Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira
Número:65/A/97
Processo :R-2320/93
Data:2.09.1997
Área: A1

Assunto:AMBIENTE – OFICINA DE REPARAÇÃO DE AUTOMÓVEIS – ZONA HABITACIONAL – CONTAMINAÇÃO – DESPEJO ADMINISTRATIVO.

Sequência: Acatada

I-Exposição de Motivos

Da Instrução

1. No exercício do direito consagrado pelo art.º 3.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, foi apresentada na Provedoria de Justiça queixa sobre alegada contaminação de poços de água afecta ao consumo doméstico, no lugar de Mirante, Canedo, em Santa Maria da Feira.

2. Analisada e apreciada toda a informação prestada pela Câmara Municipal e pela Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais do Norte, em resposta às diligências instrutórias promovidas pela Provedoria de Justiça, consultada a documentação que integra o pertinente processo camarário em acção inspectiva desenvolvida na Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, pude concluir pela verificação dos seguintes factos e circunstâncias:

2.1. Procede o Sr… à exploração de estaleiro no lugar de Mirante, em lote residencial.

2.2.A fiscalização municipal, em deslocação realizada com base em queixas que lhe foram dirigidas acerca da contaminação dos poços circundantes, em virtude do aproveitamento do terreno para a prestação de assistência mecânica pelo munícipe, observou serem os trabalhos prosseguidos no local, entre os quais, a lubrificação de engrenagens e a substituição de óleos utilizados, susceptíveis de acarretar a afectação da toalha freática que abastece os poços do aglomerado.

2.3. Em 11-5-1994, a Câmara Municipal notificou o munícipe a fim de que o mesmo removesse a maquinaria sita no terreno, bem como os desperdícios e sucatas ali depositados, e assegurasse a limpeza da área ocupada com remoção de desperdícios e sucatas.

2.4. Deliberou a Câmara Municipal, tendo em vista a resolução do problema, em 29-5-1995, a cedência a título oneroso de 4 lotes sitos na Zona Industrial de Vila Maior, em Canedo, com a área de 4.000 m2, a favor do Sr… o que lhe permitiria transferir as instalações.

Em 20-7-1995, foi celebrado contrato promessa de compra e venda do referido lote, propriedade da Câmara Municipal, entre este Órgão autárquico e o Sr… e sua mulher, Sra… Nos termos do referido contrato, comprometeu-se o Sr…, conjuntamente com a sua mulher, a comprar os lotes ns.º 4, 5, 6, 7 e 8, sitos na Zona Industrial de Vila Maior, bem como a “proceder ao encerramento definitivo das instalações que possuem no lugar de Mirante, da freguesia de Canedo, o que deverá ocorrer até ao dia 30 de Setembro do corrente ano.”
Dispõe a cláusula 3.1. do contrato em apreço “o encerramento do estaleiro referido na cláusula anterior compreende a transferência de toda a instalação incluindo máquinas e utensílios, para os lotes da Zona Industrial de Vila Maior, aqui prometidos ceder pela primeira outorgante para este efeito”.

A cláusula 3.2. prescreve “efectuada a transferência, devem os segundos outorgantes, naquele prazo, proceder à limpeza do terreno, removendo os destroços resultantes dessa operação, deixando-o, a final, livre de coisas e bens”.

Mais se consigna que, em caso de incumprimento do contrato por qualquer dos contraentes, poderão os contraentes não faltosos, exercer o direito de resolução, nos termos previstos no art. 442.º do Código Civil, ou, em alternativa, requerer a execução específica do contrato (ponto 5).
2.5. Em 18-12-1995, a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira informou ter sido inobservado o prazo acordado para transferência das instalações do estaleiro para a zona industrial de Vila Maior. Comunicou aquele Órgão autárquico que o assunto seria discutido em reunião camarária “com vista a tomar posse administrativa do terreno do estaleiro para assim, se proceder ao seu encerramento” e, já em 29-03-1996, que iria diligenciar no sentido de ser suspenso o abastecimento de energia eléctrica.

2.6. Passa a transcrever-se excerto do relato de acção de fiscalização camarária, a qual teve lugar em 4-10-1996:
“o terreno assinalado (…) é propriedade do Sr…, estando este a ser utilizado como parque de máquinas industriais, nomeadamente máquinas de terraplanagem, camiões, gruas, betoneiras e outras máquinas ligadas ao ramo de construção civil, que são de sua propriedade, Firma Carlos Pereira, Ldª”.
Neste local, o proprietário procede à manutenção das referidas máquinas, como por exemplo, mudanças de óleos, lavagens e outros serviços sem possuir condições para tal efeito. O terreno encontra-se implantado numa zona habitacional, não havendo na envolvente este tipo de serviço. O piso encontra-se em terra batida, excepto na zona de coberto que se encontra em cubos de granito, havendo grandes vestígios de resíduos de óleos e outras substâncias provenientes da manutenção das máquinas.

2.7. Nada consta no processo camarário sobre participação de ilícito de mera ordenação social à Direcção Regional da Indústria e Energia competente, por infracção às disposições constantes do Decreto-Lei n.º 88/91, de 23 de Fevereiro, em particular à proibição de depositar ou proceder à descarga de óleos usados ou de resíduos resultantes do seu tratamento com efeitos nocivos para o solo (v.d. art. 2.º, n.º 1).

2.8. Em 12/9/1995, a Direcção Regional de Ambiente e dos Recursos Naturais do Norte esclareceu terem os resultados de análises efectuadas relativamente a amostras dos poços pertencentes ao estaleiro do Sr… bem como do poço sito em propriedade do reclamante, a jusante da exploração, pelo Instituto da Água da Região Norte, acusado valores de hidrocarbonetos superiores aos níveis máximos legalmente admitidos (v.d. Decreto-Lei n.º 74/90, de 7 de Março). Conclui a Direcção Regional ter o aquífero local sofrido a influência das infiltrações de óleos, em virtude de operações com máquinas e viaturas pesadas desenvolvidas no estaleiro. Subsequentemente, instauraram os serviços regionais, em 26?04?1996, procedimento contra-ordenacional contra o Sr…, em razão de o mesmo proceder à descarga de resíduos sem licença, em infracção ao disposto no artigo 86.º, alínea v) do Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro.

2.9. Aos factos inicialmente articulados pelo reclamante, acresce a construção de escritório de apoio no local, sem prévia submissão a licenciamento municipal, nos termos em que o estabelece o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro.

Da Apreciação

A procedência da queixa foi reconhecida pela Câmara Municipal, à qual deve ser imputada a omissão de medidas destinadas a repor a legalidade infringida e a salvaguardar os Interesses ambientais em presença, contribuindo, assim, não apenas para deixar perpetuar uma situação de ilegalidade verificada, como também para manter um caso de injustiça ambiental, traduzido no aproveitamento indevido de recursos naturais e na produção de prejuízos no ambiente de terceiros, que não colhem quaisquer benefícios da actividade exercida.

De acordo com a motivação exposta,RECOMENDO:

A) Que a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira ordene o despejo administrativo das instalações ocupadas pelo Sr…, com fundamento no disposto no artigo 165.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 44 258, de 31 de Março de 1962, por não ter merecido aprovação municipal a utilização praticada.
B) Que V.Exª determine a demolição voluntária da construção efectuada pelo munícipe, sem licenciamento municipal, precisando os trabalhos a realizar e o prazo para início e conclusão dos mesmos, ao abrigo do disposto no artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro e no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 92/95, de 9 de Maio.
C) Que V.Exª ordene que, em caso de incumprimento, pelo munícipe, das ordens proferidas, sejam os respectivos actos de execução praticados pelos serviços camarários, ou, em caso de impossibilidade, por terceiro, a expensas do notificado, nos termos previstos no artigo 58.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e no artigo 155.º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 422/91, de 15 de Novembro.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel