Exm.º Senhor Presidente da Câmara Municipal de Vila Real
Número:33/A/96
Processo:R-840/95
Data:7.02.1996
Área: A1

Assunto:URBANISMO E OBRAS – OBRA PARTICULAR – LICENÇA DE CONSTRUÇÃO – INDEFERIMENTO.

Sequência: Acatada

I-Exposição de Motivos

1. Foi apresentada queixa na Provedoria de Justiça relativa à decisão que recaiu sobre o pedido de viabilidade de construção de uma casa de habitação no Lugar de Casa Grande, em Parada de Cunhos.

2. Com efeito, a decisão desfavorável ao pedido formulado pelo Senhor … fundou-se na Informação dos Serviços Técnicos da Divisão de Edificações Urbanas da Câmara Municipal de Vila Real, nos termos da qual “o pedido de viabilidade de construção duma habitação localiza-se em Estrutura Verde Urbana no Estudo Prévio do Plano de Urbanização de Vila Real. São áreas fundamentais à salubridade da cidade (…) só sendo permitidas construções ou a implantação de mobiliário urbano inerentes a actividades de recreio e lazer a definir em Plano específico. Pelo exposto o pedido não pode ser deferido” (cfr. cópia do ofício n.º …., de 08.02.95, em anexo).

3. A Câmara Municipal de Vila Real, na sequência dos ofícios da Provedoria de Justiça n.ºs. … e …, pronunciou-se sobre a decisão reclamada e seus fundamentos, nos termos do ofício n.º …, de … (de que igualmente se envia cópia, em anexo).

4. A edilidade camarária justificou a decisão tomada, entendendo que existindo um estudo mais pormenorizado no âmbito do ordenamento do território (o citado projecto do plano de urbanização), deve o mesmo ser levado em conta na instrução dos processos de licenciamento de obras, pois, no caso concreto, “pelo contrário o Plano Director Municipal, único instrumento plenamente eficaz para a zona, define esse espaço como sendo de aglomerado urbano de nível U1 sendo a capacidade de construção desses terrenos limitada a um índice de utilização de 1.2 e um número máximo de pisos 7, independentemente dos restantes condicionalismos à construção urbana” (cfr. documento citado).

5. Estando a área abrangida por plano director municipal, o pedido de informação prévia é regulado nos artigos 37.º e 38.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, os quais remetem para os artigos 10.º a 13.º e 32.º do mesmo diploma. Note-se aqui que desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, também aos pedidos de informação prévia formulados para construção em áreas abrangidas por planos directores municipais e planos de urbanização passa a ser aplicável o disposto no art.º 12.º, n.º 3, daquele diploma, o que significa que a decisão (rectius: deliberação) de qualquer pedido formulado (seja qual for o instrumento de planificação urbanística em vigor para a zona) é constitutiva de direitos, para além de vinculativa.

6. No caso vertente, como se viu, a decisão que recaiu sobre o pedido de informação prévia tomou por parâmetro a regulação prevista em projecto de plano de urbanização ainda não aprovado, porquanto elaborado aquele projecto deve ainda ser submetido à apreciação das entidades a consultar e a inquérito público, cujos pareceres e resultados, respectivamente, serão ponderados pela câmara municipal antes de os submeter à assembleia municipal para aprovação (vd. artigos 13.º a 15.º do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março). Existindo plano director municipal, é dispensada a ratificação governamental, mas não o seu registo, a menos que o plano de urbanização não se conforme com aquele (vd. art.º 16.º, do mesmo diploma), devendo então o plano ratificado ou registado ser publicado nos termos da lei, adquirindo plena eficácia (vd. art.º 18.º, idem).

7. Brevemente analisados os regimes jurídicos do pedido de informação prévia e do plano de urbanização (em projecto) que motivou a decisão da Câmara Municipal de Vila Real, questiona-se a validade desta, pelas razões que em seguida se expõem.

8. O pedido de informação prévia (de viabilidade ou de localização) representa um primeiro passo no procedimento de licenciamento de obras particulares, embora não se afigure como uma fase necessária ou obrigatória desse mesmo procedimento. Importa contudo a decisão que sobre aquele recair e os seus efeitos.

9. No caso em análise, a decisão foi desfavorável por alegada desconformidade do projecto de construção pretendido com as disposições do futuro plano de urbanização de Vila Real (partindo do princípio que as mesmas serão mantidas em sede de aprovação do plano).

10. Não pode contudo ser esse o motivo de indeferimento de um pedido de viabilidade de construção, para mais vigorando o plano director municipal que não prevê as proibições ou limitações de construção invocadas.

11. Não é por acaso que o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro sempre distinguiu os procedimentos a seguir para os pedidos de informação prévia e para os pedidos de licenciamento de construção, consoante a área seja abrangida ou não por plano de pormenor ou alvará de loteamento, plano de urbanização ou plano director municipal.

12. Por outro lado, não se pode perder de vista o que é fixado na lei para as deliberações/decisões que recaiam sobre os pedidos de licenciamento de obras de construção. O indeferimento dos pedidos de licenciamento deve basear-se nos fundamentos contidos nas alíneas a) a g), do n.º 1, do art.º 63.º, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro e pode basear-se nos fundamentos enunciados nas alíneas a) e b), do n.º 2, do mesmo artigo.

13. A solução legal não diverge essencialmente do que já havia sido fixado no art.º 15.º do revogado Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de Abril, pois “a enumeração legal dos fundamentos de indeferimento continua a ser taxativa (…). A câmara municipal só pode indeferir o pedido com base em alguns dos fundamentos previstos no presente artigo, mas não tem necessariamente de o fazer relativamente a dois deles” (cfr. António Duarte de Almeida e Outros, Legislação Fundamental do Direito do Urbanismo Anotada e Comentada, vol. II, Lisboa, 1994, anotação ao art.º 63.º, do Decreto-Lei n.º 445/91, p. 969).

14. Para o que aqui interessa, atente-se no disposto na alínea a), do n.º 1, do art.º 63.º, do citado Decreto-Lei n.º 445/91. Vem aqui previsto o indeferimento do pedido de licenciamento com base na desconformidade com instrumentos de planificação territorial, válidos nos termos da lei.

15. Mais se deve entender que a lei se refere aos planos válidos e eficazes, ou seja, publicados no Diário da República, pois “o plano entra em vigor na data da sua publicação no Diário da República, adquirindo plena eficácia”, como decorre do disposto no art.º 18.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março (neste sentido, António Duarte de Almeida e Outros, Legislação Fundamental do Direito do Urbanismo, cit., p. 971 e ss.). Aliás, a Constituição da República Portuguesa comina com a ineficácia a falta de publicidade dos “actos de conteúdo genérico dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local” (art.º 122.º, n.º 2, CRP), o que não obstante não afectar a validade do acto, impede a sua oponibilidade e obrigatoriedade relativamente a terceiros (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, anotação ao art.º 122.º, p. 551).

16. Considera-se assim que pese embora a terminologia legal, não podem servir de parâmetro para fins de licenciamento (ou melhor, de não licenciamento) os instrumentos de planeamento urbanístico não publicados, pois desconhecidos pelos seus destinatários.

17. Mas mesmo que assim não se entenda, considerando-se que a lei não se refere também à eficácia dos planos, temos de reconhecer que só se poderia referir a actos perfeitos, “válidos nos termos da lei”, o que nem aqui se verifica, pois o projecto do plano de urbanização de Vila Real não foi ainda aprovado pela assembleia municipal, encontrando-se em fase procedimental anterior, sendo certo que não pode invocar normas não publicadas, nem sequer aprovadas para decidir em desfavor dos seus munícipes.

18. Acresce que o instrumento planificatório válido e eficaz existente – o Plano Director Municipal de Vila Real – não obsta à construção de casa de habitação na área onde se situam os terrenos do reclamante, ou seja, permite a aprovação dos projectos de construção como o do agora indeferido.

19. Se se tratasse de um pedido de licenciamento de construção, a decisão camarária estaria inquinada pelo vício de violação de lei (art.º 63.º, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, cuja natureza taxativa é pacífica na doutrina e jurisprudência nacionais). Tratando-se da decisão de um pedido de informação prévia relativamente ao licenciamento de construção, a conclusão não pode ser diversa.

20. Com efeito, dada a ligação entre os dois tipos de pedidos (que se traduz, entre outras coisas, na vinculatividade da decisão que recaia sobre o pedido de viabilidade), deve considerar-se aplicável o regime do citado art.º 63.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro aos pedidos de informação prévia, do mesmo modo que uma decisão favorável a um pedido deste género em desrespeito das disposições de plano urbanístico vigente acarretaria a nulidade dessa decisão, por aplicação do disposto no art.º 52, n.º 2, alínea b), do mesmo diploma, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro (cfr. António Duarte de Almeida e Outros, ob. cit., p. 830).

21. Atente-se que o pedido de informação prévia é um modo expedito de se saber se é possível a realização de uma determinada obra, em determinada zona, com uma determinada finalidade, ou por outras palavras, é um modo de se saber qual a decisão que mereceria o projecto que se apresenta se integrado com outros elementos instrutórios num pedido de licenciamento. Ora se a decisão a tomar em sede de licenciamento da obra nunca poderia ser como a decisão tomada, pois desrespeitaria os fundamentos de indeferimento taxativamente fixados no citado art.º 63.º, não pode a câmara municipal indeferir o pedido de viabilidade relativo a um projecto de construção que, em sede de licenciamento de obras, seria considerado admissível, isto é, viável.

22. Não se nega que os dois tipos de pedido têm uma certa autonomia. Daí que a resposta da câmara municipal a um pedido de informação prévia é uma verdadeira decisão e não um mero parecer integrado no procedimento de licenciamento (vd. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, da 1ª Secção, de 15.01.84, in Apêndice ao Diário da República, de 06.02.87).

23. Não pode é ser diferente a resposta a um “posso construir?” e a um “posso eventualmente construir?”, quando o interessado vem “solicitar à administração que tome uma primeira decisão sobre uma pretensão, que lhe é formulada num determinado estádio de elaboração e concretização” (cfr. António Duarte de Almeida e Outros, ob. cit., p. 825), sendo necessária a posterior formulação de um pedido de licenciamento, o qual se realizado no prazo de um ano e se conforme ao pedido de informação prévia, não pode merecer diferente decisão, pois a lei estabelece a vinculatividade das decisões (favoráveis) dos pedidos de viabilidade.

24. Assim, a meu ver, o acto administrativo que decidiu desfavoravelmente o pedido de informação prévia formulado pelo Senhor J…, comunicado ao interessado em 8 de Fevereiro de 1995, para os efeitos previstos no art.º 100.º do Código de Procedimento Administrativo, o qual foi mantido, mesmo com a oposição do requerente, é ilegal por se fundar em razões estranhas ao elenco taxativamente fixado no art.º 63.º, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro.

25. Sendo o acto em causa inválido, pode – e deve – ser revogado com fundamento na sua ilegalidade dentro do último prazo previsto na lei para o recurso contencioso (art.º 141.º, do Código de Procedimento Administrativo), o qual se encontra actualmente a decorrer.

II-Conclusões

De acordo com o que ficou exposto, e em nome da atribuição constitucional que me é conferida no sentido da prevenção e reparação de injustiças (art.º 23.º, n.º 1, CRP), entendo fazer uso dos poderes que me são conferidos pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça), no seu art.º 20.º, n.º 1, alínea a), e, como tal,RECOMENDO:

1º- A revogação do acto administrativo que indeferiu a pretensão do Senhor …, decidindo desfavoravelmente o pedido de informação prévia, com fundamento na sua invalidade, por desrespeito do disposto no art.º 63.º, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, nos termos do art.º 141.º, do Código de Procedimento Administrativo;

2º- A notificação ao interessado do acto que venha a ser emitido na sequência da presente Recomendação;

3º- A reapreciação da pretensão do interessado, em sede de futuro procedimento de informação prévia ou de licenciamento, ao abrigo do regime estatuído no Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 29/92, de 5 de Setembro, e Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, e tomando por parâmetro os planos urbanísticos efectivamente vigentes à data da sua apreciação, sem se ignorar, porém, que as decisões favoráveis tomadas em sede de informação prévia são constitutivas de direitos para os particulares.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel