Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas
Número:36/A/96
Processo:R-1656/95
Data:13.03.1996
Área: A4

Assunto:FUNÇÃO PÚBLICA – SALÁRIO MÍNIMO – QUADRO DE EFECTIVOS INTERDEPARTAMENTAIS – REMUNERAÇÃO.

Sequência:Acatada

1. Em queixa que me foi dirigida, alegou-se que a um funcionário considerado excedente, colocado no Quadro de Efectivos Interdepartamentais desse Ministério, na situação de disponibilidade, lhe foram abonados em resultado das reduções remuneratórias previstas anualmente para os excedentes, nas respectivas Leis Orçamentais, vencimentos inferiores ao salário mínimo nacional, designadamente nos anos de 1989 a 1992, ao contrário do procedimento adoptado, para casos paralelos, pela Direcção-Geral da Administração Pública, que vem abonando o salário mínimo nacional.

2. Ouvido o Exm.º Secretário-Geral, veio a confirmar através de ofício que dirigiu a este Órgão de Estado, o procedimento relevado na queixa, justificando-o, essencialmente, nas reduções percentuais nos vencimentos dos excedentes, estabelecidas nas Leis Orçamentais n.º 101/89, de 29 de Dezembro, (artigo 17.º, alínea b)), Lei n.º 65/90, de 28 de Dezembro, (artigo 15.º, alínea b)) e Lei n.º 2/92, de 9 de Março, (artigo 7.º, alínea c)) temporalmente relevante, no caso. (vid. cópias dos ofícios n.º …, e docs. anexos, para melhor esclarecimento).

3. Solicitada, por sua vez, informação pertinente à Direcção-Geral da Administração Pública, expressou esta o entendimento de que devia “…ser sempre abonado o salário mínimo nacional, aos excedentes na situação de disponibilidade, cujos vencimentos por redução das percentagens, fiquem abaixo daquele salário”, entendimento que de resto, já fora feito valer, através do oficio n.º …, dirigido ao Exm.º Secretário-Geral do Ministério da Agricultura (vid. cópias dos aludidos ofícios, em anexo).

4. Da análise da questão colocada, resulta a configuração de um conflito intra-sistemático de normas no domínio do mesmo ordenamento jurídico, que estão entre si, numa relação de incompatibilidade relativa ou de contraditoriedade lógica.

5. O problema consiste, no entanto, em saber se a inaplicabilidade cumulativa das duas normas colidentes – dum lado a lei atributiva do salário mínimo nacional, do outro, as normas que estabelecem redução percentual nos vencimentos dos funcionários excedentes, na situação de disponibilidade – procede, ou não, de uma “colisão aparente de normas” resolúvel, pelo recurso a unidade e coerência do sistema jurídico, que postula a não existência de contradições normativas, e se legitima pela referência a valores jurídicos fundamentais gerais, que criam o verdadeiro “sistema jurídico”, e não apenas a “ordem normativa” (cfr. neste sentido, Prof. Dr. Castanheira Neves, “A Unidade do Sistema Jurídico, o seu Problema e o seu Sentido,” pág. 81 e ss., e Prof. Dr. João Baptista Machado “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” – págs. 197 e seguintes)

6. Com efeito, se a “unidade do sistema jurídico” deixa implicada, como entendem os Autores, a consideração da unidade e coerência jurídico-sistemática, as normas a interpretar – as que impõem reduções remuneratórias aos excedentes, enquanto disponíveis -, não podem ser desligadas do seu contexto normativo e valorativo, no domínio jurídico de que fazem parte, que e, no caso, o regime jurídico remuneratório dos trabalhadores da Administração Pública.

7. Tal regime é delimitado pela “remuneração mínima garantida”, de raiz constitucional, (vid. artigo 59.º, n.º 2 da Constituição) legalmente concretizada no “salário mínimo nacional”, cuja primeira versão legislativa coube ao Decreto-Lei n.º 217/74, de 27 de Maio, alterada depois pelo Decreto-Lei n.º 440/79, de 6 de Novembro, e com regime jurídico mais recentemente revisto pelo Decreto-Lei n.º 69-A/87, de 9 de Fevereiro.

8. À excepção do primeiro Diploma (Decreto-Lei n.º 217/74), que não contemplava os funcionários públicos e administrativos quanto à atribuição do salário mínimo -, os Diplomas posteriores, designadamente, o Decreto-Lei n.º 268/74, de 21 de Junho (art.º 1º), o Decreto-Lei n.º 294/75, de 16 de Junho (art.º 1.º), e o atrás citado Decreto-Lei n.º 440/79, de 6 de Novembro, já fixaram para os Trabalhadores da Administração Central Regional e Local, uma remuneração mensal mínima, tornando-lhes extensivos os benefícios consagrados na lei, a nível global.

9. Os direitos dos trabalhadores da administração pública à atribuição de uma remuneração mensal mínima, integram os “direitos fundamentais derivados”, dada a concretização legislativa do salário mínimo, previsto no n.º 2 (alínea a)) do artigo 59.º da Constituição, estando vedado ao legislador restringi-los, salvo nos termos enunciados no artigo 18.º da Constituição (cfr. neste sentido preciso, Prof. Gomes Canotilho e Dr. Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, 3ª ed., 1993, págs. 319 e 320)

10. E a imposição constitucional relativa ao salário mínimo radica-se na necessidade de garantir aos trabalhadores um “mínimo vital” para cobrir as necessidades tidas por essenciais do agregado familiar, face ao nível atingido pelo custo de vida, devendo corresponder, em suma, às “necessidades elementares do ser humano e de sua família” como doutrina, com pertinência, o Prof. Gérard Lyon-Caen (cfr. “Droit du Travail – Le Salaire, Paris, Dalloz”, 1981, pág. 33, 34 e ss., e Dr. António Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, pág. 336 e 337, entre outros Autores).

11. De tal modo o legislador acautelou a observância do abono do salário mínimo aos trabalhadores, pelas entidades empregadoras, que estabeleceu no mencionado Decreto-Lei n.º 69-A/87, de 9 de Fevereiro, um regime contra-ordenacional (art.º10.º respectivo), aplicável à “prática” de valores salariais inferiores aos devidos.

12. Por outro lado, na Portaria n.º 1093-A/94, de 7 de Dezembro, que procedeu a revisão anual das remunerações dos funcionários e agentes da Administração Central Regional e Local, prescreveu-se no seu n.º 5, “que os funcionários e agentes com remuneração base correspondente ao nível 100 de escala salarial serão remunerados, no ano de 1995, pelo índice 105, fazendo-o coincidir com o nível remuneratório do salário mínimo fixado”.

13. Estatuição de sentido assimilável, foi estabelecida, por sua vez, na Portaria n.º 87/95, de 31 de Janeiro, cujo n.º 1, determinou “que os funcionários e agentes com remuneração base correspondente ao índice 100 da escala salarial do regime geral são remunerados, no ano de 1996, pelo índice 106” tendo justamente em vista o valor actualizado para o salário mínimo. (cfr. considerações preambulares da citada Portaria n.º 87/95, de 31 de Janeiro).

14. O confronto entre o precedente quadro normativo e valorativo, respeitante ao salário mínimo nacional, com as normas determinativas das reduções no vencimento dos excedentes, na situação de disponibilidade, parece legitimar a conclusão que a forma de compatibilizar, lógica e prescritivamente, as normas colidentes, haverá de fazer-se, através de uma interpretação restritiva, das disposições que impõem reduções abaixo do valor do salário mínimo nacional, cujo montante deve ser sempre, e em qualquer caso, abonado.

15. Tal juízo interpretativo, postulado pelo valor normativo prevalecente da “remuneração mínima garantida”, de raiz constitucional, visa também arredar a antinomia ou conflito aparente de normas, que a coerência lógica e unidade do sistema jurídico não devem, em princípio, consentir.

16. A esta razões jurídicas substantivas, deve ainda aditar-se a consideração, também relevante, de que os funcionários em causa foram colocados na situação de excedentes, por razões de ordem organizatória, de racionalização de estruturas, e de gestão dos recursos humanos, a que foram alheios, pelo que seria profundamente injusto que para além das reduções impostas por lei aos seus vencimentos, lhes fosse, em casos – limite embora, abonado vencimento de valor inferior ao salário mínimo nacional.

17. Este entendimento foi, de resto, perfilhado anteriormente pela Direcção-Geral da Contabilidade Pública em caso assimilável ao presente, dos funcionários adidos na situação de disponibilidade, com redução de 60% nos seus vencimentos, em relação ao qual foi determinado o abono do salário mínimo sempre que das reduções efectuadas, resultasse valor remuneratório inferior (vid. ofício n.º …, fotocopiado em anexo).

18. Face ao precedentemente exposto e ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:

a) Que, à luz das considerações expendidas, seja reapreciada a posição que vem sendo adoptada pela Secretaria-Geral desse Ministério, devendo determinar-se o abono do salário mínimo anualmente fixado, em todos os casos em que as reduções impostas pela lei nos vencimentos dos funcionários excedentes, na situação de disponibilidade, se traduzam em valor remuneratório inferior àquele.

b) De modo particular, devem ser abonados ao queixoso, aposentado definitivamente, as diferenças entre o valor dos vencimentos que lhe foram efectivamente pagos nos anos de 1989 a 1992, e o valor fixado na lei, nestas anuidades, para o salário mínimo nacional.

c) Que seja comunicado à Caixa Geral de Aposentações, para os efeitos convenientes, o abono das mencionadas “diferenças” respeitantes aos vencimentos devidos ao queixoso, enquanto permaneceu no activo da função pública.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel