Exm.º Senhor
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Número:39/A/96
Processo:R-1101/95
Data:13.03.1996
Área:A1

Assunto:URBANISMO E OBRAS – GARAGEM – ORDEM DE DESPEJO -INCUMPRIMENTO – EXECUÇÃO COACTIVA.

Sequência: Acatada

I-Exposição de Motivos

1. Foi apresentada queixa a este Órgão do Estado contra a grave situação de incomodidade causada pela actividade de recolha e distribuição de jornais e revistas, desenvolvida pelo Sr…, em duas das três garagens de que é proprietário, no prédio correspondente ao lote n.º 29, no Alta da Castelhana, em Cascais.

2. Nos termos do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio em questão, as fracções nas quais se desenvolve tal actividade são consideradas garagens.

3. Verificando-se a desconformidade entre o uso previsto no alvará de licença de utilização e a actividade ali efectivamente desenvolvida, foi instaurado adequado procedimento contra-ordenacional (art.º 54.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro) e ordenado o despejo sumário das fracções nos termos do disposto no art.º 165.º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951.

4. Verificado incumprimento da ordem de despejo notificada ao infractor, em 31.03.1994 foi efectuada pela Câmara Municipal de Cascais, participação para efeitos de instauração de procedimento criminal pela prática de crime de desobediência (art.º 388.º do Código Penal).

5. No âmbito dos esclarecimentos prestados pela Divisão de Administração Geral dessa Câmara Municipal, foi referido que a Polícia de Segurança Pública, Divisão de Cascais “tem fiscalizado constantemente o local, a partir da hora mencionada (04,00 horas), e não tem verificado ruídos anormais”.

6. Foi ainda comunicado, que considerando a participação criminal e o teor da informação prestada pela Polícia de Segurança Pública, o processo se encontra pendente, mantendo-se, porém, a ordem de despejo sumário a que se refere o mandado de notificação de 31.03.1994.

7. Do exposto resulta que tem a Câmara Municipal de Cascais utilizado os meios de carácter sancionatório ao seu alcance para induzir o destinatário da ordem de despejo ao respectivo cumprimento voluntário.
Com efeito, a instauração e prossecução do procedimento contra-ordenacional, bem como a participação para efeitos de procedimento criminal em virtude de desobediência à ordem em causa, consistem em medidas de compulsão psicológica significativas para a sua execução e cumprimento (OLIVEIRA, Mário Esteves e Outros, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, Vol. II, Coimbra, 1985, p. 230).

8. Todavia, não constituem tais mecanismos medidas de execução do acto administrativo e, pôr tal razão, não estão aptos a realizar os respectivos efeitos, quais sejam, a cessação da actividade comercial de distribuição de jornais e revistas, garantida através da desocupação das citadas instalações.

9. Sem pretender questionar a margem de livre apreciação de que a Administração Pública dispõe na tomada da decisão de execução coactiva de um certo acto, a qual dependerá de uma valoração que pressuponha a necessária ponderação relativa dos prejuízos que para o interesse público advenham da sua não execução, da ausência de prejuízo ou lesão de direitos ou interesses legítimos de terceiros e do sacrifício imposto ao particular, certo é que, no caso em análise, embora a informação da Divisão de Cascais da Polícia de Segurança Pública aponte no sentido da cessação da actividade ali desenvolvida, não há garantias de que a lesão contínua e reiterada que desde 1992 foi produzida no direito dos vizinhos à saúde, ao sono e ao repouso, ou mesmo no direito à integridade física (art.º 70.º, do Código Civil), não se volte a consumar.

10. Para mais, trata-se de assegurar, através da plena operatividade jurídica do acto administrativo em questão, o respeito da legalidade urbanística violada.

11. Reconhecida a verificação de factos dos quais a lei faz derivar certas consequências, “nasce para o seu autor a vinculação de emitir um comando com um certo conteúdo” (CORREIA, José Manuel Sérvulo, Noções de Direito Administrativo, p.458).

12. Assim, tratando-se de um problema no qual, mais do que a mera ilegalidade urbanística consistente na utilização desconforme com o uso licenciado, ressalta a injustiça de uma situação de incomodidade que excede os incómodos normais que resultam das relações de vizinhança, urge actuar as competências camarárias susceptíveis de pôr cobro à lesão contínua e reiterada de direitos de terceiros.

II-Conclusões

Em face do exposto e no exercício da atribuição constitucional que me é conferida no sentido da prevenção e reparação de injustiças (art.º 23.º, n.º 1, da CRP), entendo dever fazer uso do poder que me é atribuído pelo art.º 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de 9 de Abril, e, como tal, RECOMENDO:

Que promova a Câmara Municipal de Cascais, nos termos do disposto no art.º 157.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Procedimento Administrativo, a execução da decisão camarária que ordenou o despejo sumário das duas garagens de que é proprietário o Senhor…, no prédio correspondente ao lote n.º 29, da Rua Costa Pinto, Alto da castelhana, em Cascais.
Para tal fim, deve ser notificado o proprietário das citadas instalações, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 152.º, do Código do Procedimento Administrativo, da decisão de se proceder à execução da ordem de despejo, com indicação do termos em que a mesma irá ser realizada (art.º 157.º, n.º 2, do CPA).

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel