Reitor da Universidade de Coimbra
Número:14/B/97
Processo:R-3446/94
Data:21.07.1997
Área:A3

Assunto:EDUCAÇÃO E ENSINO – MUDANÇA DE CURSO – FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA – CRITÉRIOS DE SERIAÇÃO DOS CANDIDATOS – PRINCÍPIO DA IGUALDADE.

Sequência: Sem Resposta.

I

1. Foram junto desta Provedoria de Justiça apresentadas reclamações que versam sobre os critérios de selecção a adoptar, pela Faculdade de Medicina dessa Universidade, no âmbito do processo relativo ao preenchimento de vagas destinadas a alunos que se enquadrem no regime de mudança de curso no Ensino Superior. As reclamações abordam essencialmente dois aspectos, a saber:
a) ter sido adoptado como critério preferencial na selecção para a mudança de curso o facto de serem os candidatos alunos da Universidade de Coimbra.
b) a seriação dos candidatos atender ao número de disciplinas realizadas no curso de origem, beneficiando, à partida, os alunos oriundos de cursos de cujos currículos constem maior número de disciplinas.
Embora incidam sobre o mesmo despacho, uma e outra questão levantam problemas distintos, que carecem de apreciação específica.

II

1. No que toca ao critério que atribui preferência aos alunos dessa Universidade, importa aferir da sua conformidade com o princípio constitucional da igualdade, previsto no art. 13º. da Constituição da República Portuguesa. Em causa está a vertente deste princípio que consubstancia um comando ao legislador, exigindo-lhe um tratamento igual de situações jurídicas iguais. Nessa perspectiva, procura-se impedir a actuação discriminatória da administração, quando essa discriminação for arbitrária e materialmente infundada. No caso, deve-se determinar se, à luz dos fins prosseguidos pelos concursos de transferência de curso e atentos os termos da sua consagração legal, será legítima a atribuição de relevância à circunstância de o candidato ser proveniente da Universidade de Coimbra, concedendo-se a essa circunstância tratamento privilegiado.

2. Importa, para tanto, ter presente o regulamento da mudança de curso, contido na Portaria n.º 612/93, de 29-6, com as alterações constantes das Portarias n.ºs. 96/95, de 1-2, 390/95, de 2-5 e 317-A/96, de 29-7. Um primeiro elemento definidor do regime da mudança de curso é o facto de a mesma operar por meio de concurso, por via do que terão os opositores direito a ser tratados de forma igual e imparcial pela entidade promotora. O concurso é aberto a todos os que, estando ou tendo estado inscritos no ensino superior, pretendam mudar de curso (art. 11.º). Para admissão ao concurso, os candidatos terão de obter aproveitamento, por exame ou por frequência, nas disciplinas fixadas como específicas para o acesso ao curso em questão (art. 12.º). O número de vagas abertas a concurso e os critérios de seriação dos concorrentes admitidos são estabelecidos pelos estabelecimentos a que se concorre (art.ºs. 15º. e 22º.) Por essa via, pretendeu o legislador que as preferências e conveniências de cada estabelecimento fossem consideradas na selecção dos alunos que nela venham a ser admitidos por via da transferência. Estes critérios deverão ser, eles também, materialmente fundados e razoáveis, à luz do regime do concurso em que se integram, sendo a este respeito que se coloca a questão agora em apreciação.

3. Tendo presente o exposto, o critério questionado não pode deixar de se considerar claramente atentatório do princípio da igualdade. Com efeito, não existe qualquer razão que, no âmbito do concurso para mudança de curso, possa justificar a distinção feita, e menos ainda que explique a preferência atribuída. Privilegiando à partida um aluno pelo mero facto de ser da Universidade de Coimbra, independentemente do mérito por si revelado ou de outra qualquer razão pertinente, o critério releva o irrelevante e ignora o essencial, criando uma distorção inadmissível no resultado do concurso. Esta distorção é tanto mais acentuada e injusta quanto o critério é o primeiro dos critérios de seriação, tornando impossível a admissão de alunos provenientes de outras Universidades quando em concorrência com alunos da Universidade de Coimbra.

4. Em conclusão, a atribuição de preferência aos alunos oriundos da Universidade de Coimbra é discricionária e materialmente infundada e, nessa medida, atentatória do princípio constitucional da igualdade.

III

Quanto ao critério que valoriza o número de disciplinas obtidas no curso de origem, suscita-me o mesmo algumas reservas, pela situação de injustiça que pode gerar, ao beneficiar, à partida, os candidatos oriundos de cursos em cujos currículos exista um maior número de disciplinas. Por exemplo, se um aluno do curso de Medicina Dentária, com o 3º ano concluído com média de 15 valores, concorrer com um aluno do curso de Enfermagem que tenha igualmente concluído o 3º ano , mas com uma média de apenas 12 valores, ver-se-á superado por este último, apenas por existirem menos disciplinas no seu currículo. A situação não suscita quaisquer problemas de legalidade, dado ser legítimo à universidade eleger um critério com a natureza do aqui questionado. Do ponto de vista da justiça, porém, decorre deste critério o efeito perverso acima descrito de se secundarizarem alunos de determinados cursos, por razões que os ultrapassam e independentemente dos resultados que apresentem.
Assim,RECOMENDO:

A V.ª Ex.ª, no âmbito dos critérios de seriação dos candidatos ao concurso para mudança de curso para a Faculdade de Medicina:
a) que deixe de ser conferida preferência aos alunos oriundos da Universidade de Coimbra;
b) que o critério do número de disciplinas realizadas seja reformulado de modo a tomar em consideração o respectivo plano curricular.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel