Exm.º Senhor
Director Regional do Ambiente e Recursos Naturais do Centro
Número:47/A/96
Processo.R-2891/90
Data:16.04.1996
Área: A1

Assunto:AMBIENTE – RUÍDO – TOQUE DE SINOS – AMPLIFICADOR SONORO – VIA PÚBLICA – MEDIDAS DE POLÍCIA – CONTRA-ORDENAÇÃO.

Sequência: Sem resposta.

I-Exposição de Motivos

Dos Factos Reclamados

O ruído provocado pelo toque dos sinos da Igreja de Valesim, em Seia, motivou uma reclamação neste Órgão do Estado.
Com efeito, os mencionados sinos encontram-se associados ao relógio da Igreja e assinalam as horas e as meias horas, por forma que, alegadamente, causa incomodidade aos moradores de Valezim e, especialmente, àqueles residentes em edifícios com maior proximidade da torre do relógio.
O nível de ruído provocado resulta da circunstância da difusão do som emanado do relógio ser efectuada mediante a utilização de “ampliadores”.

De exame de medição acústica, realizado no dia 14/12/88, pela Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais do Centro, resultou um valor extremamente elevado de ruído perturbador qual, mesmo corrigido do ruído de fundo, se situou em 46 dB.
De facto, conforme comprova o relatório, o resultado da perícia foi Leq – L95 = 65,2 dB(A) – 19,2 dB(A) = 46 dB(A), sendo de assinalar que, nos termos da “Norma Portuguesa NP-1730 – Grau de Reacção Humana ao Ruído”, a produção de ruído acima de 20 dB é considerado de “grau muito forte” e susceptível de gerar “acção colectiva enérgica”.

O mencionado exame acústico, realizado no dia 14/12/88, conclui dizendo que “a reclamação apresentada é, pois, perfeitamente justa, visto que o excesso encontrado – 46 dB(A) – ultrapassa todos os limites referidos no Quadro anterior”. O quadro citado é Quadro II da Norma Portuguesa NP-1730.

Do Direito

O Regulamento Geral sobre o Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho e, mais tarde, alterado pelo Decreto-Lei n.º 292/89, de 2 de Setembro, prevê a inclusão, nos processos de autorização ou licenciamento relativos “a actividades geradoras de ruído, em geral, que possam causar incomodidade”, de “(…) uma parte específica sobre a análise do cumprimento do (…) Regulamento” (Cfr. alínea g), do art.º 2.º ex vi art.º 3.º, todos do Regulamento Geral sobre o Ruído).

Atenta a existência neste Órgão do Estado de numerosas reclamações relativas a situações de incomodidade causada por emissões de ruído provocadas por actividades que não carecem de prévio licenciamento ou autorização, tive já oportunidade de defender a sua subsunção ao disposto no art.º 21.º do Regulamento Geral sobre o Ruído.

Com efeito, “a realização dos espectáculos ou o exercício das actividades referidas no artigo anterior” (ou seja: as diversões e quaisquer actividades ruidosas, públicas ou privadas, referidas no n.º 1, do art.º 20.º) “só serão permitidos nas proximidades de edifícios de habitação, escolares e hospitalares ou similares, bem como de estabelecimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento, desde que respeite os limites estabelecidos no n.º 1 do artigo anterior e se verifique a sua suspensão entre as 22 horas e as 8 horas do dia seguinte, de domingo a quinta-feira, e entre as 24 horas e as 8 do dia seguinte, à sexta-feira e ao sábado, bem como nas vésperas dos dias feriados (…)” (cfr. n.º 1, do art.º 21.º).

Em qualquer caso – e independentemente do nível sonoro que, em concreto, se verifique – a actividade susceptível de provocar ruído tem de ser, impreterivelmente, suspensa durante os períodos referidos.

Por outro lado, esta disposição encerra, ainda, uma presunção juris tantum do cumprimento do limite estabelecido na alínea a), do n.º 1, do art.º 20.º O que significa que “a diferença entre o valor do nível sonoro contínuo equivalente, corrigido do ruído proveniente dos locais em questão, e o valor do nível sonoro do ruído de fundo, que é excedido, num período de referência, em 95% da duração deste (L95), deve ser inferior ou igual a 10 dB(A)”.

Em conclusão: os espectáculos, as diversões e as actividades susceptíveis de produzir ruído, quando a sua realização não careça de licenciamento ou autorização prévia, devem, não obstante, conformar-se com as normas do Regulamento Geral sobre o Ruído e, em especial, com o disposto no art.º 21.º

Estando comprovado que, cada meia hora, o relógio da Igreja de Valesim emite um ruído superior a 10 dB – que atinge e ultrapassa os 40 dB – ocorre violação ao Regulamento Geral sobre o Ruído, por incumprimento do disposto nos art.ºs 21.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, alínea a), daquele diploma.

Tal circunstância constitui contra-ordenação, nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 36.º do Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho, na redacção do Decreto-Lei n.º 292/89, de 2 de Setembro, punível com coima de 50.000 a 500.000 mil escudos.
Umas vez que V.ª Ex.ª tem competência para a fiscalização do cumprimento das disposições do Regulamento Geral sobre o Ruído, bem como para processar a respectiva contra-ordenação e aplicar coimas até 200.000 escudos (Cfr. art.º 33.º e n.ºs 2 e 3, do art.º 37.º, do Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 292/89, de 2 de Setembro) – e atento o facto de ter conhecimento da situação de violação há já mais de seis anos – esperar-se-ia que a presente questão estivesse, de há muito, solucionada.

A violação continuada é tanto mais surpreendente – e motivadora da intervenção do Provedor de Justiça – quanto é verdade que, desde 1989 e em virtude da aprovação das alterações ao Regulamento Geral sobre o Ruído pelo Decreto-Lei n.º 292/89, de 2 de Setembro, está prevista a suspensão imediata da actividade ruidosa, “(…) pela intervenção da autoridade policial, oficiosamente ou a pedido de qualquer interessado” (Cfr. n.º 3, do art.º 21.º).
Por outro lado, o art.º 38.º do Regulamento Geral sobre o Ruído, teria permitido, uma vez que o caso certamente o justificava, a aplicação de sanções acessórias, designadamente a apreensão dos “ampliadores” sonoros.

Tendo verificado a subsistência da situação reclamada por um período superior ao que a razoabilidade tolera, formulo recomendação, cujo conteúdo, estou certo, merecerá a concordância de V.ª Ex.ª

II-Conclusões

No exercício do poder que me é conferido pelo disposto no art.º 20.º, n.º1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:

a) Que seja determinada a suspensão imediata do funcionamento do dispositivo sonoro do relógio da Igreja de Valesim, em Seia, nos termos do disposto no n.º 3, do art.º 21.º, do Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho, na redacção do Decreto-Lei n.º 292/89, de 2 de Setembro, podendo, para tal, ser solicitada a intervenção da autoridade policial;

b) Que seja condicionada a autorização de funcionamento futuro da instalação sonora à observância do limite definido na alínea a), do n.º 1, do art.º 20.º, do Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho (a emissão de ruído deve ser inferior ou igual a 10 dB);

c) Que, no âmbito da autorização condicionada prevista em b), seja determinada a suspensão do funcionamento da instalação sonora entre as 22 horas e as 8 horas do dia seguinte, de domingo a quinta-feira e entre as 24 horas e as 8 horas do dia seguinte, à sexta-feira e ao sábado, bem como nas vésperas dos dias feriados, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 21.º, do Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho, na redacção do Decreto-Lei n.º 292/89, de 2 de Setembro.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel