ANOTAÇÃO


R-5278/08


Assessor: Mário Pereira


Assunto: Avaliação do desempenho – definição de objectivos – avaliador – homologação – recurso.


Objecto: Falta de elementos avaliativos e definição de objectivos/métricas na avaliação. Avaliação e homologação da avaliação do desempenho pelo Director-Geral de Veterinária.


Decisão: Mantida a avaliação questionada pela trabalhadora.


Síntese:



1. Foi apresentada ao Provedor de Justiça uma queixa por F…, da Direcção-Geral de Veterinária (DGV), onde, no essencial, manifestou o descontentamento pelo modo como foi conduzido o seu processo de avaliação do desempenho referente ao ano de 2007. A análise foi reconduzida às seguintes questões:




a. Falta de elementos avaliativos para o ano de 2007: foram definidos quatro objectivos à reclamante, mas esta alega que não lhe foi solicitado qualquer trabalho nem produziu informação por sua iniciativa, pelo que a avaliação feita carece de sustentação;


b. Definição de objectivos/métricas na avaliação: os objectivos não foram formulados em moldes tais que se pudesse sustentar a sua conformidade com o SIADAP;


c. Avaliação e homologação da avaliação do desempenho pelo Director-Geral de Veterinária.



2. No que respeita à falta de elementos avaliativos em 2007, observou-se que nos documentos da DGV alegadamente comprovativos da realização de trabalho pela reclamante não se concretiza a sua existência efectiva. Num destes é referido expressamente que “não existem documentos escritos directamente produzidos” pela reclamante, tendo a avaliação assentado em “outros elementos, tais como ajudas ao seu dirigente na elaboração de informações, propostas ou trabalhos técnicos, trabalhos em suporte informático, comentários, sugestões, relatos, opiniões, preparação de reuniões de trabalho, etc.“. Os objectivos que a DGV considerou terem sido cumpridos desta forma consistiram em:



1) “Redução do tempo médio das solicitações – escritas ou verbais (uma semana);


2) Cumprimento dos prazos acordados no momento da solicitação, em 85% das informações, estudos, pareceres e relatórios (em 85%);


3) Apresentação de estudos, propostas ou informações por iniciativa própria ou solicitação, ponderados pelo respectivo grau de complexidade (numérico);


4) Compilação e organização de dossiers temáticos que se enquadram na missão da Direcção de Serviços (numérico)“.


Sendo admissível que os dois primeiros objectivos se pudessem compaginar de algum modo com a prestação de trabalho de modo “informal”, os restantes não podiam ser vistos desta forma, por se traduzirem em produção material e numérica. Neste contexto, em quatro objectivos, pelo menos dois careciam de comprovação física.



3. Na reclamação da avaliação do desempenho apresentada perante o Director-Geral de Veterinária (e posteriormente em sede de recurso), a reclamante questionou expressamente como pode “o Director Geral ou quem for seu avaliador não justificar a nota, identificando e comprovando o trabalho que está a ser avaliado, uma vez que a existência do mesmo é posta em causa” (). Mais referiu que “não lhe foi distribuído trabalho no período em questão“. Estes argumentos não foram atendidos nem apreciados, pese embora deles resultasse inequívoco que a reclamante contestou a avaliação feita no seu aspecto essencial: não houve trabalho realizado. Esta factualidade, assumida pela interessada, teria impacto directo sobre as pontuações obtidas, pois qualquer classificação atribuída careceria de um mínimo de sustentação fáctica, seja em sede de “objectivos” ou de “atitude pessoal”.


Neste contexto, foi entendido que a avaliação feita se baseou em erro, ou seja, sustentou-se em elementos inexistentes ou não elegíveis para efeito de validação (não subjectiva) de cumprimento de objectivos.



4. No que respeita à definição de objectivos/métricas na avaliação, verificou-se que os mesmos não foram formulados em moldes tais que se pudesse sustentar a sua conformidade com o SIADAP. Com efeito, verificou-se que os mesmos não eram claros nem se encontravam devidamente fundamentados, podendo apontar-se, a titulo de exemplo, a ausência de um modelo de registo do trabalho produzido e a inexistência de parâmetros de aferição do incumprimento, do cumprimento ou da superação do objectivo. Por estes motivos, defendeu-se que a análise dos objectivos e suas métricas seria bastante para comprovar a sua ineptidão em sede de avaliação e consequente falta de fundamentação da mesma.



5. Outro aspecto analisado na reclamação apresentada foi o facto de a avaliação do desempenho da reclamante ter sido atribuída e homologada pelo Director-Geral de Veterinária. Sustentou a DGV que tal se ficou a dever à aposentação do dirigente directo da reclamante, decorrendo esta solução “do cumprimento escrupuloso dos artigos 12.º e 14.º n.º 2 alínea c), ambos do Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de Maio“. Porém, o Provedor de Justiça teve entendimento diverso.



6. Previa o art. 12.º, n.º1, do Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de Maio, que “a avaliação é da competência do superior hierárquico imediato ou do funcionário que possua responsabilidades de coordenação sobre o avaliado“. Mais adiante, especificava o n.º 3, que “nos casos em que não estejam reunidas as condições previstas no número anterior [()] é avaliador o superior hierárquico de nível seguinte ou, na ausência deste, o conselho coordenador da avaliação“. Já o art. 14.º n.º 2 alínea c) do mesmo diploma estabelecia que “compete ao dirigente máximo do serviço: (…) Homologar as avaliações anuais“. Segundo a DGV, estas disposições legais serviriam de fundamento ao acto de atribuição de avaliação e simultaneamente ao de homologação. No entanto, entendeu o Provedor de Justiça que esta posição não era a mais adequada, devendo assumir-se que o “superior hierárquico de nível seguinte” não poderia ser, em qualquer caso, o dirigente máximo do serviço.



7. O art. 14.º do citado Decreto Regulamentar especificava as competências e intervenção do dirigente máximo do serviço. Só excepcionalmente este procedia à avaliação, como se previa no n.º 3 do artigo: “quando o dirigente máximo não homologar as classificações atribuídas, deverá ele próprio, mediante despacho fundamentado, estabelecer a classificação a atribuir“, ou seja, quando o dirigente máximo entendesse não homologar a avaliação proposta, ele próprio faria a avaliação do funcionário, mediante despacho fundamentado. Daqui decorria que, neste caso e excepcionalmente, o dirigente máximo avaliava (e não homologava). Resultava, pois, evidente a incompatibilidade entre o acto de avaliar e o de homologar.



8. Esta norma e o entendimento subjacente buscavam a sua razão de ser na necessidade de garantir que a homologação fosse praticada por órgão diferente daquele que formulava a proposta sobre que incidia a homologação ou a sua recusa. E bem se compreendia que assim fosse: sendo a homologação um acto administrativo secundário pelo qual um órgão deliberativo aceitava a sugestão proposta por um órgão consultivo e a convertia em decisão sua, não tendo aquele outro poder senão o de aceitar ou rejeitar o teor do parecer ou proposta, ela pressupunha necessariamente a intervenção de dois órgãos, o autor do acto homologatório e o autor do acto homologado.



9. Como explica José Gabriel Queiró, existe entre estes dois órgãos “uma espécie de partilha de poderes, fundada no propósito de associar diferentes títulos de legitimidade para a produção dum mesmo resultado. Tal o sentido mais genuíno que a figura pode adquirir: por um lado, a lei pretende que a decisão final não deixe de ser tomada por quem, em virtude da posição que ocupa na estrutura da Administração, lhe pode dar a força e a autoridade que ela reclama; por outro lado, entende circunscrever essa decisão ao quadro de opções previamente definido por outro órgãos, em homenagem à sua especial competência técnica, às garantias de imparcialidade e independência por ele proporcionadas ou a outras razões análogas“ ().



10. O Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004 configurava a alternativa correcta no seu art. 13.º, n.º 1, al. d): a avaliação podia ser feita pelo Conselho de Coordenação da Avaliação “nos casos de ausência [()] de superior hierárquico“. Esta previsão visava garantir a possibilidade de homologação posterior por parte do dirigente máximo do serviço. Por este motivo, embora se tenha compreendido a intenção de não privar o funcionário de avaliação, considerou-se não ser legitima a intervenção na forma em que a mesma ocorreu, traduzindo-se a prática da DGV num acto ferido na sua validade, por incompetência do seu autor.



11. Ouvido o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, o mesmo não respondeu satisfatoriamente às questões formuladas, tendo mantido a avaliação questionada.



12. A final, o Provedor de Justiça, embora reconhecendo as dificuldades genéricas inerentes à concretização do processo de avaliação do desempenho e aos problemas interpretativos daí decorrentes, entendeu expressar a sua censura relativamente à conduta administrativa denunciada.


 


(1) – Aqui se incluindo quer o trabalho por iniciativa da Administração, quer da reclamante.


(2) – N.º 2 do art. 12.º: “Só podem ser avaliadores os superiores hierárquicos imediatos ou os funcionários com responsabilidades de coordenação sobre os avaliados que, no decurso do ano a que se refere a avaliação, reunam o mínimo de seis meses de contacto funcional com o avaliado”.


(3) – Homologação, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. V, pág. 90.


(4) – E também no caso de o dirigente máximo do serviço ser o único dirigente restante.