Presidente da Câmara Municipal de Vila Verde
Número:39/A/97
Processo:R-3269/96
Data:26.05.1997
Área: A1
Assunto:URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES – LICENCIAMENTO – REGULAMENTO GERAL DAS EDIFICAÇÕES URBANAS.

Sequência:Acatada

I-Exposição de Motivos
Dos Factos

1. Reportam-se os autos à margem identificados a uma queixa apresentada a este Órgão do Estado contra a realização, em condições invocadamente ilegais, de obras de ampliação de uma edificação sita no Lugar do Monte da Santa, freguesia de Esqueiros, concelho de Vila Verde, propriedade da Sra… .

2. Em cumprimento do preceituado pelo art. 34º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, a Provedoria de Justiça inquiriu V.Exa. quanto à veracidade dos factos invocados, bem como, apresentando-se procedente a reclamação, quanto às medidas sancionatórias e de reposição da legalidade urbanística infringida adoptadas (ofício n.º …). Respondeu V. Exa. em 7 de Fevereiro p.p., através do ofício n.º … .

3. Em face do teor das informações prestadas concluí ser procedente a reclamação apresentada. A Sra…, efectuou sem licença municipal de construção obras de ampliação da respectiva habitação, e edificou, em condições também ilegais por falta de adequado título de licenciamento, instalações destinadas ao funcionamento de uma oficina mecânica.

4. Verificada a execução de obras de construção civil sem alvará de licença de construção, bem agiu esse órgão autárquico ao promover o exercício dos poderes respectivos no que respeita ao sancionamento da conduta do particular e à adopção das adequadas medidas de tutela da legalidade urbanística.

5. Assim, foi instaurado à dona da obra processo de contra-ordenação nos termos do disposto no art. 54º, n.º1, alínea a) e n.º 10, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, e ordenado o embargo da obra conforme preceitua o art. 57º, n.º 1, do mesmo diploma.

6. As obras não vieram a ser suspensas, em contravenção à ordem municipal de embargo, tendo sido os factos objecto de participação ao Ministério Público por indiciarem a prática do crime previsto e punido pelo art. 348º do Código Penal, por remissão efectuada pelo art. 59º do Decreto-Lei n.º 445/91.

7. Sendo o embargo uma medida de carácter essencialmente cautelar e provisório, a satisfação do interesse público urbanístico exige que ao dono da obra seja imposto um dever de conteúdo positivo tendo em vista a definição da situação. Assim, no exercício do poder vinculado cometido às câmaras municipais pelo art. 167º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, ordenou esse órgão autárquico a apresentação de pedido de legalização da obra e a realização dos trabalhos de correcção que a inviabilizavam, demolição da cornija e transformação da janela em seteira.

8. Não foi dado cumprimento voluntário à ordem de realização dos trabalhos de correcção e não alcançou ainda a Câmara Municipal de Vila Verde uma posição definitiva quanto à viabilidade de legalização da obra por motivos atinentes ao conflito entre a infractora e a proprietária de prédio confinante, Sra…, quanto aos limites das propriedades respectivas.

9. Apresentadas pela proprietária de prédio confinante diversas queixas onde se alegava que a construção reclamada foi edificada no seu terreno, considera esse órgão autárquico que qualquer posição definitiva sobre a viabilidade de legalização das obras se encontra dependente da questão da definição das extremas das duas propriedades. Nos termos da Informação elaborada pelo Exmo Director do Departamento Técnico, em 4 de Fevereiro p.p., a possibilidade de legalização da obra depende da inexistência de contravenção ao Código Civil: “por outro lado a inexistência ou não dessa contravenção depende dos limites das propriedades. Ora o signatário não dispõe de elementos que lhe permitam saber onde se situam esses limites”. Conclui, afirmando que as descrições prediais não permitem resolver o problema por falta de elementos.

10. Por este motivo, desde início do ano de 1994, altura em que se mostrou concluída a obra de ampliação da habitação da infractora, que a Câmara Municipal de Vila Verde não alcançou ainda uma posição definitiva quanto ao respectivo destino; qual seja a legalização, ou mostrando-se esta inviável, a respectiva demolição. Tão pouco, procedeu esse órgão autárquico à apreciação da viabilidade de legalização em face dos requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade para que remete o art. 167º do RGEU, uma vez que considera a apreciação substancial do pedido prejudicada pela necessidade de resolução da questão formal da legitimidade.

Do Direito

11. No âmbito do procedimento de licenciamento municipal de obras particulares, compete à câmara municipal, uma vez apresentado o pedido respectivo, verificar a legitimidade do requerente (art. 14º, n.º 1, e 16º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e n.º 2, ponto 1, alínea b), da Portaria n.º 1115/B/94, de 15 de Dezembro). Para este efeito, do requerimento deve constar a indicação da qualidade de proprietário, usufrutuário, locatário, titular do direito de uso e habitação, superficiário ou mandatário, comprovada através de documento adequado.

12. O requerente deve, assim, fazer prova de que é titular de um direito relativo ao prédio objecto de intervenção, sob pena de rejeição liminar do pedido (art. 16º do Decreto-Lei n.º 445/91). A exigência exposta é de índole meramente formal. Comprovada a legitimidade, a câmara não pode obstar, por esse motivo, ao recebimento do pedido nem aferir da validade do título invocado pelo particular no domínio das relações jurídico?privadas, sob pena de estar a usurpar poderes que estão constitucionalmente atribuídos aos tribunais comuns.

13. Com este fundamento foi informada a queixosa da impossibilidade de intervenção do Provedor de Justiça no que concerne à alegada ocupação do prédio respectivo. Carecendo de competência na matéria qualquer órgão da administração sujeito à jurisdição deste Órgão do Estado, não se encontram reunidos os pressupostos da respectiva intervenção. Assim, foi a citada proprietária encaminhada para os meios judiciais competentes, com menção da necessidade de fazer valer a pretensão apresentada através da instauração da competente acção.

14. Tais considerações em nada prejudicam a possibilidade de intervenção do Provedor de Justiça quando se trate de, através do exercício das competências camarárias em matéria urbanística, vir a ser decidido de forma definitiva o destino de uma obra materialmente ilegal. Sendo certo que o litígio relativo à propriedade do terreno não pode ser dirimido pela Câmara Municipal de Vila Verde, não é menos certo que a prossecução do interesse público na reposição da legalidade urbanística violada e o princípio da irrenunciabilidade da competência (art. 29º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo) não se compadecem com a situação de indefinição motivada por razões de índole exclusivamente privatística e, de resto, na disponibilidade das partes (de intentarem os não o meio processual idóneo).

15. Solicitados e entregues os documentos reputados idóneos para comprovar a legitimidade da requerente do pedido de legalização, o respectivo teor é suficiente para a Câmara Municipal se pronunciar, de forma definitiva, nos termos do disposto no art. 16º do Decreto-Lei n.º 445/91. Com efeito, sendo possível aos serviços camarários efectuar a medição do terreno a partir da extrema oposta àquela em que se verifica o litígio, com base na área respectiva, não parece difícil a definição da extrema controvertida. Isto, em nada interferirá na composição do litígio respeitante à delimitação da propriedade

Em face de quanto fica exposto,RECOMENDO:

1. Que aprecie e decida, nos termos previstos no art. 16º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 445/91, o Exmo Presidente da Câmara Municipal de Vila Verde as questões de ordem formal e processual que possam obstar ao conhecimento do pedido de legalização apresentado pela Sra… .
2. Que a decisão não seja obstada pela resolução do litígio, em matéria de direito de propriedade sobre o terreno objecto de intervenção, entre a requerente e a proprietária do prédio confinante, Sra… .
3. Sendo as descrições prediais aptas a comprovar a legitimidade da requerente, deve a Câmara Municipal proceder à apreciação da conformidade das obras com os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade aplicáveis e decidir sobre a viabilidade da respectiva legalização.
4. Ao invés, não se encontrando comprovada tal legitimidade, deve ser o pedido rejeitado e ordenada, nos termos do disposto no art. 58º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, a demolição das obras.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel