Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira

Rec. n.º 25/A/97
Proc.:R-1043/95
Data:1997.03.25
Área: A1

Assunto:AMBIENTE – URBANISMO – RESTAURANTE – ESTABELECIMENTO SIMILAR – LICENÇA DE UTILIZAÇÃO – EDIFÍCIO DESTINADO A LOJA PARA COMÉRCIO – ALVARÁ SANITÁRIO.

Sequência: Acatada

I – Exposição de Motivos

1. O processo referenciado foi desencadeado por queixa relativa aos inconvenientes de funcionamento de estabelecimento similar dos hoteleiros sito na Praceta, Lote…, em Castanheira do Ribatejo, denominado “N…”.

2. Na sequência de pedido de esclarecimentos formulado pela Provedoria de Justiça tendo em vista a instrução do processo,informou o Órgão a que V.Exª dignamente preside,a coberto do ofício nº
…, de … .1995, que a fracção ocupada pelo estabelecimento similar reclamado, nos termos previstos no respectivo alvará de licença de utilização, se destina a “lojas/comércio”, e que considera a Câmara Municipal o uso licenciado – exercício do comércio – compaginável com a actividade praticada no estabelecimento de Snack-bar “N…”.

E aditou a subscritora daquele ofício ter sido a proprietária do estabelecimento notificada que o pedido que a mesma formulou relativo à emissão de alvará de licença sanitária para estabelecimento de Snack-bar, não poderia proceder, sem que a mesma exibisse documento comprovativo da autorização dos demais condóminos, quanto à instalação de conduta de evacuação de fumos, pelo que, a não ser feita prova da anuência do condomínio, seria emitido alvará sanitário tendo em vista a exploração de estabelecimento de café, resultando excluídas as actividades de confecção de alimentos.

De acordo com declarações reduzidas a escrito, no texto do ofício n.º…, de … .1996, decidiu a Câmara Municipal conceder provimento parcial ao pedido de licenciamento sanitário, autorizando o funcionamento de estabelecimento de café, o que permite inferir não ter o condomínio concedido quanto à colocação de conduta de exaustão, por se opor à confecção de alimentos no local.

3. A utilização licenciada por esse Município para a fracção designada supõe a sua afectação a fim comercial, em consonância, decerto, com o disposto no título constitutivo da propriedade horizontal e com o destino previsto no projecto de obras que mereceu aprovação municipal.

3.1. Assim, deve o uso em exercício naquele espaço, conformar-se com o fim autorizado.

3.2. Constato porém, que a actividade prosseguida pelos estabelecimentos similares dos hoteleiros, quer se trate de estabelecimento de “Snack-bar”, quer esteja em apreço tão só estabelecimento de bebidas, não se reconduz na sua essência, à actividade típica dos estabelecimentos comerciais.

Embora afins, não deverão, em rigor, considerar-se como equiparadas, nem, como tal, integrar o mesmo tipo de utilização as actividades cujo objecto se cinja à venda de artigos ao público e a actividade que comporte, ainda que acessoriamente, a transformação ou confecção de alimentos, em ordem a posterior consumo pelo público.

Decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 27.01.1993, proc. 82630, que a noção de comércio para um declaratário normal coincidirá com a ideia de “compra e venda de valores, mercadorias, negócio, permutação de produtos, troca de valores”, pelo que divergirá substancialmente do “conjunto de actividades de produção e transformação de matérias”.
Acrescidamente, perfilhando o entendimento explicitado na decisão recorrida, aduz o Supremo Tribunal de Justiça que a circunstância das demais fracções do edifício se destinarem a habitação obstará a que um declaratário normal atribua à declaração “destinada a comércio” um sentido lato e compaginável com a utilização de actividades “provocando emanações de vapores gordurosos, gases e cheiros, que vêm conspurcando o prédio, e ruídos, que se fazem sentir nas fracções dos AA.

De acordo com a boa fé, não é de admitir que a utilização assim feita das fracções corresponda ao comércio a que foram destinadas, segundo se declara no título. Outra interpretação sacrificaria com aquela utilização, apesar das restrições derivadas das relações de interdependência e vizinhança decorrentes da propriedade horizontal, os legítimos interesses dos titulares das fracções destinadas à habitação, em proveito de actividades não abarcadas pelo sentido normal da expressão comércio”.

Às actividades compagináveis com o uso comercial se reporta também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.01.1995 (publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XX, 1995, Tomo I, p.p. 24 a 27), ao definir o comércio como actividade de troca de produtos por dinheiro, e ao excluir daquele conceito “a transformação da matéria prima em produto acabado e sua posterior venda”, concluindo, consequentemente que, “constando do título constitutivo da propriedade horizontal que a fracção se destina a comércio, não pode o condómino afectá-la ao fabrico de pão e pastéis, mesmo que sejam para serem vendidos na fracção”.

3.3. De resto, por possuírem diferente natureza, dispõem tais actividades de enquadramento legal díspar.

O acesso à actividade comercial, e em especial o exercício do comércio a retalho, de forma sedentária, em estabelecimentos ou lojas, pauta-se pelo disposto no Decreto-Lei n.º 419/83, de 29 de Novembro, e no Decreto-Lei n.º 339/85, de 21 de Agosto.

O exercício da indústria hoteleira e similar é disciplinado pelo Decreto-Lei n.º 328/86, de 30 de Setembro e pelo Decreto Regulamentar n.º 8/89, de 21 de Março.

Nos termos da definição legalmente consagrada, o comércio a retalho consiste na actividade exercida por pessoa singular ou colectiva que, a título habitual e profissional, compra mercadorias em seu próprio nome e por sua própria conta e os revende directamente ao consumidor final (vd. art. 1º, al. b), do Decreto-Lei n.º 339/85, de 21 de Agosto).

4. O exercício de utilização que careça de aprovação municipal legitima a Câmara Municipal a fazer cessar o uso não autorizado, determinando o despejo sumário da fracção ocupada (cfr. art. 165º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951).

5. A alteração da utilização de determinada fracção deve ser analisada pela Câmara Municipal na perspectiva dos valores que o direito do urbanismo se propõe tutelar e segundo critérios de ordem pública, à luz das finalidades de actuação previstas na lei, ainda que sem prejuízo da ampla margem de discricionariedade que o art. 30º, n.ºs 6 e 8, al. c) do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro concede às Câmaras Municipais no que toca à aprovação do uso.

Impõe-se à Câmara Municipal acautelar os interesses públicos de urbanismo, estética, salubridade e segurança que a lei lhe confia.

5.1. Por força do princípio da proporcionalidade não poderá a Administração adoptar solução que apresente excessivos inconvenientes em relação às vantagens que ela comporte. Assim, deverá a Câmara Municipal ponderar, a par dos interesses inerentes ao pedido de licenciamento formulado e que motivam o exercício de uma actividade económica, os inconvenientes que para os circunvizinhos aquela actividade poderá ocasionar e as suas repercussões ambientais.

5.2. Não pode a Câmara Municipal deixar de atender às relações de interdependência dos condóminos no uso e fruição do prédio,e às suas repercussões para a comodidade e tranquilidade do condomínio e segurança do edifício.

6. Compete à Câmara Municipal, em particular no âmbito do procedimento de licenciamento sanitário, impor a adopção de medidas que eliminem ou tornem comportáveis os potenciais incómodos ou efeitos negativos.

Em razão da actividade exercida e da localização do estabelecimento, em fracções de prédio destinado primordialmente a fins habitacionais, há-de o estabelecimento similar obedecer a condições de funcionamento peculiares, necessariamente mais exigentes que as prescritas para os meros estabelecimentos comerciais, em termos que não sujeitem os moradores a inconvenientes mais pesados que aqueles que decorrem normalmente da actividade de um estabelecimento de comércio, no sentido que o Supremo Tribunal de Justiça apontou.

A natureza dos condicionalismos inscritos no alvará de licença sanitária dependerá do tipo de estabelecimento e a sua fixação visará assegurar que o uso em causa não pertubará ou colidirá com as demais utilizações exercidas.

6.1. Em particular, pondero que importará precisar quais as normas técnicas a que deve obedecer o sistema de exaustão de fumos, em ordem a assegurar a adequação e suficiência dos procedimentos de eliminação de gases e vapores e prevenir eventuais situações de insalubridade, advenientes de excesso de emissões e da consequente concentração de odores.

Aquela exigência decorrerá ainda do princípio da prevenção das lesões ambientais, segundo o qual, deverão ser consideradas de forma antecipativa as actuações potencialmente danosas em termos ambientais. Em lugar de se adoptarem medidas correctivas e sancionadoras, uma vez consumada a lesão, importará prevenir a sua ocorrência, reduzindo ou eliminando as causas (vd. artigos 2º e 3º, al. a) da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril).

