Exm.º Senhor


Presidente da Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local


Assembleia da República


Palácio de São Bento


1249-068 LISBOA



 


Vossa Ref.ª Vossa Comunicação Nossa Ref.ªProc. R – 3430/09 (A6)



Assunto: Conselhos Municipais de Juventude. Lei n.º 8/2009, de 18 de Fevereiro.



 


A presente comunicação enquadra-se no estudo que promovi, no seguimento de um conjunto de questões que me foi exposto pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), a respeito da Lei n.º 8/2009, de 18 de Fevereiro, que cria o regime jurídico dos conselhos municipais de juventude. Nestes termos e em resposta à solicitação de V.ª Ex.ª, muito agradeço o interesse manifestado por essa Comissão Parlamentar pelas conclusões por mim alcançadas.



Em face do exposto e de harmonia com os limites de intervenção decorrentes do Estatuto que rege a minha actuação, importaria recordar que não compete ao Provedor de Justiça pronunciar-se sobre as opções político-legislativas que estiveram na base do citado diploma legal e que, no quadro da margem de liberdade de conformação do legislador parlamentar, enformam as soluções normativas vertidas na mesma Lei quanto às escolhas prevalecentes a respeito da concreta compleição institucional (composição, competência, organização, regras de funcionamento) dos conselhos municipais de juventude.



Neste sentido, a minha ponderação cingiu-se, estritamente, a uma apreciação da conformidade jurídica das normas acolhendo as determinações legislativas relativamente às quais a ANMP expressou a sua preocupação.



Neste pressuposto e em consideração dos trabalhos em curso no seio da Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local, dirigidos à avaliação da Lei n.º 8/2009, creio justificar-se a chamada de atenção para aspecto problemático decorrente da mesma Lei, constante do preceituado no art.º 21.º, na parte que toca à responsabilidade da câmara municipal relativamente ao apoio logístico e administrativo aos eventos organizados por iniciativa do conselho municipal de juventude.



Como é bem do conhecimento de V.ª Ex.ª, o princípio da autonomia local, constitucionalmente salvaguardado, contempla uma vertente de autonomia financeira, em que se inclui a liberdade de as autarquias locais disporem de meios financeiros próprios. Nas palavras de Vital Moreira, «[s]em autonomia financeira, isto é, sem a garantia de receitas próprias e a capacidade de as afectar segundo orçamento próprio às despesas definidas e aprovadas com independência, não é concebível administração autónoma» (in Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 199).



Permita-me, Senhor Presidente, relevar, outrossim, a consagração também no plano jurídico-internacional desta dimensão na Carta Europeia de Autonomia Local, concluída em Estrasburgo em 15 de Outubro de 1985 e ratificada pelo Estado português. Com efeito, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 9.º da referida Carta, «[a]s autarquias locais têm direito (…) a recursos próprios adequados, dos quais podem dispor livremente no exercício das suas atribuições».



Ora, em face do teor normativo do art.º 21.º da Lei n.º 8/2009, não se questiona o apoio logístico e administrativo que seja devido pelas câmaras municipais aos conselhos municipais de juventude e correlativo ao seu funcionamento normal enquanto órgão consultivo do município sobre matérias relacionadas com a política de juventude – apoio esse que, creio, não assumirá significado financeiro relevante.



Já a promoção de eventos pelos conselhos municipais de juventude – realidade que a própria Lei n.º 8/2009 exemplifica com «a realização de encontros de jovens, colóquios, seminários, conferências ou a edição de materiais de divulgação» – extravasando, sem margem para dúvidas, a natureza de órgão consultivo que o legislador atribui geneticamente aos conselhos municipais de juventude, não deve onerar as câmaras municipais, sob pena de as mesmas se verem forçadas a associar-se financeiramente a eventos relativamente aos quais não tiveram qualquer poder de decisão, cujos custos não podem controlar e cujo impacte, no plano das despesas (e ainda que limitadas a um apoio logístico e administrativo), pode, de resto, não ser despiciendo.



É que, como decorre já do acima exposto, a autonomia financeira dos municípios assenta, justamente e no que para a presente situação releva, na sua capacidade de, com base em orçamento próprio, afectarem receitas a despesas definidas e aprovadas no exercício dos respectivos poderes, de acordo com as opções livremente feitas no seu seio, em harmonia com as regras democráticas e na estrita observância da lei.



Este dever das câmaras municipais de custearem, nos termos legalmente previstos, os eventos promovidos pelos conselhos municipais de juventude mina, por conseguinte, o seu poder de gestão e controlo do orçamento municipal, colidindo com o princípio da autonomia financeira dos municípios, também ele acautelado na Lei das Finanças Locais, situação esta de incompatibilidade com as normas constitucionais e legais vigentes que urge, pois, no quadro da Lei n.º 8/2009, remediar



Aliás, observo, a este respeito, que a adaptação à Região Autónoma da Madeira da legislação em causa, por via do Decreto Legislativo Regional n.º 20/2010/M, enformou solução normativa que salvaguarda, em termos adequados, a autonomia financeira dos municípios, atento o disposto no art.º 16.º do citado diploma regional.



Por fim, gostaria igualmente de fazer notar a inconsistência da redacção, no âmbito da actual Lei, das normas relativas à competência para a eleição de representantes em outros órgãos consultivos (art.os 10.º e 15.º, alíneas c) e d)). Com efeito, nesta matéria, apenas é aceitável que esteja em causa a eleição do representante do conselho municipal de juventude – e não do próprio município – em outro órgão consultivo: assim, por exemplo, no caso do conselho municipal de educação (veja-se a incongruência entre o disposto nas alínea b) do art.º 10.º e alínea c) do art.º 15.º), órgão em que a representação do município está já assegurada por inerência ao exercício de determinadas funções autárquicas (alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro).



Suscitando a Lei n.º 8/2009, sob o ponto de vista de um órgão com as características próprias do Provedor de Justiça, as observações que antecedem, pondero a V.ª Ex.ª, na qualidade de Presidente da 12.ª Comissão Parlamentar e no contexto da avaliação em curso do regime jurídico dos conselhos municipais de juventude, a necessidade de serem examinadas as questões em causa, propiciando as necessárias correcções por via legislativa.



Apresento a V.ª Ex.ª os meus melhores cumprimentos,


 



O Provedor de Justiça,



 


Alfredo José de Sousa