Presidente da Câmara Municipal de Alijó
Número:80/A/97
Processo:R-3116/93
Data:22.12.1997
Área: A1

Assunto:EXPROPRIAÇÃO E REQUISIÇÃO DE BENS – URBANISMO – OBRAS PÚBLICAS – PROPRIEDADE PRIVADA – ESTRADA – EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA – INDEMNIZAÇÃO – CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (DECRETO-LEI N.º 438/91, DE 9 DE NOVEMBRO).

Sequência:Não Acatada.

I-Exposição de Motivos

1. A munícipe Sra…, identificada no processo, queixou-se ao Provedor de Justiça da actuação da Câmara Municipal de Alijó e, em especial, da ocupação de parcela de prédio rústico e consequente construção, na sua área, de um caminho municipal.

2. Na reclamação dizia-se que, em finais de 1989, a Câmara Municipal de Alijó havia promovido a construção de uma estrada entre Vilar de Maçada e Vila Verde, ocupando, sem mais, terreno pertencente à reclamante por sucessão.

3. Em 24.01.94, a queixosa apresentou à instrução do processo alguns elementos relativos a esta situação. De entre os mesmos, e com especial relevância para a instrução do presente processo, encontra-se o ofício n.º…., da Câmara Municipal de Alijó, dirigido ao Senhor Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território que, em suma, prestava as seguintes informações:
a) A Câmara Municipal de Alijó construiu uma estrada entre Vilar de Maçada e Vila Verde;
b) Em reuniões, realizadas em Vilar de Maçada e em Vila Verde, os proprietários dos terrenos acordaram que não haveria lugar a qualquer pagamento pela ocupação destes;
c) Apenas um proprietário (de Vilar de Maçada) não deu o seu assentimento a esta solução.

4. Na mesma informação é, ainda, afirmado que “o terreno a que se refere a Sra…, pertencia então a uma tia, pessoa com cerca de 90 anos, e que autorizava a Sra. Presidente da Junta de Freguesia, a ocupar o terreno, cerca de 400 m2, sem qualquer pagamento, aliás como foi autorizado por dezenas de outros proprietários” (cfr. ponto 1.2, do ofício supra citado).

5. Apesar das diversas referências às negociações havidas entre a Câmara Municipal de Alijó e os proprietários dos terrenos atravessados pelo caminho municipal (cfr., a título de exemplo, o ofício n.º…., da Junta de Freguesia de Vilar de Maçada e a Informação da Divisão Administrativa e Financeira da Câmara Municipal de Alijó, de 15/07/94), resultou, desde logo, evidente que inexistia título comprovativo da transferência da propriedade para a Câmara municipal.

6. Tal facto foi, aliás, admitido pela Câmara Municipal de Alijó, na comunicação enviada através do ofício n.º…., ao reconhecer que “ainda não foi assinado título bastante para a transferência de propriedade do terreno em causa, porque (…) a interessada pretende indemnização, sendo certo que a legítima proprietária do terreno, à data da abertura da estrada, prescindiu da mesma indemnização”.

7. Não sendo controversa a factualidade subjacente à reclamação da Sra…, apenas subsiste divergência quanto às consequências que, no plano jurídico, devem ser extraídas da matéria reclamada.

8. Tanto a transferência onerosa, maxime através de contrato de compra e venda, como a gratuita, mediante doação, implicam a celebração de contrato escrito, sob a forma de escritura pública (cfr. arts. 875º. e 947º, n.º. 1, do Código Civil).

9. A afirmação de a aquisição se ter operado pelo mero consentimento verbal da anterior proprietária não pode obstar à procedência da pretensão da queixosa, pelo que deve ser entendida como mero preliminar de um negócio jurídico, ao fim e ao cabo, jamais materializado.

10. Das regras sobre a distribuição do ónus da prova resulta que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, vertido no n.º. 1 do art. 342º, do Código Civil. Na instrução do processo não apresentou o município título bastante que provasse a aquisição.

11. De resto, um negócio jurídico translactivo da propriedade de um bem imóvel não poderia deixar de revestir a forma de escritura pública, sob pena de nulidade, nos termos do disposto no art.º 220º, do Código Civil.

12. Porque “não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei (…)” (cfr. 1º parte, do º.1, do art. 1306º, do Código Civil, justamente epigrafado “Numerus clausus”) e uma vez que o direito de propriedade, nos termos do disposto no art.º 1316º, também do Código Civil, se adquire por contrato sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e outros modos previstos na lei (v.g. expropriação por utilidade pública), deve procurar-se o título numa destas vicissitudes, próprias dos direitos reais e, em especial, do direito de propriedade.

13. Ora, face à alegação de transmissão gratuita da propriedade do bem imóvel reclamado, pareceria estarmos perante uma doação – contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa, em benefício do outro contraente (cfr. art.940º, n.º. 1 do Código Civil). Não obstante, nos termos do disposto no n.º 1, do art. 947º, ainda do Código Civil, “a doação de coisas imóveis só é válida se for celebrado por escritura pública”, pelo que, por força do supra mencionado art. 220º, tal negócio seria nulo e de nenhum efeito.

14. Por outro lado, não veio desencadeado qualquer processo de expropriação por utilidade pública do bem imóvel em causa – nem quando decorria o alegado processo negocial, nem, tão pouco, após a morte da anterior proprietária – não tendo a Câmara Municipal de Alijó tentado a aquisição por via do direito privado ou apresentado requerimento para a declaração de utilidade pública.

15. Resultou da instrução do processo, e não se revelou matéria contravertida, ter falecido a anterior proprietária do prédio, sem que o contrato que a Câmara Municipal de Alijó visava tivesse sido materializado em negócio jurídico válido e plenamente eficaz.

16. A actual proprietária revela, e a queixa que me foi dirigida é desse facto prova concludente, a determinada intenção de não dispor gratuitamente do prédio rústico que terá recebido por sucessão.

17. Sendo certo que lhe é lícito usar os instrumentos jurídicos que a lei civil lhe faculta para obter a satisfação da sua pretensão, não é menos correcto que se impõe a conclusão de que à Câmara Municipal de Alijó não resta alternativa ao pagamento do justo preço à proprietária, evitando deixar inalterada por mais tempo a situação que se revela injusta para a munícipe e que resulta de facto ilícito praticado pelo município de Alijó.

Pelas razões que deixei expostas,RECOMENDO

A V. Exa:
1. A adopção das necessárias medidas destinadas a pagar pelo município de Alijó à proprietária o preço que vier a ser acordado por conta da aquisição da parcela do seu prédio rústico ocupada por caminho municipal;
2. O recurso a árbitros, designados dois pelas partes e um terceiro cooptado, para a eventualidade de não se mostrar possível o acordo; e,
3. O uso de meio expropriatório, como última via, devendo, em tal caso, ser a proprietária justamente indemnizada, nos termos do disposto no Código das Expropriações.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel