Justiça quanto à análise dos elementos instrutórios coligidos e à formulação de conclusões próprias (art. 21º, n.º 2, do Estatuto do Provedor de Justiça).


II.


9.  Dos elementos fornecidos pela reclamante e pela entidade visada, resulta, em síntese, a seguinte factualidade:


a) O concurso reclamado destina-se a contratar a prestação de serviços denominada “elaboração do Plano de Pormenor da Área Turística de Vila Nova, na freguesia da Serra, concelho de Tomar”, tendo o respectivo anúncio sido publicado no Diário da República, II Série, n.º 144, de 27.07.2006;


b)            O objecto da prestação de serviços, referido no art. 2º do Caderno de Encargos, é o conjunto dos trabalhos de elaboração especificados nos Termos de Referência (Cláusula 26.2 do Caderno de Encargos), compreendendo as seguintes fases:


1.  caracterização da situação existente e diagnóstico;


2.   proposta preliminar e


3.   proposta de plano;


4.   versão final do plano.


c)  É expressamente estipulada a direcção da Câmara Municipal na execução dos trabalhos, sobretudo, no que respeita à definição da proposta de plano e à introdução de alterações (cláusula 26.1 do Caderno de Encargos);


d)  No que respeita à avaliação da capacidade técnica dos concorrentes o ponto III.2.1.3 do Anúncio de Concurso estabeleceu os seguintes requisitos:


Na sua proposta, o concorrente deverá demonstrar a adequação da metodologia adoptada para a prestação de serviços nos termos definidos no  caderno de encargos.


O concorrente deverá explicitar pormenorizadamente e de forma exaustiva os procedimentos a adoptar na implementação e desenvolvimento das atribuições que lhe sejam cometidas no âmbito desta prestação de serviços.


A descrição tem de respeitar a estrutura indicada nos artigos 3º e 26º do caderno de encargos.


O concorrente deve ainda apresentar as descrições funções dos membros da equipa e os modelos de fichas de trabalhos associados aos procedimentos.


O concorrente tem de apresentar uma declaração, emitida conforme modelo constante do anexo C ao programa de concurso, relativa ao compromisso de afectação à prestação de serviços até à sua conclusão, dos elementos que integrarão a sua equipa, com a respectiva indicação nominativa, designadamente para as seguintes funções (…).


A declaração tem de vir assinada pelos representantes legais do concorrente e pelos respectivos técnicos identificados da equipa do concorrente (…).


Para efeitos de verificação dos perfis dos elementos da equipa, deverão ser apresentados currículos completos pormenorizados.


e) O critério de adjudicação, constante do ponto IV.2.b) do Anúncio, foi o da proposta economicamente mais vantajosa, considerando os seguintes critérios:


1. factor (A): adequação da metodologia (35%);


2. factor (B): adequação da equipa técnica (35%);


3. factor (C): preço (30%);


f)  Em 28.07.2006, o Júri do concurso fixou as pontuações numéricas correspondentes aos critérios de adjudicação, não estabelecendo, por isso, quaisquer subcritérios (designadamente, no que respeita aos factores A e B, assentes numa avaliação qualitativa);



g) Em 12.12.2006, a Câmara Municipal de Tomar adjudicou o contrato ao concorrente classificado em primeiro lugar;


h) O contrato viria a ser celebrado em 15.02.2007, estando presentemente  em execução a primeira fase dos trabalhos.


III.


§ 1º


10. A questão essencial suscitada na queixa é a da obrigatoriedade de aplicação da modalidade especial de concurso para trabalhos de concepção, prevista no Capítulo XI do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho , aos procedimentos de contratação de serviços de elaboração de planos municipais de ordenamento do território.


11. Antes de mais, importa esclarecer se os serviços de elaboração de um plano urbanístico – objecto da contratação visada na queixa – integram, ou não, a previsão legal de trabalhos de concepção, constante do art. 164º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 197/99:


«Os contratos de concepção destinam-se a fornecer projectos ou planos, designadamente nos domínios artístico, do ordenamento do território, do planeamento urbanístico, da arquitectura, da engenharia civil ou do processamento de dados.»   (destaque nosso)


12.  É indiscutível que a aquisição pública – pois é disso que trata o Decreto-Lei n.º 197/99 – de planos urbanísticos (ou, mais correctamente, de projectos de planos, uma vez que os planos apenas existem após a sua aprovação formal pelo órgão competente) integra aquela previsão legal.


13.  Trata-se, no entanto, de planos (ou projectos de planos) já elaborados, por assim dizer, prontos a aprovar.


14.  O concurso reclamado, porém, tem por objecto as tarefas técnicas de elaboração do plano, desde a fase de caracterização e diagnóstico, até à elaboração de um proposta final conclusiva, e não a simples aquisição de um projecto de plano.


15.  Questiona-se, por isso, se a previsão do art. 164º, n.º 1, do DL n.º 197/99 compreende, para além dos projectos de planos, a aquisição dos serviços relativos ao conjunto de operações de elaboração do plano, a começar pelos trabalhos preparatórios de caracterização e diagnóstico.


16.  Neste sentido, poderia alegar-se que o conjunto de operações de elaboração está implícito no produto final – a proposta de plano – na medida em que integram a metodologia conceptual de elaboração de qualquer plano urbanístico.


17. Poderia, assim, considerar-se que a expressão planos urbanísticos – empregue na previsão do art. 164º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 197/99 – seria passível de interpretação extensiva, no sentido de abranger a aquisição de todo o conjunto de prestações e operações envolvidas na elaboração dos respectivos planos.


18. Contudo, na interpretação desta previsão normativa – cujo resultado seria a aplicação de uma modalidade especial de procedimento adjudicatório (caracterizada, no essencial, pela avaliação primacial do mérito das propostas, com anonimato  dos concorrentes) – não pode ser interpretada isoladamente, atendendo, apenas, ao sentido literal. Deve, pelo contrário, atender-se à finalidade da norma e à sua inserção no ordenamento jurídico (art. 9º, n.º1, do Código Civil).


19. Tratando-se de uma norma relativa à contratação de serviços planeamento urbanístico, terá a mesma de se articular com a Lei de Bases das Políticas de Ordenamento do Território e de Urbanismo  (adiante designada por Lei de Bases) Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial  (RJIGT).


20.  Nos termos do art. 7º, n.º 3, da Lei de Bases, os instrumentos de gestão territorial – conceito que designa a generalidade dos planos de urbanismo e de ordenamento do território – visam definir e concretizar as políticas de urbanismo e de ordenamento do território, aos seus diversos âmbitos (nacional, regional e municipal).


21. O procedimento de elaboração dos planos municipais de ordenamento do território constitui o modo principal de formação da política urbanística do município, integrando e articulando múltiplos interesses, públicos e privados, através da  intervenção das diversas entidades públicas envolvidas e da participação dos cidadãos.


22. Trata-se de um procedimento legal obrigatório, concretizador de interesses públicos e garantias fundamentais consagradas na constituição (designadamente, no art. 65º, n.º 5, e no art. 267º), e encerrando o exercício das competências próprias de diferentes órgãos municipais (a câmara municipal, no que respeita à elaboração, e a assembleia municipal, que procede à sua aprovação final), bem como, em alguns casos, de órgãos exteriores ao município.


23. Os planos urbanísticos não são actos positivos espontâneos, resultando, pelo contrário, do procedimento público que conduziu à sua formação. Além disso, são necessariamente dinâmicos, devendo traduzir a adaptação dos objectivos de política urbanística, em função das alterações normativas e da evolução da realidade.


24. Nada disto se coaduna com a ideia de aquisição, pelo município, de um plano pré-feito, assente na comparação do mérito de diversas propostas de solução, como resultaria da aplicação do regime especial da contratação de trabalhos de concepção.


25. Tão pouco se coaduna, dada a multiplicidade de influxos e o carácter público das opções de planeamento, com uma concepção radicada na ideia de obra, enquanto concepção original, apropriável pelo seu autor. Os planos urbanísticos são planos das entidades públicas, vertendo as opções de política urbanística cuja disposição compete, em exclusivo, a essas entidades .


26. Não significa isto que a autoria dos planos seja irrelevante e que os autores não intervenham significativamente na concepção das propostas finais. Contudo, a ideia do plano como obra, plasmando a concepção original de um autor, cedeu lugar à ideia de planeamento como processo de procura e soluções e de confronto de propostas diferentes, no qual a intervenção dos autores assenta no suporte técnico dessa ponderação, bem como na capacidade de sintetizar os resultados e de, com base neles, criar propostas de solução e de modelação final.


27. Assim, no procedimento de aquisição de serviços de  elaboração de um plano, a avaliação da capacidade técnica dos concorrentes para o desempenho dessas tarefas técnicas, antes da comparação do mérito das propostas de prestação dos serviços, é um aspecto essencial.


28. Por outro lado, no momento em que se procede à aquisição de serviços de elaboração de um plano, não faz sentido empregar uma modalidade de procedimento limitada à comparação de propostas de solução final, que só num estado adiantado do procedimento poderão surgir.


29. Resulta, pois, indiscutível que a previsão do art. 164º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 197/99, não deve ser interpretada no sentido de abranger os contratos de aquisição de serviços de elaboração de planos (rectius, serviços de apoio à elaboração de planos) devendo cingir-se à aquisição de projectos de planos e, mesmo aqui, com restrições:


30. No âmbito do planeamento urbano, o regime especial dos concursos de concepção – habitualmente conhecidos por concurso de ideias  – visa disponibilizar hipóteses de solução, preferencialmente, ao nível da concepção e do desenho urbano.


31. Tais concursos são independentes dos procedimentos necessários para a aprovação desses projectos não dispensando tais procedimentos nem devendo limitar, à partida,  o âmbito de decisão próprio destes procedimentos.


32. Podem, no entanto, revelar-se úteis para o estabelecimento de hipóteses ou de perspectivas a tomar como ponto de partida, assim como para concretização ou modelação final de soluções urbanísticas, cujas premissas se encontrem já procedimentalmente definidas .


33. Por isso mesmo se previu, expressamente, no art. 164º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 197/99, a possibilidade de se conferir, ou não, o direito à celebração de um contrato de prestação de serviços na sequência deste procedimento .


34. De resto, o elenco das situações de contratos de concepção é enunciativo, não existindo norma determinando, expressamente, a obrigatoriedade do emprego desta modalidade procedimental (por exemplo, a par das restantes regras sobre o âmbito de aplicação dos diversos tipos de procedimentos adjudicatórios), o que aponta para a sua natureza facultativa.


35.  Em bom rigor, tal modalidade apenas seria obrigatória na medida em que constitua requisito da adjudicação do projecto de plano por ajuste directo, ao abrigo do art. 86º, n.º 1, alínea h), do mesmo diploma. Em todo o caso, a decisão prévia a esta –  a estipulação de um concurso de trabalhos de concepção, estipulando a adjudicação por ajuste directo ao vencedor – é facultativa.


36. Conclui-se, por isso, que a contratação da prestação de serviços de elaboração de planos urbanísticos deve obedecer aos procedimentos adjudicatórios gerais previstos na lei e não ao procedimento especial de trabalhos de concepção. Este procedimento especial apenas será aplicável, facultativamente, à aquisição de projectos de planos, quando tal não contenda com o âmbito de decisão próprio do procedimento de aprovação do plano em questão.


§ 2º


37. Apesar de não ser ainda aplicável ao caso em análise [à data da emissão do parecer], deve ter-se presente que o art. 219º do novo Código dos Contratos Públicos (CCP) introduziu uma redacção algo distinta da do art. 164º do Decreto-Lei n.º 197/99, discriminando entre a aquisição de serviços de concepção, ao nível do estudo prévio ou similar (n.º 1) e a aquisição dos planos ou projectos resultantes do desenvolvimento daqueles trabalhos de concepção (n.º 2).


38. A nova norma legal não pode, no entanto, deixar de ser interpretada em termos idênticos à anterior, designadamente, no que respeita à sua articulação com a natureza e com o regime do procedimento de elaboração dos instrumentos de gestão territorial e, por consequência, à protecção dos direitos de autor dos instrumentos de gestão territorial.


39. O próprio estabelecimento da obrigatoriedade do regime adjudicatório especial, sempre que se pretenda adquirir um plano por ajuste directo (art. 219º, n.º 2, do CCP), não parece alterar a conclusão relativa à natureza facultativa do procedimento especial previsto no Decreto-Lei n.º 197/99: apenas explicita o requisito já decorrente do art. 86º, n.º 2, alínea h) deste diploma.


40. Daqui resulta que, nos procedimentos futuros sujeitos ao CCP, deva manter-se a interpretação restritiva acima preconizada, considerando-se inaplicável a modalidade especial de procedimento prevista no Capítulo I do Título IV, desse código, quando esteja em causa a aquisição de serviços de apoio à elaboração dos instrumentos de gestão territorial previstos na lei.


§ 3º


41. Apesar da improcedência da argumentação sustentada na queixa, assente na aplicação do procedimento especial de contratação de trabalhos de concepção, merece alguma atenção a análise das garantias de imparcialidade do procedimento visado.


42. Esta é, com efeito, a preocupação essencial que motivou a queixa e constitui, por outro lado, um dos princípios fundamentais da actividade administrativa, que deve ser sempre observado, independentemente da modalidade concreta de procedimento aplicada.


43. Com efeito, a imparcialidade não é património exclusivo das regras especiais dos trabalhos de concepção, apesar da garantia de anonimato ali presente.


44. Os procedimentos gerais compreendem algumas regras especificamente destinadas a salvaguardar este  princípio fundamental,  de entre as quais avulta a separação rigorosa entre a qualificação, enquanto avaliação da idoneidade e da capacidade dos  concorrentes, e a adjudicação, avaliação comparativa do mérito das  propostas.


45. Nos procedimentos concursais, estas operações são realizadas em momentos distintos . Por regra, a qualificação precede a adjudicação.


46. O objectivo é evitar que:


a)  O juízo de admissão de um concorrente seja influenciado pela consideração de hipotéticas vantagens da sua proposta;


b)  A adjudicação (ou a não adjudicação) de uma proposta seja influenciada por considerações subjectivas relativas aos concorrentes.


47. Para assegurar o primeiro objectivo, o art. 97º do diploma em análise (Decreto-Lei n.º 197/99) estabelecia a obrigação de isolamento absoluto entre os documentos de habilitação dos concorrentes e a proposta, determinando a exclusão dos concorrentes que não observassem esse requisito (art. 101º, n.º 3, alínea c).


48. Para assegurar o segundo objectivo – a imparcialidade da adjudicação – o art. 55º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 197/99 determinou, expressamente, que


«Na análise do conteúdo das propostas não se pode, em qualquer circunstância, ter em consideração, directa ou indirectamente, factores relacionados com as habilitações profissionais ou capacidade financeira ou técnica dos concorrentes»


49. A lei pretendeu, assim, reservar para a fase de qualificação a avaliação de todos os factores relativos à capacidade dos concorrentes.


50. Para tanto, o Decreto-Lei n.º 197/99 permitia à entidade adjudicante que estabelecesse, no programa de concurso, os requisitos necessários à admissão dos concorrentes, desde que directamente relacionados com o objecto específico do contrato a celebrar (artigos 89º, alínea d), e 9º, n.º 1), bem como os documentos necessários para comprovar esses requisitos (artigos 35º e 36º).


51. Previu-se, inclusivamente, uma modalidade de procedimento específica para as situações em que se revelasse necessária, previamente,  uma especial avaliação da capacidade técnica ou financeira dos concorrentes: o concurso limitado por prévia qualificação (art. 80º, n.º2) .


52. Tudo isto para conferir à entidade adjudicante amplos meios de selecção da capacidade técnica e financeira dos concorrentes a qualificar.


53. No entanto, decidida a qualificação, a lei proibiu expressamente que os factores de índole subjectiva voltassem a ser considerados, exigindo que a adjudicação assente, exclusivamente, no mérito da proposta, reportando-se ao caderno de encargos e ao objecto do contrato.


54. Ora, o critério de adjudicação designado como “Factor (B) – Adequação da equipa técnica relativamente ao âmbito da prestação de serviços”  , diz respeito, claramente, a factores relacionados com as habilitações profissionais e com a capacidade técnica dos concorrentes.


55. Vejam-se, a este respeito, as conclusões do o acórdão  do STA, 3a Subsecção, de 14.12.2002 (Proc. N.º 1726/02), relativo a um caso idêntico – concurso para fornecimento de um projecto de revisão de um plano director municipal:


« Dispõe, por seu turno n° 3 do mesmo artigo [55º, do Decreto-Lei n.º 197/99] que, na análise do conteúdo das propostas não se pode em qualquer circunstância, ter em consideração, directa ou indirectamente, factores relacionados com as habilitações profissionais ou com a capacidade financeira ou técnica dos concorrentes”.


Significa isto que análise e avaliação dos aspectos ou factores subjectivos, como as habilitações, capacidade técnica e financeira, é efectuada na primeira fase, que é a da admissão dos candidatos a concurso, de acordo com as exigências estabelecidas no respectivo programa, não podendo ser feita na fase da avaliação das propostas e da adjudicação, sob pena de violação daquele dispositivo. Nesta fase cabe apenas a avaliação do mérito objectivo das propostas apresentadas. Esta proibição de inclusão de elementos subjectivos entre os critérios de apreciação das propostas já era imposta pelas directivas comunitárias n° 92/50/CEE, 93/36/CEE, 93/37/CEE, que o citado DL 197/99, transpôs para a ordem jurídica interna.


Ora, como resulta claramente da matéria de facto acima descrita (v. ponto 4.), dois dos critérios utilizados na avaliação das propostas e no acto final de adjudicação dizem respeito à capacidade técnica dos concorrentes e não exclusivamente ao mérito das mesmas.


São eles os da al. a) constituição nominativa da equipa técnica, respectivos currículos; e o da al. c) experiência precedente do proponente, medida pelos serviços similares aos pretendidos, em natureza e dimensão, já realizados ou em curso, tempos de efectuação previstos para cada elemento da equipa técnica e o seu vencimento ao proponente.


Trata-se, pois, de critérios de índole subjectiva que se reportam aos próprios concorrentes e não as suas propostas.


Deste modo, ao tomar em consideração na análise das propostas, os apontados factores o acto contenciosamente impugnado violou o preceituado no citado artº 55°, n° 3 do DL n° 197/99, tal como se decidiu na sentença recorrida. (destacado nosso)


56. Verifica-se, portanto, que o acto de adjudicação violou o disposto no art. 55º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 197/99, sendo anulável, nos termos do art. 135º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), dada a ausência de previsão expressa de nulidade.



57. Tendo sido praticado em 12.12.2006, este acto encontra-se juridicamente consolidado, não sendo susceptível de revogação (art. 141º, n.º 1, do CPA): à data da apresentação da queixa, há muito havia decorrido o prazo especial de impugnação contenciosa de um mês, estabelecido no art. 101º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) .


§ 4º


58. Por último, no que respeita aos critérios de adjudicação, regista-se a escassa definição dos subfactores de densificação dos diversos elementos que compõem o critério de adjudicação estabelecido.


59. Com efeito, a deliberação do Júri do concurso, ao abrigo do art. 94º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 197/99, limitou-se, quase exclusivamente, a estabelecer a ponderação dos elementos  já definidos. A aplicação dessa pontuação ficou inteiramente dependente de uma valoração qualitativa dos diversos factores, sem critérios de referência que permitissem escrutinar o modo como se processou aquela valoração.


60. Por exemplo, no que respeita ao “Factor A”, apenas se estabeleceram os termos de referência, no caderno de encargos, dos diversos aspectos da metodologia proposta pelos concorrentes (A1, A2, etc.), não se indicando critérios de graduação da valoração dessa metodologia, ou seja, não se esclarecendo o que se considera bom, suficiente ou insuficiente, para efeitos de aplicação da pontuação correspondente.


61. Tal concretização não é, rigorosamente, imposta pelos artigos 55º ou 94º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 197/99, pelo que não se pode qualificar como ilícita. Garantiria, no entanto, maior transparência na adjudicação.


62. Cumpre ter presente, dada a sua especial relevância para casos futuros, o regime estabelecido no CCP, a este respeito:


63. Embora não regule o grau de densificação do critério de adjudicação – matéria  sujeita às especificidades de cada contratação – o art. 75º, n.º 2, do CCP, pressupõe, expressamente, a o estabelecimento de factores e subfactores situados ao nível mais elementar [i.e., mais detalhado] de densificação do critério de adjudicação, determinando que apenas esses devem ser adoptados na avaliação das propostas .


 


64. Conclui-se, portanto, pela improcedência da queixa, no que respeita à ilegalidade invocada, mas detectou-se uma outra ilegalidade: a violação do art. 55º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 197/99, que proíbe a adjudicação  com base em critérios atinentes à capacidade técnica ou financeira dos concorrentes.


65. Apesar de não invocada pela reclamante – até porque decorre de um argumento contrário ao sustentado na queixa – a ilegalidade detectada diz respeito ao interesse objectivamente prosseguido: a defesa da imparcialidade da contratação dos serviços de elaboração de planos municipais de ordenamento do território.


66. Tendo gerado a mera anulabilidade do acto de adjudicação – e decorrido, há muito, o prazo de impugnação o de revogação – essa invalidade encontra-se, actualmente, sanada, o que diminui a sua gravidade, no caso concreto em análise.


67. Considerando, todavia, que o vício detectado é genericamente relevante, porquanto respeita a um aspecto fulcral da contratação pública, pondera-se a conveniência em se comunicar a totalidade das conclusões acima alcançadas, não apenas para completa elucidação da entidade reclamante, como para aperfeiçoamento da prática administrativa da entidade visada, prevenindo futuras ilegalidades, em conformidade com o disposto no art. 21º, n.º 1, alínea c), do Estatuto do Provedor de Justiça.