Merece também referência a prescrição regulamentar relativa à instalação de condutas de extracção de fumos e cheiros, nos espaços destinados à preparação de alimentos, de acordo com o estabelecido no art. 271º, n.ºs. 3 e 4 do Decreto Regulamentar n.º 8/89, de 21 de Março.

A sua aplicação envolve todos os estabelecimentos similares dos hoteleiros, “ex vi” do disposto no art. 268º, n.º 1 do citado decreto-regulamentar, e, como tal, os estabelecimentos de bebidas que, segundo a definição legalmente consagrada, se dedicam fundamentalmente ao fornecimento de bebidas ou pequenas refeições (cfr. art. 14º, n.ºs 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 328/86, de 30 de Setembro).

II – Conclusões

7. A emissão de alvará de licença sanitária relativamente a estabelecimentos similares dos hoteleiros que ocupem edificações licenciadas para fins comerciais, não deverá ter lugar sem que a Câmara Municipal se pronuncie em sentido favorável quanto à alteração do uso licenciado, na sequência de pedido formulado pelo interessado, nos termos do disposto no artigo 30º, n.ºs 2 e 4, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, em virtude de o exercício comercial, correspondente ao uso aprovado, não integrar as actividades peculiares daquela categoria de estabelecimentos.

8. O pedido deve ser instruído com documento comprovativo da legitimidade do requerente, em consonância com o que estabelece o art. 30º, n.º 4, al. c), do mencionado Decreto-Lei.

A legitimidade do requerente há-de aferir-se em função da prova apresentada a respeito do consentimento unânime dos condóminos quanto à alteração da utilização requerida.

A modificação no destino de fracção autónoma implica a alteração da correspondente disposição do título constitutivo da propriedade horizontal, pelo que pressupõe a anuência do condomínio.

Sem que o requerente apresente documento comprovativo da autorização de todos os condóminos quanto à utilização projectada, designadamente, acta da assembleia de condóminos que aprove, por unanimidade, a alteração da utilização, não disporá a Câmara Municipal de elementos que atestem a legitimidade do requerente, pelo que o pedido não poderá proceder.

Diferente entendimento, que se baste com a exibição de documento que titule a posse exercida sobre a fracção autónoma, sujeita os condóminos às consequências da alteração do uso da fracção, sem deliberação válida da Assembleia de Condóminos, e a subversão, por deliberação camarária e subsequente emissão de licença de utilização, da escritura de constituição da propriedade horizontal.

A perfilhar tal interpretação, criará a Câmara Municipal, ao decidir sobre a viabilidade do pedido de alteração da utilização, circunstâncias propícias ao surgimento de conflitos de vizinhança, os quais, de acordo com a orientação que recomendo, mais cautelosa, tenderão a ser precavidos ou evitados.

9. No âmbito do procedimento licenciatório sanitário de estabelecimentos similares dos hoteleiros, deverá a Câmara Municipal precaver especiais incómodos para a circunvizinhança, acautelando, a par de situações de insalubridade, situações de deficiente isolamento e cumprindo-lhe, em nome do dever de boa administração, providenciar pela correcta insonorização das instalações e pela adequação dos procedimentos de eliminação de fumos e odores.

Termos em que,RECOMENDO:

1. O indeferimento pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira de pedidos de aprovação de projectos de estabelecimentos similares dos hoteleiros, no exercício da competência prevista no art. 5º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 328/86, de 30 de Setembro, e pedidos de licenciamento sanitário dos referidos estabelecimentos, apresentados ao abrigo do art. 41º da Portaria n.º 6065, de 30 de Março de 1929, quando o uso a exercer colida com a utilização fixada em alvará de licença de utilização emitido relativamente ao prédio a ocupar, em especial quanto a estabelecimentos a instalar em prédios que, nos termos previstos nos respectivos alvarás de licença de utilização, se destinam ao exercício de actividades comerciais.

2. A fixação de condicionalismos à exploração de estabelecimentos similares dos hoteleiros, nos respectivos alvarás de licença sanitária, a fim de acautelar a existência de meios adequados de evacuação de fumos e odores e de eliminação de ruídos e vibrações.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL