S.Exa.


o Secretário de Estado da Segurança Social


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1049 – 056 LISBOA



por protocolo



 


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Proc. R-1834/10 (A3)



Assunto: Queixa apresentada na Provedoria de Justiça. Subsídio por frequência de estabelecimento de ensino especial (subsídio de educação especial).



 


 


A Provedoria de Justiça foi novamente confrontada com várias queixas relativas à atribuição do subsídio de educação especial.



Como é do conhecimento de V.Exa., este problema já foi objecto de várias intervenções do Provedor de Justiça, nomeadamente junto dessa Secretaria de Estado.



Efectivamente, ao longo dos últimos anos têm sido suscitadas junto deste órgão do Estado, diversas questões relacionadas com o subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial (ou subsídio de educação especial). A este propósito, e com vista a uma adequada percepção e avaliação da dimensão actual do problema, permita-me uma breve incursão pelas intervenções anteriormente realizadas.



Em finais de 2003 e inícios de 2004, a Provedoria de Justiça foi confrontada com centenas de queixas respeitantes a processos de atribuição de subsídios de educação especial, referentes ao ano lectivo de 2003/2004, instruídos pelos Centros Distritais do ISS, I.P. do Porto e, sobretudo, de Viana do Castelo.



As referidas queixas  subscritas, quer pelos encarregados de educação de crianças e jovens deficientes com alegadas necessidades de apoio especial e de formas complementares de apoio, quer por alguns gabinetes de psicologia da área de Viana do Castelo que prestam o tipo de apoio em questão  tiveram origem no elevadíssimo número de processos propostos para indeferimento no referido ano lectivo, comparativamente com os anos anteriores, sem que se tivesse verificado uma alteração das circunstâncias capaz de o justificar (a quase totalidade dos casos reportava-se a pedidos de renovação de subsídios anteriormente atribuídos).



Mas a par da questão de fundo, consubstanciada no número massivo de propostas de indeferimento, foram, então, detectadas várias irregularidades e incongruências no tratamento conferido pelos referidos Centros Distritais aos processos em apreço, designadamente, a falta de rigor na apreciação dos requerimentos; a alteração dos fundamentos do indeferimento; a ambiguidade, duplicidade de critérios e incongruências na apreciação dos pedidos; a análise e decisão dos processos sem suporte clínico (contrariando a certificação de médico especialista) e a morosidade na apreciação dos processos.



Nessa altura, teve a Provedoria de Justiça ocasião de auscultar a então designada, Secretária de Estado?Adjunta da Segurança Social, da Família e da Criança, tendo-lhe remetido ofício no qual concluía que, existindo legítimas dúvidas acerca da qualidade, oportunidade e eficácia conferida à análise dos processos de subsídio de educação especial entrados no Centro Distrital de Viana do Castelo, se justificava uma auditoria rigorosa, levada a cabo pela Inspecção?Geral do Ministério em causa, tendo em vista uma correcta avaliação dos factos (e, sobretudo, dos procedimentos adoptados por aqueles Centros Distritais) e, sendo caso disso, uma reapreciação dos pedidos.



Respondendo ao solicitado, veio o Ministério visado, através do ofício nº 1925, de 15.02.2005, informar que iria ser desencadeada, com a maior urgência, uma auditoria aos Centros Distritais de Segurança Social de Viana do Castelo e do Porto, tal como sugerido pela Provedoria de Justiça.



Mais informava, que já fora “efectuado o diagnóstico das principais lacunas e insuficiências que obstam a que sejam cumpridos os critérios de rigor e eficiência a que as instituições de Segurança Social se encontram obrigadas”, pretendendo, o referido Ministério, “proceder à reformulação de alguns aspectos da regulamentação legal em vigor, senão mesmo, a redefinição da protecção social conferida a menores e jovens com necessidades educativas específicas requeridas pela mesma deficiência”.



Os resultados das auditorias realizadas vieram a confirmar que os procedimentos adoptados pelos centros distritais a respeito dos processos de subsídio de educação especial no ano lectivo de 2003/2004, não haviam sido os mais adequados, tendo estado na origem das graves anomalias constatadas.



Em face disso, informou a Secretaria de Estado da Segurança Social ter sido ” (…) constituído um grupo de trabalho, coordenado pelo competente Departamento do Instituto da Segurança Social, para avaliação da legislação em vigor sobre a presente matéria”.



Contudo, em Fevereiro de 2008, constatando que continuavam a surgir queixas relativas ao subsídio de educação especial – mantendo-se alguns dos problemas oportunamente identificados a propósito da sua atribuição – entendeu o Senhor Provedor de Justiça dirigir a V.Exa. e a S.Exa. o Secretário de Estado da Educação, respectivamente, uma Recomendação (Recomendação nº 1-A/2008) a respeito do assunto.



Através desta, cujo teor V.Exa. conhece, recomendou o Provedor de Justiça que:


a) Fosse determinada a intervenção de equipas multidisciplinares em todos os centros distritais do ISS, I.P., designadamente na realização de exames inerentes à comprovação do estado de redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual das crianças e jovens interessados, e à definição do atendimento necessário;


b) Fosse proibida a intervenção nos procedimentos de atribuição de subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial dos médicos que tivessem interesse na decisão, nomeadamente integrarem os gabinetes médicos que se propunham assegurar o apoio em causa;


c) De forma concertada entre os serviços da Segurança Social e do Ministério da Educação, fossem aprovadas as medidas indispensáveis a garantir que o preenchimento da “Declaração do estabelecimento de ensino” (Modelo RP5020-A-DGRSS) e o respectivo envio aos centros distritais do ISS, I.P., fossem feitos em prazo que permita a tomada das decisões finais relativas à atribuição do SEE no primeiro mês de aulas, no caso de alunos já sinalizados, e durante o primeiro período do ano lectivo, para os novos casos.



Importa destacar que, na resposta que V.Exa. dirigiu ao Provedor de Justiça (ofício com a referência nº 6125, de 23.10.2008), é reflectida, mais uma vez, a necessidade de ser devidamente revista a legislação que suporta o reconhecimento do direito e a atribuição do subsídio de educação especial. Com efeito, refere-se no mencionado ofício que “(…) o desajuste entre os princípios enformadores que presidiram à concepção do regime jurídico desta prestação, no início da década de 80 e a actual realidade sócio?educativa, põe-nos perante um quadro legal desactualizado, em que as adequações normativas, de carácter pontual, que houvesse necessidade de levar a efeito, nem sempre terão tido o impacto desejável”.



Em finais de 2009, foi o assunto retomado pela Provedoria de Justiça, tendo em vista avaliar a concretização das medidas eventualmente tomadas pelas Secretarias de Estado envolvidas.



Em resposta ao solicitado, veio essa Secretaria de Estado, em 24.03.2010, através do ofício com a referência nº 1143, informar que:


a) No ano lectivo 2009/2010 haviam sido formulados 6270 pedidos de atribuição de subsídio de educação especial;


b) Até 13 de Fevereiro estavam decididos 4413 processos, correspondentes a mais de 70% do total dos pedidos;


c) As razões adiantadas para a não conclusão de perto de 29% dos processos teve a ver, sem excepção, com a deficiente instrução dos mesmos, sempre da responsabilidade dos interessados.



Não obstante tais informações, e tal como supra referi, a Provedoria de Justiça foi recentemente confrontada com novas queixas relativas ao mesmo assunto, uma das quais subscrita por quinze reclamantes, todos eles pais de crianças requerentes da atribuição do subsídio de educação especial.



Analisadas tais queixas, verifica-se serem retomados alguns dos aspectos anteriormente suscitados, indiciando fortemente que alguns dos problemas identificados se mantêm.



Com efeito, tais queixas reflectem, por um lado, a morosidade na apreciação dos requerimentos e no atraso no pagamento das prestações deferidas e suscitam, por outro, várias questões relacionados com a apreciação dos requerimentos em si mesmos e com a fundamentação das decisões de indeferimento, sobretudo tendo em vista a interpretação e aplicação da lei feita pelos serviços envolvidos.



Resumidamente, alegam os reclamantes que:



1. Modelo 5020-A (Declaração passada pelos agrupamentos de escolas).


Perante o pedido de preenchimento do Modelo 5020-A, os Agrupamentos de Escolas ou não entregam aos pais esse formulário (alegando terem que o remeter directamente aos centros distritais) ou preenchem-no de modo incorrecto, designadamente, alegando terem meios para garantir os apoios de que as crianças necessitam, quando na realidade não conseguem assumir devidamente a prestação de tais apoios (por vezes prestam tais apoios em sobreposição com o horário escolar da criança).



2. Funcionamento das equipas multidisciplinares:


É frequente os elementos das equipas multidisciplinares recusarem identificar-se perante os pais das crianças observadas.


Por outro lado, tais equipas não têm em consideração as certificações médicas passadas pelos médicos especialistas, juntas aos processos pelos pais das crianças.


A este respeito – e uma vez que a criação das equipas multidisciplinares não foi acompanhada da devida regulamentação legal do seu funcionamento – coloca?se a questão de saber se existe fundamento legal que permita dar primazia às decisões de tais equipas face às certificações dos médicos especialistas, já que, nos termos do Ponto III do Despacho da Secretaria de Estado da Segurança Social nº 23/82 (DR, II série, de 18.11.1982), as equipas multidisciplinares só podem intervir quando a declaração passada por médico especialista não apresente as características legalmente definidas.



3. Intervenção dos Centros Distritais:


Os Centros Distritais visados (com especial incidência o do Porto) têm proferido decisões de indeferimento sem fundamentação adequada e suficiente. Por exemplo, é comum ser indicada como razão do indeferimento o facto de a equipa multidisciplinar não ter considerado a criança como portadora de deficiência, ou não preencher pressupostos para atribuição do subsídio, sem que sejam referidos os fundamentos dessas conclusões.


São, ainda, relatados atrasos significativos na tramitação e decisão dos processos.



 


 


4. Pagamentos:


Na maioria dos casos o ISS, I.P. não assegura o primeiro mês de intervenção, apesar de a lei determinar que o pagamento deve ser feito desde o momento em que a criança ou jovem recebe o apoio individualizado (art. 4º, nº 1 do Decreto Regulamentar nº 14/81).


Por outro lado, os centros distritais insistem em pagar os subsídios aos beneficiários nos casos em que estes – conforme determinado no art. 13º, nº 2, alínea a), do Decreto Regulamentar nº 14/81 – manifestaram expressamente no formulário próprio, a sua vontade de que os pagamentos fossem efectuados directamente às entidades prestadoras. Tal prática, resulta muito frequentemente, atentas as dificuldades económicas sentidas pelos pais das crianças, no desvio do subsídio recebido para fins diversos daqueles a que se destina.



5. Conceito de deficiência:


Referem os reclamantes que os centros distritais (e as equipas multidisciplinares que os integram) têm adoptado um conceito restritivo de deficiência, contrariando a certificação do médico especialista e a lei.


Defendem os interessados que, ao contrário do que tem sido entendido pelos serviços do ISS, I.P., o subsídio não tem em vista apenas fins pedagógicos, mas também terapêuticos.


Nesse sentido, entendem os reclamantes, referindo-se à sentença que alegam ter sido proferida no Processo nº 236/04-5BEPNF – Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que: “O facto de o aluno não preencher os requisitos para ser considerado aluno com necessidades educativas especiais no sentido dos diplomas da educação não implica forçosamente que não reuna as condições para beneficiar do subsídio de educação especial as abrigo dos diplomas da segurança social”.



6. Noção de “professor especializado”:


Os centros distritais têm, por vezes, interpretado restritivamente o conceito de “professor especializado”, considerando que o conceito implica que quem presta o apoio seja docente. Desta forma, tem sido, por vezes, entendido que psicólogos e terapeutas da fala não são professores especializados, para efeitos de atribuição deste subsídio.



Em face de todo o exposto, é forçoso concluir que os problemas sentidos na atribuição do subsídio de educação especial se arrastam há anos, radicando essencialmente na grande dificuldade de interpretação e aplicação dos conceitos legais em vigor (maxime na concretização do conceito de deficiência relevante para este efeito), agravada pela disseminação da regulamentação da matéria por diversos diplomas legais de difícil articulação.



A tais dificuldades não é alheio o facto – aliás, sublinhado por V.Exa. no referido ofício que dirigiu ao Provedor de Justiça em 23.10.2008 (refª nº 6125) – de existir “(…) desajuste entre os princípios enformadores que presidiram à concepção do regime jurídico desta prestação, no início da década de 80 e a actual realidade sócio?educativa (…)”, evidenciando estarmos perante um quadro legal desactualizado.



Ainda a respeito das dificuldades sentidas na articulação entre as diferentes entidades envolvidas no processo de atribuição do subsídio de educação especial, cumpre destacar a respectiva intervenção no que se refere à caracterização da deficiência e consequente determinação dos apoios necessários. Esta caracterização, para além de ser feita por um médico especialista, pode posteriormente voltar a ser efectuada pelas equipas multidisciplinares a funcionar junto dos Centro Distritais, passando ainda, obrigatoriamente, pelo crivo da Escola que a criança frequenta (Agrupamento de Escolas) através do preenchimento do Modelo RP 5020/2008 – DGSS (ponto 3 do formulário).



Verifica-se assim que, na maioria dos casos, há três entidades distintas que se pronunciam e/ou avaliam a situação clínica da criança (certificando, ou não, a existência da deficiência, caracterizando a mesma e indicando os eventuais apoios necessários), o que, para além de resultar numa multiplicação desnecessária de esforços, cria, amiúde, situações de conflito entre as avaliações clínicas efectuadas pelos diferentes intervenientes, para as quais a lei actualmente em vigor não dá solução, não sendo claro qual o parecer que deve prevalecer.



Assim sendo, perante estas vicissitudes verificadas há anos na atribuição desta prestação social, compreenderá V.Exa. que se afigura necessário e urgente que seja revista a legislação que rege o direito ao subsídio de educação especial, conforme, desde há vários anos , vem sendo reconhecido por V.Exa. e pelos anteriores titulares da pasta da Segurança Social.



Entretanto e enquanto não se procede a tal revisão, urge também que se proceda à clarificação do actual regime de atribuição do subsídio de educação especial, por forma a permitir dar resolução imediata aos processos ora em curso nos diferentes centros distritais do ISS, IP, garantindo a legalidade e a uniformização de procedimentos e critérios de decisão a adoptar por todos eles.



Certo de que V.Exa. não deixará de conferir a este assunto a importância que o mesmo merece, dando conta a este órgão do Estado das medidas tomadas a tal respeito, subscrevo-me com os melhores cumprimentos,



 


O Provedor-Adjunto de Justiça



 


Jorge Noronha e Silveira