Exm.º Senhor
Presidente da Câmara Municipal de Viseu
Número:41/A/96
Processo:R-17/95
Data:13.03.1996

Assunto:URBANISMO E OBRAS – PLANO DIRECTOR MUNICIPAL – INQUERITO PÚBLICO – PARTICIPAÇÃO DOS INTERESSADOS – CAPTAÇÃO DE IMAGENS – TIPICIDADE – MEDIDAS DE POLÍCIA

Sequência: Acatada

I-Exposição de Motivos

A-Dos Factos

1. Foi apresentada na Provedoria de Justiça pela Associação dos Proprietários e Jovens Empresários Agricultores da Região das Beiras e Concelhos Limítrofes uma queixa na qual se questionava a actuação da Câmara Municipal de Viseu no decurso do inquérito público referente ao Plano Director Municipal daquele concelho.

2. Nessa queixa se alegava que a Câmara Municipal de Viseu recusou fornecer aos Reclamantes cópia do projecto do Plano Director Municipal e que o Director dos Serviços de Habitação e Urbanismo procedera à apreensão, num estabelecimento comercial de Viseu, de um conjunto de diapositivos elaborados a partir de fotografias tiradas pelos Reclamantes a plantas integrantes do Plano expostas nos Paços do Concelho.

3. Através do ofício n.º …de …, a Câmara Municipal de Viseu confirmou os factos relatados pelos Reclamantes, tendo referido que a sua recusa em autorizar a captação de imagens das peças do Plano Director Municipal expostas se fundara em informação elaborada pela Direcção Regional da Administração Autárquica da Comissão de Coordenação da Região Centro, e que a apreensão do conjunto de diapositivos fora uma medida provisória, tomada ao abrigo do art.º 840 do Código do Procedimento Administrativo.

B-Da Violação do Princípio da Participação

4. A participação das populações é assumida, nos termos do art.º 5.º, n.º 1, al. d), do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, como um dos princípios estruturantes da planificação urbanística, por forma a permitir a justa ponderação dos múltiplos interesses nela envolvidos (cfr. FERNANDO ALVES CORREIA, O plano urbanístico e o princípio da igualdade, Coimbra, 1989, pp. 248 e ss.).

5. A concretização do princípio da participação das populações na planificação urbanística é assegurada, no que toca aos planos municipais de ordenamento do território, através do inquérito público, previsto no art.º 14.º do referido Decreto-Lei n.º 69/90, que permite aos diversos interessados conhecer o conteúdo dos planos de ordenamento e intervir na sua elaboração, apresentando exposições sobre as soluções previstas.

6. A concreta forma de, no decurso do inquérito público, levar ao conhecimento dos interessados o conteúdo dos planos de ordenamento consiste na exposição destes em locais acessíveis ao público, na sede do município e das juntas de freguesia a que respeitem (art.º 14.º, no 2, do Decreto-Lei n.º 69/90).

7. É certo que, ao contrário do que sucedia no anterior regime jurídico dos planos directores municipais (cfr. art.º 13.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 208/82, de 26 de Maio), a lei não prevê expressamente o fornecimento aos particulares de cópias das peças principais dos planos, mas tal facto não significa que o legislador tenha adoptado, no actual regime jurídico, solução diversa, antes espelha a desnecessidade da explicitação desse direito dos – particulares, dada a amplitude da consagração do princípio participativo no domínio da planificação urbanística (cfr. ponto 4).

8. É também esta a opinião da doutrina que sobre a questão se tem pronunciado. LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA afirma que “a exposição -do plano exige (…) que sejam entregues em curto prazo aos interessados exemplares do mesmo, ou de partes do mesmo, conforme for solicitado, pelo seu custo de produção ou, se assim for deliberado pela câmara municipal, gratuitamente” (Planos municipais de ordenamento do território – Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março – Anotado,: Coimbra, 1991, p. 60). Por sua vez, ANTÓNIO DUARTE DE ALMEIDA et al. referem que “à semelhança do que acontece no direito inglês, entendemos que os particulares devem poder adquirir exemplares do projecto do plano. A câmara municipal deve providenciar no sentido de satisfazer qualquer solicitação que lhe seja dirigida nesse sentido” (Legislação fundamental de Direito do Urbanismo – Anotada e comentada, 1, Lisboa, 1994, p. 187).

9. Efectivamente, não pode ser outro o entendimento resultante de uma correcta interpretação das normas e princípios jurídicos em causa. Ao estabelecer, em termos amplos, um princípio de participação das populações na elaboração dos instrumentos jurídicos de planeamento territorial municipal, a lei pretende maximizar as possibilidades de intervenção dos cidadãos na ponderação dos interesses que serão disciplinados pelo plano, intervenção essa que poderá assumir todas as formas que, permitindo aos cidadãos o conhecimento do conteúdo do plano, não prejudiquem os objectivos gerais dos planos municipais de ordenamento territorial.

10. As considerações que têm vindo a ser expendidas quanto ao fornecimento de cópia das peças principais dos planos municipais de ordenamento do território aplicam-se, por maioria de razão, à permissão de captação de imagens das peças expostas na sede do município ou das juntas de freguesia.

11. Na verdade, se é reconhecida aos interessados a possibilidade de aquisição de cópia das peças principais dos planos, ser-lhes-á permitido procederem, eles próprios, ao registo dos elementos expostos, fotografando-os ou filmando-os.

12. Apenas assim não seria se essa captação de imagens prejudicasse, de alguma forma, os objectivos do inquérito público em curso (v.g. impedindo ou dificultando o visionamento ou consulta das peças aos outros interessados, ou danificando os elementos expostos)

13. Uma vez que, no caso vertente, não se vislumbra (nem foi alegado pelo município) qualquer inconveniente na realização de fotografias, não pode deixar de considerar-se desconforme com o direito a actuação da Câmara Municipal de Viseu, por violação do princípio da participação, previsto, no que toca à planificação urbanística, no art.º 5.º, n.º 1, al. d), do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março.

C-Da Ilegalidade da Apreensão Efectuada

14. Nos termos do art.º 48.º-A, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, aditado pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, podem ser provisoriamente apreendidos pelas autoridades administrativas competentes os objectos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de uma contra-ordenação, ou que por esta foram produzidos, e bem assim quaisquer outros que forem susceptíveis de servir de prova.

15. Era um regime similar ao acima descrito o existente no momento da prática da apreensão aqui em causa (anterior à publicação do Decreto-Lei n.º 244/95), decorrente da aplicação do art.º 48.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, que prevê que as autoridades fiscalizadoras deverão tomar todas as medidas necessárias para impedir o desaparecimento de provas.

16. É apenas nestes termos que se pode processar a apreensão de objectos por parte de autoridades administrativos e não, como pretende a Câmara Municipal de Viseu, através da aplicação do art.º 84.º do Código do Procedimento Administrativo, que visa impedir que se produza a lesão de interesses públicos num procedimento administrativo em curso.

17. As medidas provisórias não são nem podem ser medidas de polícia, nem medidas de coacção, em virtude das exigências constitucionais nesta matéria.

18. No caso vertente, a captação de imagens das peças do Plano Director Municipal expostas é, como vimos, lícita, não preenchendo qualquer tipo legal no qual se comine uma pena ou uma coima, pelo que não constitui crime nem contra-ordenação.

19. Assim sendo, a apreensão dos diapositivos efectuada pelo Director dos Serviços de Habitação e Urbanismo resulta ilegal, pois aqueles não serviram nem estavam destinados a servir para a prática de um crime ou de uma contra-ordenação, não foram por estes produzidos, e não eram susceptíveis de servir de prova em processo penal ou contra-ordenacional (uma vez que não fora praticado qualquer crime ou contra-ordenação).

20. Por outro lado, não se encontra qualquer fundamento de ordem pública que justificasse a adopção de tal medida, sendo certo, porém, que ainda que assim fosse deveria esta medida obedecer aos princípios da legalidade e tipicidade, como se viu.

21. No entanto, uma vez que os diapositivos já não estão na posse da Câmara Municipal de Viseu, encontrando-se à ordem do processo de inquérito n.º …, a correr os seus termos nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Viseu, não irá o Provedor de Justiça intervir quanto a este aspecto.

II-Conclusões

De acordo com o exposto, no uso dos poderes conferidos pelo art.º 20.º, n.º 1, al. a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:

1. Que seja facultada aos Reclamantes cópia do Plano Director Municipal de Viseu.

2. Que, no decurso de futuros inquéritos públicos, seja facultada cópia dos planos municipais de ordenamento do território aos interessados que o requeiram.

3. Que seja permitido aos interessados fotografarem e filmarem, no decurso de futuros inquéritos públicos, as peças dos planos municipais de ordenamento do território expostas na sede do município.

4. A estrita observância, em casos futuros, das normas que regulam a apreensão de objectos por parte das autoridades administrativas.

Dei conhecimento da presente Recomendação à Comissão de Coordenação da Região Centro, para os devidos efeitos.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel