Exm.º Senhor
Director-Geral das Contribuições e Impostos
Número:43/A/96
Processo:R-2437/94
Data:22.03.1996
Área: A2

Assunto:CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – PRÉDIO URBANO – FRACÇÃO AUTÓNOMA – VENDA JUDICIAL

Sequência: Acatada

Encontra-se pendente na Provedoria de Justiça processo no âmbito do qual entendi dirigir-me a V.ª Ex.ª com o duplo objectivo de ver reposta a legalidade e a justiça de uma situação concreta que me foi descrita e de, paralelamente, evitar a sua repetição, quer na Repartição de Finanças envolvida neste caso, quer em qualquer outra. Trata-se de uma venda judicial de bens penhorados, levada a efeito no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3085-92/100804.8 e Aps., da Repartição de Finanças do 3.º Bairro Fiscal de Lisboa.

Ao bem em causa – fracção autónoma designada pela letra “F” de prédio urbano sito na freguesia de S. Paulo, em Lisboa, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 284 – foi atribuído um valor de base de 10.000.000$00, tendo a fracção sido descrita, no anúncio da referida venda judicial, como fracção destinada a habitação, composta de quatro divisões assoalhadas, cozinha e casa de banho, com o valor patrimonial de 172.290$00 (doc. n.º 1, anexo).

Por dificuldades de comunicação com o fiel depositário, segundo informou o Reclamante, Senhor…, viria este a formalizar proposta de compra da referida fracção sem ter chegado a visitá-la, confiante na descrição que dela fora feita no anúncio da venda. Verificou mais tarde, porém, que a referida fracção não correspondia minimamente ao teor da descrição que dela fora feita, por ser apenas um espaço amplo, sem qualquer das divisões anunciadas, não podendo servir, de modo algum, o alegado fim habitacional que lhe fora atribuído. Ocorre que, entretanto, a proposta do Reclamante foi aceite, tendo-lhe sido exigido, conforme legalmente previsto, o depósito de 1/3 do valor total (3.667.000$00), depósito que efectuou, embora se recuse, agora, a efectuar qualquer outro pagamento por um imóvel que, caso houvesse sido correctamente descrito, nunca se teria proposto comprar.

Contactada a Repartição de Finanças do 3.º Bairro Fiscal de Lisboa a fim de esclarecer os motivos da referida disparidade entre o conteúdo do anúncio e as condições em que se encontrava o imóvel e para apurar, também, das diligências que haviam estado na base da fixação do respectivo valor em 10.000.000$00, viria a Provedoria de Justiça a ser informada, tão só, que “os anúncios publicados (…) reproduzem a descrição matricial correspondente ao artigo 284.º” e que “o valor atribuído de 10.000.000$00 resultou do despacho proferido pelo senhor Chefe da Repartição de Finanças, de acordo com o artigo 323.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Tributário”. Tendo sido remetida a este órgão do Estado cópia do referido despacho, constata-se que do mesmo também não consta qualquer fundamentação para a fixação do valor de base do bem em questão. Do conjunto de documentos facultados pela Repartição de Finanças se anexa cópia, para melhor esclarecimento da questão (doc. n.º 2). Destes documentos não deixará V.ª Ex.ª, certamente, de concluir, como eu próprio, que o valor da fracção foi fixado apenas e só com base no conteúdo da respectiva descrição matricial – aliás, manifestamente desactualizada -, sem recurso a qualquer parecer técnico ou avaliação (permitidos, nos termos do artigo 323.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Tributário) ou mesmo sem qualquer visita prévia ao local. Esta forma de fixação do valor da fracção representa, desde logo, um recuo naquilo que tem sido a evolução das regras de fixação do valor dos bens para venda judicial: a redacção inicial do artigo 215.º, alínea a), do Código de Processo das Contribuições e Impostos consagrava a regra da fixação do valor dos bens de acordo com o respectivo valor matricial corrigido, embora admitisse fixação de outro valor pelo chefe da repartição, caso o julgasse justificado.

Tal regra viria a ser alterada, ainda na vigência do CPCI, pelo Decreto-Lei n.º 369/88, de 17 de Outubro, após o qual as regras de fixação do valor dos bens para venda passaram a constar do artigo 214.º do CPCI nos seguintes termos: “…valor (…) fixado pelo chefe da repartição de finanças mediante parecer técnico do presidente da comissão de avaliação…”.

O actual artigo 323.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Tributário, embora tenha tornado facultativo o parecer técnico até aí obrigatório – com um claro intuito de simplificar o processo -, não deixa, porém, de denotar uma compreensível preocupação de aproximação do valor fixado ao valor real do imóvel.

Nesse sentido, veja-se o comentário de Pinto Fernandes e Cardoso dos Santos, a págs 954 do “Código de Processo Tributário anotado e comentado”, Rei dos Livros:
” Abandonou-se, desta forma, quanto aos prédios inscritos na matriz o seu valor matricial, actualmente o valor patrimonial, no pressuposto que ele não traduzia o valor real à data da venda, procurando agora defender-se melhor quer os interesses da exequente quer os do próprio executado.”

Não é, pois, de todo aceitável que os Chefes de Repartição continuem a fixar o valor base dos bens para venda sem uma mínima preocupação de aproximação ao respectivo valor real, seja porque se limitam a atribuir-lhes o valor patrimonial resultante da matriz, sem mais, quer porque lhes atribuem um valor calculado apenas e só com base nas características do prédio evidenciadas pela respectiva matriz, tanto mais que não são raros os casos de matrizes claramente desactualizadas.

Da actuação do Exm.º Senhor Chefe da Repartição de Finanças do 3.º Bairro Fiscal de Lisboa resultou, assim, um compreensível prejuízo para o Reclamante, o qual negociou numa situação de erro sobre as qualidades do objecto transmitido, por falta de conformidade com o que foi anunciado, erro esse que torna a venda anulável, nos termos do disposto no artigo 328.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Tributário.
Perante a disparidade existente entre o estado do imóvel e a respectiva descrição no anúncio de venda – a qual me permito sugerir seja confirmada por funcionários da administração fiscal – e pelo que acima ficou dito,RECOMENDO:

1. Que seja revogado o acto de adjudicação da fracção de prédio urbano supra identificada ao Reclamante, com a consequente restituição do montante por este já depositado;

2. Que seja revogado o acto de fixação do valor da mesma fracção, substituindo-se este acto por outro que, devidamente fundamentado, fixe um valor que tenha por base o real estado da mesma, preferencialmente após o parecer técnico do presidente da comissão de avaliação ou de um perito avaliador distrital, conforme previsto na parte final da alínea a), do n.º 1, do artigo 323.º do Código de Processo Tributário;

3. Que seja organizado novo processo de venda judicial da fracção em causa, devendo constar dos anúncios a publicar, não só o respectivo valor, fixado pela forma mencionada no ponto antecedente, como também a descrição da fracção no seu estado actual;

4. Que sejam divulgadas instruções pelos serviços locais da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, no sentido de obviar à repetição de casos como o que se vem apreciando, de falta de correspondência entre o estado dos bens cuja venda judicial se anuncia e a descrição que dos mesmos é feita nos respectivos anúncios.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel