Processo n.º 285/09 (A4)


Entidades visadas: Instituto Politécnico de Viseu e Escola Superior de Tecnologia de Viseu


Assunto: Professor coordenador – Categoria.


Objecto: Reconhecimento da validade dos despachos de nomeação dos reclamantes como professores coordenadores da Escola Superior de Tecnologia de Viseu (ESTV) do Instituto Politécnico de Viseu (IPV).


Síntese:


1. Em Janeiro de 2009 foi dirigida ao Provedor de Justiça uma queixa, por parte de dois docentes da ESTV, relativamente ao facto de esta não reconhecer a validade dos despachos de nomeação dos reclamantes na categoria de professores coordenadores, proferidos pelo Presidente do IPV em 2005, tendo, por diversas vezes, e em diferentes circunstâncias, recusado tal reconhecimento.


A questão suscitada pelos reclamantes teve origem nas deliberações do Conselho Directivo da ESTV que, em 2007, declararam a nulidade das nomeações dos reclamantes.


Posteriormente, o Presidente do IPV declarou também a nulidade das deliberações do Conselho Directivo da ESTV – na parte em que decidiram declarar nulas e sem efeito as nomeações dos reclamantes como professores coordenadores – não tendo, porém, a ESTV alterado o seu procedimento em relação ao reconhecimento da categoria dos reclamantes.


2. Analisada, do ponto de vista jurídico, a questão suscitada pelos reclamantes, verificou-se que estavam em causa no presente processo as seguintes disposições legais:


i) A alínea g) do n.º 1 do artigo 25.º dos Estatutos da Escola Superior de Tecnologia de Viseu (EESTV) – homologados pelo Despacho do Presidente do IPV n.º 15/ISPV/95, de 25 de Setembro, e publicados na II série do Diário da República n.º 239, de 16 de Outubro de 1995 – uma vez que não foi proposta a abertura de concurso pelo Conselho Científico (impulso procedimental), nem este órgão participou na nomeação do respectivo júri;


ii) O n.º 4 do artigo 40.º da Lei n.º 54/90, de 5 de Setembro (que estabelece o estatuto e autonomia dos estabelecimentos de ensino superior politécnico) , já que a ESTV não aprovou a respectiva cabimentação orçamental.


Segundo entendia o Conselho Directivo da ESTV, a violação dos referidos preceitos feria de nulidade os actos de nomeação dos reclamantes, por falta de “elementos essenciais”, nos termos do n.º 1 do artigo 133.º do CPA.


3. Considerando o regime jurídico aplicável à data dos factos aos concursos para professor coordenador e os estatutos que regulavam, à data, o IPV (aprovados pelo Despacho Normativo n.º 11/95, de 31 de Janeiro, e publicados na I série B, do Diário da República n.º 51, de 1 de Março) e a ESTV, deu se por assente o seguinte quanto ao procedimento de concurso:


– Os concursos para professores-coordenadores são abertos perante o instituto para uma disciplina ou área científica;


– Compete ao Conselho Científico propor a abertura de concurso para novos docentes;


– Compete ao Conselho Científico propor a composição do respectivo júri;


– Compete aos órgãos próprios da ESTV aprovar a respectiva cabimentação orçamental;


– Cabe ao IPV proceder à abertura do concurso, através da assinatura do edital respectivo;


– Cabe ao IPV definir os critérios de recrutamento, selecção e provimento;


– O júri do concurso de provas públicas para recrutamento de professores coordenadores será constituído pelo Presidente do instituto superior politécnico (ou o presidente do órgão directivo da escola, no caso de esta não estar integrada num instituto), que presidirá, e por três ou mais professores-coordenadores da disciplina ou área científica a que as provas respeitam;


– As provas de concurso para professor-coordenador compreendem a apresentação de uma lição, a apresentação e discussão de uma dissertação, a apreciação e discussão do currículo cientifico e pedagógico do candidato;


– Concluídas as provas, o júri reunirá para decisão final, devendo a classificação do candidato ser feita por votação em escrutínio secreto.


– O provimento dos professores-coordenadores é feito por nomeação autorizada pelo IPV.


No caso em análise, o Presidente do IPV determinou a abertura dos procedimentos de concurso sem a necessária proposta do Conselho Científico da ESTV, não tendo este órgão, igualmente, participado na escolha do júri dos referidos concursos.


E, de igual modo, parece que a ESTV não terá aprovado a respectiva cabimentação orçamental.


Concluiu-se, por isso, no sentido de que foi violada a alínea g) do n.º 1 do artigo 25.º dos EESTV (de acordo com a qual compete ao conselho científico da ESTV propor a abertura de concurso para novos docentes, bem como a respectiva composição do júri) e o disposto no n.º 4 do artigo 40.º da Lei n.º 54/90, de 5 de Setembro.


4. Neste domínio, importava, no entanto, saber se tais ilegalidades acarretavam a invalidade dos actos de nomeação e, em caso afirmativo, se geravam a anulabilidade ou nulidade dos mesmos.


A este propósito, e em resumo, concluiu-se no seguinte sentido:


a) A necessidade de cabimentação orçamental dizia respeito a uma exigência extrínseca ao acto de nomeação, de forma que a sua omissão não determinava a respectiva invalidade, mas quando muito a sua ineficácia;


b) Em qualquer caso, a cabimentação orçamental terá sido assegurada através da transferência de verbas do orçamento do Instituto para a ESTV;


c) Já no que dizia respeito à violação da alínea g) do n.º 1 do artigo 25.º dos EESTV, destacou-se o seguinte:


– A regra no nosso procedimento administrativo é a da anulabilidade (artigo 135.º do CPA), só ocorrendo nulidade dos actos quando lhes faltar qualquer dos “elementos essenciais” ou a lei cominar expressamente essa forma de invalidade (artigo 133.º do CPA);


– Saber o que se deve entender por “elementos essenciais” não é uma questão simples, tendo o Legislador remetido para o interprete a tarefa de densificação de tal conceito;


– A doutrina e a jurisprudência, porém, não têm sido unânimes quanto à referida questão;


– MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E J. PACHECO DE AMORIM têm vindo a entender que elementos essenciais são “todos aqueles que se ligam a momentos ou aspectos logicamente decisivos e graves dos actos administrativos”. Serão nulos todos os “actos administrativos que careçam de elementos que, no caso concreto, devam considerar-se essenciais, em função do tipo de acto em causa ou da gravidade do vício que o afecta” (ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS, in Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª edição, pág. 642);


– JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE considera que “elementos essenciais são os indispensáveis para que se constitua qualquer acto administrativo, incluíndo os que caracterizam cada espécie concreta. Assim, não pode valer como acto administrativo, uma decisão sem autor, sem destinatário, sem fim público, sem conteúdo, sem formas, ou com vícios graves equiparáveis a tais carências absolutas, em função do tipo de acto administrativo (Validade do Acto Administrativo, in DJAP, VII, pág. 587);


– FREITAS DO AMARAL considera que elementos essenciais, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 133.º do CPA, são os “absolutamente indispensáveis para que se possa constituir um acto administrativo, incluíndo os que caracterizam cada espécie concreta” (Curso de Direito Administrativo, vol. II, págs. 410 e 411);


– De acordo com MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, “os elementos essenciais correspondem aos elementos do acto administrativo (subjectivos, objectivos, materiais, formais e funcionais). A falta de um elemento essencial para efeitos do artigo 133.º, n.º 1 do CPA corresponde à sua ausência total e não à mera existência de um vício que o afecte: assim, para um acto ser nulo por aplicação do critério em causa tem de lhe faltar o autor, os destinatários, o objecto, o conteúdo, a forma, todas as formalidades, o fim ou os motivos; não basta que haja um vício que afecte qualquer desses elementos” (Direito Administrativo Geral, Dom Quixote, tomo III, págs. 160 e 161);


– Por seu lado, a jurisprudência vem considerando que a violação dos elementos essenciais do acto administrativo tem a ver com a densificação desses elementos (isto é, os sujeitos, a vontade, o objecto e o fim público), que decorre do tipo de actos em causa ou da gravidade dos vícios que os afecta (cfr., neste sentido acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de Junho de 2002, 16 de Setembro de 2001, 21 de Março de 2002, 14 de Maio de 2002, proferidos nos recursos n.º 47 332, 43 832, 221/02 e 47 825);


– Atendendo às várias posições elencadas, impõe-se verificar se a violação da alínea g) do n.º 1 do artigo 25.º dos EESTV pode ser considerada como causa de nulidade dos actos de nomeação dos reclamantes;


– Começando, então, pelo n.º 1 do artigo 133.º do CPA, não se afigura que as ilegalidade praticadas integrem o conceito de “elementos essenciais”, quer se adopte uma interpretação mais restrita ou mais ampla acerca do mesmo;


– Desde logo, atendendo à interpretação que tem vindo a ser sufragada pelo Supremo Tribunal Administrativo, verifica-se que não está em causa a omissão de qualquer elemento essencial do acto administrativo, designadamente no que respeita aos sujeitos, à vontade, ao objecto e ao fim público;


– De igual modo, se aderirmos a uma interpretação do n.º 1 do artigo 133.º do CPA como a propugnada por JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE ou MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, não se vislumbra que as ilegalidades cometidas representem, no contexto dos actos em questão, vícios de tal forma graves que tornem inaceitável a produção dos respectivos efeitos, tanto mais que não estamos perante uma situação de inexistência completa de procedimento concursal;


– O que está em causa na situação em análise é a violação de normas procedimentais que regulam o concurso de provas públicas para professor coordenador (designadamente, no que toca à iniciativa procedimental e à participação na constituição do júri por parte da ESTV), não se podendo considerar que tais violações atinjam um grau de gravidade tal que impeça que o acto possa produzir efeitos jurídicos;


– Observando agora o n.º 2 do artigo 133.º do CPA, verifica-se que inexiste qualquer causa de nulidade segundo o elenco ali previsto.


5. Em conclusão, os vícios imputados aos actos de nomeação dos reclamantes não eram subsumíveis em nenhuma das alíneas do n.º 2 do artigo 133.º, nem encerravam a particular gravidade prevista no n.º 1 do mesmo preceito, de molde a inquiná-los de nulidade.


Os actos em causa seriam, assim, ilegais, por terem sido praticados com ofensa das normas legais aplicáveis, sendo, contudo, anuláveis, nos termos do artigo 135.º do CPA.


Tratando-se de actos anuláveis e considerando que os mesmos não foram impugnados judicialmente, nem revogados, deverá considerar-se que as referidas ilegalidades encontram-se sanadas e os actos em causa – de nomeação dos reclamantes na categoria de professores-coordenadores – consolidados na ordem jurídica .


6. Tendo este órgão do Estado concluído no sentido da validade dos despachos de nomeação dos reclamantes na categoria de professores coordenadores, alertou-se o Presidente do Conselho Directivo da ESTV para a necessidade de correcção dos procedimentos que vinham sendo adoptados no que toca ao reconhecimento da categoria profissional em que os reclamante foram nomeados.


Após diversas diligências (formais e informais) promovidas junto das entidades visadas foi proferido novo despacho, em Janeiro de 2010, por parte do Presidente do IPV, reconhecendo a validade das nomeações dos reclamantes como professores coordenadores e autorizando o processamento dos respectivos vencimentos de acordo com a referida categoria, bem como o pagamento das quantias correspondentes às diferenças salariais existentes entre aquilo que os reclamantes auferiram a aquilo que deveriam ter auferido enquanto professores coordenadores desde a data das respectivas nomeações (posição à qual a ESTV também aderiu).


Tendo sido ultrapassada a situação exposta pelos reclamantes, foi determinado o arquivamento do processo.