Director Regional de Educação do Algarve
Número: 6/A/97
Processo: 3056/96
Data: 21.01.1997

Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA – DOCENTE – VIGILÂNCIA DE EXAMES – ATRASO – FALTA INJUSTIFICADA

Sequência: Não Acatada

1. Um, professor efectivo de educação física na Escola Secundária de Loulé apresentou queixa nesta Provedoria de Justiça, alegando não lhe ter sido justificado, pelo Director daquela Escola e por V.ª Ex.ª, o atraso a uma vigilância de exames, marcada para as 11 horas, do dia … de 1996, apesar de ter comparecido no Secretariado de Exames às 11 horas e 6 minutos (1 minuto depois da tolerância), devido a obras inesperadas na estrada, e de não se haver verificado qualquer prejuízo para os examinandos, nenhum dos quais compareceu ate à chegada do reclamante.
Este acrescentou ter rejeitado a solução avançada pelo Director da referida Escola, no sentido de a falta em causa poder ser justificada por atestado médico, atendendo a que situações como a descrita devem ser resolvidas “com bom senso e acima de tudo com verdade”.

2. Ouvido a propósito e designadamente sobre a desproporcionalidade da decisão de considerar uma falta injustificada face à alegada ausência de prejuízos para os alunos e à efectiva prestação de serviço pelo queixoso, ate a hora prevista para o final do exame, sem a correspondente remuneração (cf.. ofício n.º … , de … de 1996 desta Provedoria de Justiça), V.ª Ex.ª veio responder (cf. ofícios … , de …96 e … , de …96), resumidamente, nos seguintes termos:

a) o queixoso estava convocado para prestação de serviço de exames, para o dia … /96, pelas 11 horas, na Escola Secundária de Loulé, onde exercia funções;

b) apresentou-se no Secretariado de Exames, pelas 11 horas e 6 minutos;

c) foi-lhe recusado assinar a folha de presenças por ter chegado atrasado;

d) manteve-se na Escola ate à hora em que terminaria o exame;

e) o princípio da leqalidade estabelecido no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo determinou a aplicação do n.º 3 do artigo 96.º do E.C.D. e, por conseguinte, a injustificação da falta do queixoso;

f) tal procedimento não ofende o princípio da proporcionalidade, em virtude de consistir na “aplicação de uma norma” e não de uma sanção disciplinar;

g) não se verificou a violação, pela Administração, de direito subjectivo e interesse legalmente protegido do queixoso, sendo certo que, no caso em apreço, o órgão de gestão da escola, não detém “qualquer poder discricionário”, mas vinculado.

3. A situação relatada e reveladora de uma decisão administrativa (de considerar falta injustificada o atraso do queixoso) excessivamente rigorosa e, por isso, aplicada à margem do princípio de proporcionalidade consagrado pela Constituição da República (artigos 18.º, n.º 2, 19.º, n.º 4 e 266.º, n.º 2) e pelo Código do Procedimento Administrativo (artigo 5.º, n.º 2).

4. Convirá, porém, antes de se caracterizar o excesso que tal decisão encerra, salientar que a proporcionalidade e uma das vertentes da justiça, entendida esta, em termos do Direito positivo, como pauta de valores supremos da ordem constitucional encimada- pelos direitos fundamentais e baseada na dignidade da pessoa humana (artigos 1.º, 2.º e 9.º da Constituição).

A justiça exige quer o respeito da pauta de valores constitucional e legalmente assumidos (proporcionalidade em sentido global), quer o ajustamento entre a actuação pública e o fim ou interesse público concreto a prosseguir (proporcionalidade em sentido concreto). No que ao caso interessa, poder-se-á dizer que existe proporcionalidade, em sentido concreto, quando o acto administrativo for, cumulativamente, necessário, adequado e ajustado nos meios ao interesse público concreto a prosseguir.

5. E será, por outro lado, de ter presente que o cerne da questão se não situa na ilegalização da conduta assumida por V.ª Exa, por virtude de colisão desta com direitos ou interesses legalmente protegidos do queixoso, mas, precisamente, no modo como foi aplicada, no caso em apreço, a alínea a) do n.º 1 do artigo 95.º do E.C.D.. Aliás, nunca foi questionado o aspecto da legalidade da decisão, mas apenas o princípio da proporcionalidade face ao extremo rigor de que se revestiu a decisão de V.ª Ex.ª de não considerar justificada a falta, ou mesmo, de admitir a existência de uma falta, no caso sob apreciação.

6. Na realidade, tendo-se o queixoso atrasado 1 minuto, em relação à tolerância de 5 minutos concedida para o serviço de que fora incumbido, não se poderia falar de uma ausência do mesmo, na verdadeira acepção deste conceito, susceptível de determinar uma falta ao serviço (artigo 94.º, n.º 1, do E.C.D.).

Tal atraso foi, outrossim, reconhecido expressamente por V. Ex.ª, o que só pode equivaler ao efectivo comparecimento do queixoso ao serviço de fiscalização de exames, sem que, por conseguinte, tenham ficado comprometidas a disponibilidade efectiva do docente e a utilidade do serviço a prestar. Daí que se mostre, pelo menos, contraditória a decisão de recusar ao queixoso a assinatura da folha de presenças.

7. Assim e no âmbito dos deveres de assiduidade e pontualidade (cfr. artigo 7.º, n.º 1, do Dec-Lei n.º 187/88, de 27 de Maio), nenhum obstáculo existia e existe para V. Exa relevar o atraso do queixoso, sabido que aquele preceito confere aos superiores hierárquicos um inegável poder discricionário na apreciação das diversas situações que surgem neste domínio, as quais não têm, por isso, que conduzir, inevitavelmente à marcação de faltas.

8. Passando a apreciar a decisão de V. Exa de não considerar justificado o atraso do queixoso à vigilância de exames para a qual foi designado e a consequente marcação de falta, ter-se-á de convir que a mesma se mostra, simultaneamente, falha dos três atributos (necessidade, adequação e ajustamento dos meios ao fim) caracterizadores do princípio da proporcionalidade.

9. Com efeito, aquela decisão carecia de necessidade, considerando que sem ela a prossecução do interesse (público) de garantir a vigilância dos exames pelos docentes escalados para o efeito, no dia … de 1996, às 11 horas, não ficava comprometido. E isto porque, para além de se ter registado apenas um atraso (em relação à tolerância concedida para a comparência dos docentes) e não uma ausência do queixoso, acabaram por faltar ao exame todos os examinados.

E também porque o queixoso não chegou a ser substituído por outro docente, situação que de alguma maneira poderia apontar para a indispensabilidade de decisão de considerar como faltosa a conduta do ora queixoso.

10. Está também desprovida da adequação porque não contribui para assegurar esse mesmo interesse de vigilância dos exames. No caso descrito, a decisão de não justificar o atraso do queixoso ou de o considerar incurso em falta injustificada em nada afectou a prossecução desse interesse. O queixoso compareceu com atraso, é certo. Mas este atraso não chegou a suscitar, sequer, a necessidade de substituição.

11.O que apenas se compreende pelo facto de os examinandos apenas serem chamados para a sala às 11 horas e 15 minutos. Para mais, faltaram ao exame todos os alunos que ao mesmo se tinham candidatado. O que só pode significar que desse atraso do queixoso não resultou qualquer prejuízo para os examinandos e para a Escola à qual competia assegurar a presença efectiva dos docentes encarregados da vigilância desses exames.

12. A decisão em causa está, ainda, desajustada aos fins a prosseguir, tendo em conta, face ao que já foi exposto, que é, de todo, excessiva. É que, não tendo sido posta em causa a efectiva vigilância dos exames, pelo atraso do queixoso, aquela decisão patenteia um desproporcionado rigor. A situação concreta requeria, pelos seus contornos, um tratamento mais ajustado à realidade dos factos.

Tanto mais que, no plano dos deveres de assiduidade e pontualidade a lei (artigo 7.º do Dec-Lei n.º 187/88, de 27 de Maio) confere aos superiores hierárquicos um poder discricionário de apreciação das diferentes situações com as quais se confrontam diariamente.

13. O queixoso manteve-se disponível até ao termo do período do exame, apesar de ter sido impedido de assinar a folha de presenças. Tal disponibilidade que decorreu do facto de não ter aceite o extremo rigor da decisão de o considerar faltoso e a sugestão de procurar obter a justificação de falta por falsos motivos de saúde, é reveladora de uma conduta alierçada na boa fé e na honestidade de um funcionário nas suas relações com os superiores hierárquicos, a qual não pode, por isso, deixar de ser devidamente ponderada.

A disponibilidade durante todo o tempo de vigilância dos exames para o qual fora designado justifica que ao queixoso seja abonada a correspondente remuneração. Recusá-la equivaleria a um insustentável locupletamento à custa alheia por parte da Administração, de acordo com o que dispõem os artigos 334.º e 473.º do Código Civil.

14. Nestes termos,

RECOMENDO

A V. Exa, à luz dos princípios da proporcionalidade, da boa fé e do não locupletamento à custa alheia, a reapreciação do caso, por forma a ser aceite a justificação do atraso do queixoso à vigilância de exames, no dia … de 1996, e a ser-lhe reconhecido o direito à correspondente remuneração.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL