Parecer:

 

Concordo com o parecer e respectivas
conclusões.

Mesmo reconhecendo pertinência às
preocupações da Administração regional,
afigura-se que a anulação da colocação
resultante da não apresentação ao serviço
por situação de risco clínico inerente à
gravidez constitui uma discriminação
directa em razão do sexo, como tem sido
entendimento do Tribunal de Justiça da
União Europeia

  

08.IX.2011

  

Despacho:

 

Inf. Proposta n.º 08/2011

 

Data: 07.09.2011

Assunto:

Maternidade. Gravidez de risco. Aceitação de colocação.

Excelentíssimo Senhor Provedor de Justiça

 

Excelência

 No interesse da Senhora Dr.ª …, opositora ao concurso de Professores do Ensino Básico
da Região Autónoma dos Açores, em 2009/2010, solicitou o Sindicato dos Professores
da Zona Centro a intervenção de Vossa Excelência, visando a apreciação da decisão de
anulação da colocação daquela professora, tomada pela Direcção Regional da Educação

e Formação (DREF) do Governo Regional dos Açores. A colocação na EBI … (Grupo 230
Matemática e Ciências da Natureza) fora efectuada na sequência de oferta de emprego
público para recrutamento de pessoal docente em regime de contrato de trabalho a termo
resolutivo. A anulação acarretou ainda o impedimento de prestar serviço em qualquer
estabelecimento de educação e ensino da rede pública dos Açores no ano escolar em
causa e nos dois anos subsequentes.

 

A docente, embora tendo aceitado a colocação, não se apresentou ao serviço no prazo
fixados por lei, condição legal de perfeição do contrato. A não apresentação foi motivada
por situação de risco clínico, devido a gravidez, que a impediu de viajar do continente
para São Miguel.

 

Alegou o Sindicato que a interpretação do quadro normativo vigente na Região, tal como
efectuada pela DREF, desrespeita os direitos de protecção da segurança e saúde da
trabalhadora grávida, contrariando as normas constitucionais e legais de protecção da
maternidade enquanto valor social eminente, ao não incluir a situação em apreço no
conjunto de motivos atendíveis que justificam o adiamento da aceitação presencial da
colocação (v. n.º 5 do artigo 46.º do Regulamento de Concurso do Pessoal Docente da
Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário1, adiante Regulamento).

1 Aprovado pelo Decreto Legislativo n.º 27/2003/A, de 9 de Junho, entretanto alterado pelo Decreto Legislativo n.º 21/2007/A, de
30 de Agosto.

 

1. Ouvida a DREF, esta reiterou que:

 

para que possa beneficiar de licença em situação de risco clínico durante a
gravidez, a docente terá de aceitar a colocação, apresentar-se presencialmente
ao serviço, assinar o contrato e informar o empregador, através da
apresentação de atestado médico que indique a duração previsível da licença, já

que só deste modo será, para os devidos efeitos, considerada como
trabalhadora.

 

1.1. Aduziu ainda a DREF que, por referência a Março de 2010,

 

não houve nenhum caso em que as candidatas à docência tenha sido “excluídas
do procedimento de colocação”, com ou sem penalização (…) por motivo de
gravidez de risco, com excepção da docente …, tendo havido inúmeras
situações de docentes que aceitaram a sua colocação, apresentando-se,
presencialmente, ao serviço, assinaram o contrato e informaram a unidade
orgânica da sua situação, apresentado atestado médico que indicava a situação
e risco clínico durante a gravidez.

 

2. Para a recusa da consideração da gravidez de risco como «motivo atendível» poder-
-se-ia ainda argumentar que a mesma não é situação imponderável, súbita, imprevisível,
factores a que a Administração reconduziria aquele conceito.

 

3. As declarações proferidas pelo então Secretário Regional da Educação e Cultura,
aquando da audição parlamentar2 sobre a proposta de decreto legislativo regional que
aprovaria o Regulamento, podem contribuir para o esclarecimento da posição assumida
pela Administração regional Autónoma. Assim,

2 Relatório disponível em http://base.alra.pt:82/iniciativas/comissao/CPpDLR007-03.pdf , consultado a 05.09.2011.

 

«como objectivos deste diploma apontou (…) o de acabar com a utilização dos
quadros da Região como trampolim para outros quadros, dado que durante uma
década muitos dos professores nem sequer vinham aos Açores ocupar os seus
lugares».

 

Nesse contexto, se bem se vê, a norma do artigo 46.º daquele Regulamento reforçaria a
necessidade de uma adequada ponderação do interesse em concorrer e aceitar a
colocação que viesse a ser concretizada. Sendo certo que as concorrentes podem

desistir da candidatura até à publicação das listas de colocação, sem que por isso sejam
penalizadas.

 

4. Há ainda que sublinhar que o interesse do departamento regional competente em que
os docentes aceitem efectivamente a colocação se coaduna necessariamente com a
exigência do bom funcionamento das escolas e a garantia do direito dos alunos «a
usufruir de ensino e de uma educação de qualidade (…) de forma a propiciar a realização
de aprendizagens bem sucedidas3.

3 Estatuto dos Alunos do Ensino Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 18/2’007/A, de 19 de Julho,
artigo 40.º

 

5. Colocando a questão em termos mais genéricos, ao direito da mulher grávida em não
ser objecto de discriminação contrapõe-se o objectivo válido do empregador de evitar
prejuízos económicos. Sendo certo que do ponto de vista da comunidade ambos os
pontos de vista são merecedores de protecção legal.

 

6. Uma observação prévia: a obrigação de agir dentro do quadro legal impõe-se tanto à
Administração como aos particulares, como a ambos se comina que no exercício da
actividade administrativa e em todas as suas formas e fases ajam e se relacionem
segundo as regras da boa-fé. Mas, reforçadamente, no estrito cumprimento do princípio
da legalidade, à Administração cabe lançar mão dos mecanismos legais repressivos
oferecidos pelo sistema legal, sem prejuízo das medidas gestionárias adequadas a obter
a cooperação das entidades também obrigadas à prossecução do interesse público, ali
onde tenha fundadas razões para acreditar que a protecção oferecida pela lei está a ser
aproveitada para a realização de fins que a mesma não acolhe.

7. Revertendo sobre o problema colocado, tenha-se presente a norma aplicável do
Regulamento (sublinhados meus):

 

Artigo 46.º

Celebração de contrato

1 – Os contratos abrangidos pelo presente Regulamento consideram-se
celebrados na data da apresentação efectiva ao serviço.

2 – Caso a colocação ocorra em data anterior a 1 de Setembro do ano escolar a
que respeita, os contratos só produzem efeito a partir daquela data.

3 – A aceitação da colocação deve ter lugar no prazo de três dias úteis, contados
a partir do dia seguinte ao da afixação da lista de colocação ou da comunicação
da colocação, iniciando-se o exercício de funções, por conveniência urgente de
serviço, na data de entrada em exercício de funções.

4 – A não apresentação ao serviço no 1.º dia útil subsequente ao prazo de
aceitação determina a anulação da colocação.

5 – O candidato colocado que não responda à colocação nos termos do n.º 3
do presente artigo, ou que falte à celebração do contrato nos prazos
estabelecidos, por motivo não atendível, fica impedido de prestar serviço
em qualquer estabelecimento de educação ou de ensino da rede pública
dos Açores nesse ano escolar e nos dois anos escolares subsequentes.

 

Foi, pois, com base em tal normativo que a DREF anulou a colocação, uma vez que a
candidata seleccionada não se apresentou na escola, condição sine qua non da
completude do contrato.

 8. Mas, estando a mesma grávida, e em situação de risco clínico, a não inclusão da
situação em apreço no conjunto de motivos atendíveis que podem justificar o adiamento
da aceitação presencial da colocação configura ou não uma discriminação contra mulher
grávida?

 

Uma primeira resposta pode ser enquadrada pela consideração das normas de direito
interno.

 
9. Assim, entre as tarefas fundamentais do Estado está a de «promover a igualdade entre
homens e mulheres» — v. artigo 9.º, alínea h), e também a alínea c) do n.º 2 do artigo
59.º da Constituição (CRP) — sublinhando-se aqui a especial protecção do trabalho da
mulher durante a gravidez e após o parto —.

 Mas também o artigo 13.º da mesma Lei Fundamental proclama a mesma dignidade
social e igualdade de todos perante a lei e interdita a discriminação em função do sexo,
explicitando a alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º que incumbe ao Estado promover a
igualdade de oportunidades na escolha da profissão para que não seja vedado ou
limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias
profissionais. Como é sabido, o artigo 68.º depois de declarar que a «maternidade e a
paternidade constituem valores sociais eminentes», reafirma que as mulheres têm direito
a especial protecção durante a gravidez e após o parto (…) — v. n.ºs 2 e 3 — .

9.1. Os artigos 13.º e seguintes da Lei n.º 58/2008, de 11 de Setembro, que aprovou o
regime do contrato de trabalho em funções públicas (RCTFP), concretizam, para a
Administração Pública, as imposições constitucionais sobre igualdade e não
discriminação.

 Assim, logo nesse artigo 13.º, relativo ao direito à igualdade no acesso ao emprego e no
trabalho, se determina que (sublinhados meus):

 1 – Todos os trabalhadores têm direito à igualdade de oportunidades e de
tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção
profissionais e às condições de trabalho.

2 – Nenhum trabalhador ou candidato a emprego pode ser privilegiado,
beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer
dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação
sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de
trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica,
religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.

10. Neste quadro, impõe-se encontrar o melhor equilíbrio possível entre os interesses —
público e privado — que no caso se apresentam como colidentes: assim o exigem os
princípios da prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos e da proporcionalidade, previstos no artigo 266.º da
Constituição e nos artigos. 4.º e 5.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo.

 11. É que sobre a Administração não impende tão só o dever de orientar a sua actuação
com vista à realização do interesse público, antes deve fazê-lo com respeito dos direitos
e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Como expressivamente explicam
Esteves de Oliveira e outros4:

4 Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2:ª edição, Coimbra, 1999, Comentário III ao artigo 4.º.

5 Autores e loc. Citados, comentário VI ao artigo 5.º

6 Ibidem.

 

a prossecução do interesse público seria, digamos assim, o ‘volante (ou o
‘acelerador’) da Administração Pública: os direitos e interesses protegidos são
as barreiras da estrada em que ela circula, levando-a a fazer, aqui e ali, ‘curvas’
e desvios mais pronunciados, a optar por medidas menos radicalmente viradas
para a satisfação do interesse público do que aquelas que se tomariam, se este
fosse o único critério de determinação.

 12. Por outro lado, o princípio da proporcionalidade postula que a decisão administrativa
que seja colidente com posições jurídicas dos administrados deve ser não só adequada,
como necessária — no sentido de que:

 «a lesão daquelas posições jurídicas tem de se mostrar necessária ou exigível
(por qualquer outro meio não satisfazer o interesse público visado)»5 — e
proporcional, ou seja, que «a lesão sofrida pelos administrados deve ser
proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público
(proporcionalidade custo/benefício)»6.

 13. Ora, neste juízo não é despiciendo o facto de a posição jurídica da interessada
beneficiar de um expresso reconhecimento por parte da Lei Fundamental — os "desvios"
à estrita prossecução do interesse público deverão ser tanto mais pronunciados quanto
maior for a relevância dos direitos dos particulares. Ou, visto sob a perspectiva do
princípio da proporcionalidade, se o que está em causa é a posição relativa entre o
interesse público e as posições subjectivas dos particulares, o equilíbrio entre ambos não
pode dissociar-se, naturalmente, do respectivo "peso relativo": se, do lado do interesse
público, é forçoso reconhecer que haverá fins da Administração de maior relevância do
que outros, também as posições jurídicas subjectivas dos particulares poderão
apresentar, à partida, graus de relevância muito diferentes, o que se afere naturalmente
pela protecção que a lei lhes confere (recorde-se aqui o enquadramento constitucional e
legal acima efectuado).

 14. Não se afigura, aliás, desajustado considerar, na esteira do que defendem Jorge
Miranda e Rui Medeiros7,que:

7 Constituição Portuguesa Anotada, I, pag. 704. Coimbra: Coimbra Editora, 2005.

 em face da maior determinação constitucional do conteúdo dos direitos
enunciados no artigo 68.º, n.º 3, é possível que, para efeitos do disposto nos
artigos 17.º e 18.º, n.º 2, se esteja perante um direito fundamental que, em
algumas das duas dimensões, apresenta uma natureza análoga à dos direitos,
liberdade e garantias.

De todo o modo, do princípio da subordinação da Administração à Constituição (artigo
266.º, n.º 2) resulta que esta deve conformar a sua actuação administrativa (e não só a
de natureza normativa) à Lei Fundamental, devendo nos seus actos procurar soluções
que melhor garantam o exercício dos direitos a que esta confere especial dignidade.

15. Do exposto segue-se, pois, que, no caso, se torna imperioso encontrar o melhor
equilíbrio possível entre o interesse público e a protecção da posição jurídica da
interessada como candidata no concurso, em virtude de esta se encontrar numa situação
que a Constituição quer ver especialmente protegida. Ora, face à decisão tomada, não foi
demonstrado que tenha sido devidamente ponderada a situação de gravidez, invocando-
-se formalismos procedimentais, aplicáveis, em rigor, a idênticas pretensões submetidas
por quem não se encontre naquela situação8/9.

8 V. Parecer deste órgão do Estado de 12 de Setembro de 2006, que, neste trecho, se seguiu de muito perto. Disponível em
http://www.provedor-jus.pt/recomendetalhe.php?ID_recomendacoes=245

9 E como lembra Jenny Julén, as tecnicidades jurídicas tradicionalmente dominantes têm contribuído largamente para a
manutenção das estruturas de poder entre homem e mulher («The traditionally dominant legal technicalities have largely
contributed to the maintenance of the power structures between man and woman») — Jenny Julén — «A Blessing or a Ban?

 16. Formalismo que no caso foi aplicado apesar de a norma regulamentar concretamente
invocada permitir que por motivos atendíveis fosse diferido o momento da aceitação.

 

16.1. Aliás, que tal procedimento nada teria de inusual comprova-o a Lei n.º 12-A/2008,
de 27 de Fevereiro, que estabelece o regime de vinculação dos trabalhadores que
exercem funções públicas, que no n.º 3 do artigo 17.º, relativo ao prazo para aceitação de
nomeação, depois de estabelecer um prazo geral de 20 dias, prevê que:

 

Em caso de ausência por maternidade, paternidade ou adopção, de faltas por
acidente em serviço ou doença profissional e de prestação de serviço militar, o
prazo previsto no n.º 1 é automaticamente prorrogado para o termo de tais
situações.

 

 

 

17. Mas também o legislador comunitário criou normas especiais para protecção das
trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, considerando em especial o risco de um

About the Discrimination of Pregnant Job-seekers». In Ann Numhauser-Henning (ed). Legal Prespectives on Equal Treatment and
Non-Discrimination. The Hague: Kluwer Law International, 2001. —

10 Sem esquecer o contributo do Conselho da Europa (Carta Social Europeia, em especial os artigos 8.º e 20.º), e, para além dos
normativos citados, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em especial os artigos 21.º e 23.º, documentos
disponíveis em

http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/rar64A_2001.html, consultado a 5.9.2011 e em

http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2010:083:0389:0403:pt:PDF, na mesma data

11 Disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2011:236E:0087:0099:PT:PDF, consultado a
5.9.2011

 

12 Preâmbulo da Directiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Julho de 2006.

eventual despedimento poder afectar a situação física e psíquica dessas trabalhadoras,
incluindo o risco particularmente grave de as encorajar a interromper voluntariamente a
sua gravidez.10

 

18. Sem prejuízo do entendimento que a seguir se resume, importa também sublinhar o
reconhecimento pela União Europeia de que as dificuldades detectadas neste contexto
são substantivas. Assim, na Resolução do Parlamento Europeu, de 17 de Junho de 2010,
sobre a avaliação dos resultados do Roteiro para a igualdade entre mulheres e homens
2006-2010 e recomendações para o futuro (2009/2242(INI)) foi solicitado

 

à Comissão que inicie, em colaboração com os Estados-Membros e os
parceiros sociais, uma revisão das políticas de conciliação entre vida familiar e
vida profissional, garantindo que o custo da maternidade e da paternidade não
seja imputado à empresa, mas sim à colectividade, tendo como objectivo
erradicar comportamentos discriminatórios no interior das empresas e apoiar o
nosso futuro demográfico»11.

 

 

18. Sem embargo, o legislador europeu considerou expressamente que:

 

A igualdade entre homens e mulheres é um princípio fundamental do direito
comunitário consagrado no artigo 2.º e no n.º 2 do artigo 3.º do Tratado, bem
como na jurisprudência do Tribunal de Justiça. As referidas disposições do
Tratado proclamam a igualdade entre homens e mulheres como uma «missão»
e um «objectivo» da Comunidade e impõem uma obrigação positiva de a
promover em todas as suas acções.12

 

19. Assim, no âmbito da União Europeia cabe destacar:

 

a) A Directiva 92/85, do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, alterada pela Directiva
2007/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Junho de 2007
relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da
segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no
trabalho;

 

b) Directiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Julho de
2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade
de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à
actividade profissional.

 

20. Neste contexto, importa, pois, considerar a jurisprudência do Tribunal de Justiça da
União Europeia, porque tem sido este a alargar progressivamente o âmbito do princípio
da igualdade, a ponto de este se converter num verdadeiro direito à igualdade laboral.

 

21. Assim, procurando arrimo nas decisões deste órgão jurisdicional, uma nota prévia a
salientar é desde logo a de que:

 

a situação duma mulher que se encontra na incapacidade de cumprir a tarefa
para a qual foi recrutada, em virtude de uma gravidez (…), não pode ser
comparada à de um homem que se encontre na mesma incapacidade, por
razões médicas ou outras, visto que o estado de gravidez não é de forma
nenhuma equiparável a um estado patológico, a fortiori a uma indisponibilidade
de origem não médica (v. Acórdão Webb13, de 14 de Julho de 1994 do Tribunal
de Justiça das Comunidades Europeias, processo C-32/93).

13 Disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61993CJ0032:PT:HTML, consultado a
5.09.2011.

 

 

22. A primeira questão a enfrentar é a que resulta da imposição da comparência na
escola como pressuposto da perfeição do contrato.

 

22.1. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no acórdão de 16 de Fevereiro de
2006, proferido no âmbito do processo C-294/0414, abordou questão colocada por um
tribunal espanhol relativa a uma trabalhadora que, tendo ingressado na função pública,
não pôde aceitar de imediato a nomeação por se encontrar de licença de parto, o que, de
acordo com a lei nacional, lhe traria prejuízos ao nível da contagem da antiguidade.

14 Disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:62004CJ0294:PT:HTML, consultado a 5.9.2011.

15 Sem embargo, a Directiva 2006/54/CE foi transposta para o direito interno pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro que aprovou
o Código do Trabalho.

 

No âmbito da constituição de uma nova relação de trabalho durante uma licença de
maternidade, o TJUE considerou que:

 

a Directiva 76/207 se opõe a uma legislação nacional que não reconhece a um
trabalhador do sexo feminino que está em licença de maternidade os mesmos
direitos que a outras pessoas admitidas no mesmo concurso de recrutamento no
que diz respeito às condições de acesso à carreira de funcionário, adiando a
sua entrada em funções para o termo dessa licença (…).

 

22.2. Duas observações a propósito:

 

a) No caso em apreço, a Administração deliberara reconhecer à trabalhadora o
direito a adiar a tomada de posse para o fim da licença de maternidade;

 

b) Para efeitos da queixa trazida à apreciação de Vossa Excelência, as referências à
Directiva 76/207/CEE devem entender-se efectuadas para a Directiva 2006/54/CE
do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Julho de 2006, relativa à
aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento
entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à actividade
profissional, cujo prazo de transposição terminou a 15 de Agosto de 200815.

 

23. Mas a Senhora Dr.ª … não se encontrava em licença de maternidade, mas antes
em situação de risco clínico, decorrente da gravidez, que a impossibilitava, como
visto, de deslocar-se ao futuro local de trabalho.

 

23.1. Situação similar foi apreciada pelo mesmo alto tribunal no âmbito de pedido de
decisão prejudicial no processo Mary Brown contra Rentokil Ltd.16, em que estava em
causa o despedimento de uma mulher grávida, não por esse facto, mas por faltas
ocasionadas por doença decorrente da gravidez.

16 Processo C-394/96, disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61996CJ0394:PT:HTML

17 A propósito da evolução jurisprudencial nesta matéria, v. Opinião do Advogado Geral Poiares Maduro no processo C-194/08,
disponível em

http://eurlex.europa.eu/Notice.do?val=500204:cs&lang=pt&list=524212:cs,521832:cs,518618:cs,518614:cs,500204:cs,492017:cs,
416862:cs,408301:cs,277886:cs,264293:cs,&pos=5&page=1&nbl=12&pgs=10&hwords=&checktexte=checkbox&visu=#texte,
consultada a 5.9.2011. Sobre as dificuldades levantadas pela mesma posição do Tribunal, v. Judge G. F. Mancini, The New
Frontiers of Sex Equality Law in the European Union, in Mancini, Democracy and Constitutionalism in the European Union, pp 143
seg.s. Oxford – Portland Oregon: Hart Publishing, 2000

 

Decidiu aquele órgão jurisdicional que:

 

os artigos 2.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de
Fevereiro de 1976 (…) opõem-se ao despedimento de uma trabalhadora em
qualquer momento da gravidez por faltas devidas a incapacidade para o
trabalho causada por uma doença originada pela gravidez.

 

Como lembrou o tribunal:

 

o despedimento de uma trabalhadora durante a gravidez por faltas devidas à
incapacidade para o trabalho decorrente da gravidez está relacionado com a
verificação de riscos inerentes à gravidez e deve, portanto, ser considerado
como baseando-se essencialmente na gravidez. Tal despedimento só pode
afectar as mulheres e constitui, assim, uma discriminação directa em razão do
sexo17.

 

24. E tão pouco o facto de se tratar de uma substituição temporária altera os
termos em que a situação deve ser abordada:

 

uma vez que o despedimento de uma trabalhadora devido à sua gravidez
constitui uma discriminação directa em razão do sexo, independentemente da
natureza e do âmbito do prejuízo económico sofrido pela entidade patronal
devido à ausência ligada à gravidez, a circunstância de um contrato de
trabalho ter sido celebrado por tempo determinado ou indeterminado é
irrelevante em relação à natureza discriminatória do despedimento. Em
ambos os casos, a incapacidade da assalariada para executar o seu contrato de
trabalho é devida à gravidez.18 (Sublinhado meu).

18 Acórdão (Brandt-Nielsen) do Tribunal de 4 de Outubro de 2001. Proc. C-109/00, disponível em http://eur
lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:62000CJ0109:PT:HTML

 

19 O Tribunal de Justiça decidiu que a Directiva 76/207 é aplicável às relações de emprego público. Esta directiva tem um alcance
geral, inerente à própria natureza do princípio que define — v. acórdão de 21 de Maio de 1985, Comissão/Alemanha, Processo
n.º 248/83, não disponível em língua portuguesa —

http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61983CJ0248:EN:HTML

 

25. A propósito das dificuldades sentidas pelos empregadores, o Tribunal de
Justiça teve também já oportunidade de sublinhar que:

 

o prejuízo financeiro sofrido pela entidade patronal ou as necessidades ligadas
ao bom funcionamento da sua empresa não podem justificar o despedimento de
uma trabalhadora grávida, devendo a entidade patronal assumir o risco das
consequências económicas e organizacionais da gravidez das suas
assalariadas. (v. acórdão citado na nota 4).19

 

26. Da jurisprudência citada resulta, em suma, que:

 

1. O gozo de uma licença de maternidade não pode ser motivo para prejudicar uma
trabalhadora nem no acesso ao emprego nem na sua carreira profissional;

 

2. Uma situação de risco clínico decorrente da gravidez, no decurso desta, está
protegida pelas mesmas normas que protegem a trabalhadora devido à sua
gravidez;

 

3. Para efeitos de tal protecção, é irrelevante que se trate de posto temporário ou
permanente.

 

27. Ou seja, tendo em conta o interesse geral da sociedade na renovação das gerações
e a obrigação legal de concretizar no mercado do trabalho o princípio da igualdade entre
homens e mulheres20, é à luz do quadro normativo e jurisprudencial sumariamente
mencionado que há-de apreciar-se a situação em concreto, qual seja a de uma candidata
a um posto de trabalho, grávida em situação de risco clínico que, depois de escolhida
pela Administração para substituir temporariamente outro docente na leccionação de
disciplina do grupo de Matemática e Ciências da Natureza, é impedida de ocupar esse
lugar, por não poder cumprir o requisito formal de apresentação na Escola na data
prevista, em virtude desse mesmo risco clínico decorrente da gravidez.

20 Igualdade substancial a não formal (v. Mancini, loc. cit).

 

No duplo contexto apresentado, não se vê como a situação colocada perante este órgão
do Estado não configure um caso explícito de discriminação de uma mulher grávida no
acesso ao mercado de trabalho, pesem embora as reconhecíveis dificuldades do
contexto regional acima assinaladas.

 

28. Assim, afigura-se que a DREF deveria ter reconhecido a impossibilidade de aceitação
presencial da colocação e proposto à docente alternativa adequada à perfeição do
contrato. Nos mesmos termos, ao recusar fazê-lo, violou as normas legais que proíbem a
discriminação das mulheres grávidas no acesso ao mercado de trabalho.

 

29. E tal decisão poderá ter sido particularmente gravosa porquanto, além da anulação
do contrato, acarretou a impossibilidade de prestar serviço em qualquer estabelecimento
de educação ou de ensino da rede pública dos Açores nesse ano escolar e nos dois anos
escolares subsequentes.

 

29.1. Lembre-se que a directiva de 2006 prevê a introdução na ordem jurídica interna de
medidas necessárias para garantir a existência de uma real e efectiva indemnização ou
reparação, conforme os Estados-Membros o determinem, pelos prejuízos e danos
sofridos por uma pessoa lesada em virtude de um acto discriminatório em razão do sexo,
de uma forma que seja dissuasiva e proporcional aos prejuízos sofridos (v. artigo 18.º)21.

21 Para o direito interno, v. o n.º 8 do artigo 42.º do RCTFP e o artigo 28.º do Código do Trabalho.

 

 

 

Neste contexto, promovo que seja alertada a Direcção Regional de Educação e
Formação do Governo Regional dos Açores para a necessidade de, para futuro, actuar
de acordo com as exigências resultantes do quadro legal relativo à promoção da
igualdade entre homens e mulheres.

 

Tudo visto, embora sem prejuízo da censura devida, atenta a impossibilidade de, com
efeito útil, fazer repercutir o entendimento ora expresso na decisão contestada, promovo
o arquivamento do processo oportunamente aberto neste órgão do Estado.

 

O assessor,

 

 

José Álvaro Amaral Afonso